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Resumo
INTRODUÇÃO
Atualmente, estamos testemunhando um aumento no número de crianças e adolescentes que recebem diagnóstico de dificuldades de aprendizagem, abrangendo questões neurológicas, psicológicas, emocionais e/ou ambientais que impactam sua capacidade cerebral de compreender, reter ou comunicar informações.
Inúmeros estudos e investigações conduzidos por especialistas sugerem que muitas crianças que enfrentam dificuldades na escola podem estar sofrendo de problemas não identificados. Em muitos casos, essas crianças e adolescentes são rotulados injustamente como tendo baixo quociente de inteligência, sendo insolentes, apresentando mau comportamento ou sendo preguiçosos. Após tentativas frustradas por parte da escola e da família de usar métodos tradicionais de recompensa e punição, todos ficam desanimados, mas nenhum grupo sente isso tão intensamente quanto os próprios alunos, que frequentemente ouvem o desencorajador mantra “você precisa se esforçar mais!”
Apesar dos esforços contínuos de pesquisa, as dificuldades de aprendizagem ainda são mal compreendidas pela maioria das pessoas, inclusive por professores e outros profissionais da educação. Essa confusão é compreensível, pois o termo “dificuldades de aprendizagem” não se refere a um único distúrbio, mas sim a um conjunto de problemas que podem afetar o desempenho escolar. Esses problemas raramente podem ser atribuídos a uma única causa, exigindo uma avaliação cuidadosa dos aspectos neurológicos, psicológicos e do ambiente familiar e escolar. As dificuldades de aprendizagem geralmente ocorrem em combinações variadas e com diferentes níveis de gravidade, tornando pouco provável que os estudantes rotulados com esse termo apresentem os mesmos comportamentos ou desafios. O que eles têm em comum, na maioria das vezes, é um desempenho escolar abaixo do esperado.
Na maioria dos casos, as crianças parecem não ter problemas aparentes, levando pais e educadores a se questionarem sobre como uma criança pode ser habilidosa no uso de tecnologia digital, por exemplo, mas ainda assim ter dificuldade com conceitos básicos como o alfabeto. Essa discrepância entre habilidades é uma característica marcante das dificuldades de aprendizagem. Embora muitas vezes ajam de acordo com suas capacidades intelectuais e familiares, ao enfrentarem certas tarefas, seus cérebros parecem encontrar um bloqueio.
Os prejuízos neurológicos podem afetar qualquer aspecto do funcionamento cerebral, sendo que as deficiências que mais frequentemente resultam em problemas acadêmicos dizem respeito à percepção visual, processamento da linguagem, habilidades motoras finas e capacidade de concentração. Geralmente, essas deficiências se tornam mais evidentes quando a criança ingressa na escola.
TIPOS DE DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM MAIS COMUNS NO AMBIENTE ESCOLAR
Segundo Martim e Marchesi (1996), não há uma definição única e ideal para o termo “Dificuldades de Aprendizagem”. Isso ocorre devido à homogeneidade geralmente observada na população que enfrenta essas dificuldades. Para eles, dificuldades de aprendizagem referem-se a qualquer obstáculo visível que um aluno encontre para acompanhar o ritmo de aprendizado de seus colegas da mesma faixa etária.
Dentro da categoria de Dificuldades de Aprendizagem, é possível encontrar uma variedade de situações, como problemas situacionais de aprendizagem, que surgem apenas em circunstâncias específicas; problemas de comportamento; questões emocionais; distúrbios da fala e da linguagem; dificuldades físicas relacionadas à visão, audição e coordenação motora fina; e problemas múltiplos, que envolvem a combinação de dois ou mais dos fatores mencionados anteriormente.
PROBLEMAS SITUACIONAIS DE APRENDIZAGEM
Os desafios situacionais de aprendizagem emergem em fases específicas da jornada escolar da criança, geralmente desencadeados por eventos vivenciados no ambiente doméstico. Estes podem incluir a separação dos pais, o estabelecimento de novos relacionamentos por parte dos pais, a chegada de um novo irmãozinho, ou até mesmo uma mudança de escola. Essas mudanças desestabilizam emocionalmente a criança, impactando seu desempenho acadêmico e levando a uma queda no rendimento que anteriormente era consistente e sem dificuldades.
PROBLEMAS DE COMPORTAMENTO
Entre os desafios comportamentais mais comuns enfrentados pela população escolar, destaca-se o TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade), que tem sido observado em uma parcela significativa de alunos nos primeiros anos do Ensino Fundamental. Na Educação Infantil, os professores conseguem identificar a hiperatividade em crianças que têm dificuldade em permanecer sentadas durante atividades como rodas de conversa, contação de histórias, apresentações ou execução de tarefas. Estas crianças demonstram falta de controle sobre seus impulsos, planejamento e atenção.
Segundo o neurologista infantil Milton Genes, o TDAH é um transtorno mental e neurobiológico, multifatorial, comum na infância e com grande impacto sobre o indivíduo, sua família e a sociedade. As crianças com TDAH frequentemente são rotuladas como mal-educadas, e suas famílias são culpadas por não ensinar bons modos aos filhos. Elas enfrentam dificuldades de interação com os colegas, muitas vezes afastando-os devido à agressividade resultante da falta de controle dos impulsos. Os déficits de atenção podem manifestar-se com ou sem hiperatividade. Algumas crianças apenas apresentam desatenção, demonstrando dificuldade em manter o foco em tarefas ou atividades lúdicas, cometendo erros por descuido, encontrando dificuldades para organizar suas atividades diárias, perdendo frequentemente objetos e enfrentando problemas de memória. Embora a hiperatividade seja mais comum em meninos e a desatenção em meninas, não se trata de uma regra inflexível.
PROBLEMAS EMOCIONAIS
Entre os desafios emocionais mais frequentes que podem impactar a aprendizagem das crianças, destacam-se a baixa autoestima, a falta de tolerância à frustração, a hipersensibilidade e os sintomas de depressão e ansiedade. Muitas vezes, esses problemas passam despercebidos, especialmente por se tratar de crianças. É comum que um problema emocional se desenvolva como resultado de outros desafios previamente mencionados, que não foram identificados e tratados.
DISTÚRBIOS DA FALA E DA LINGUAGEM
Os distúrbios da fala e da linguagem são também considerados dentro da categoria de dificuldades de aprendizagem e podem levar muitos alunos ao fracasso escolar. Entre esses distúrbios estão a gagueira e a linguagem confusa.
A gagueira é definida como um transtorno caracterizado pela presença frequente de interrupções ou prolongamentos de sons ou sílabas, o que causa dificuldades na fluidez da fala e pode afetar a escrita.
Por sua vez, a linguagem confusa é descrita pelos especialistas como uma alteração na fluidez verbal, caracterizada por um ritmo verbal errático, pouca inteligibilidade e padrões gramaticais alterados. Expressões verbais ou grupos de palavras sem relação com a estrutura da frase também são comuns nesse distúrbio. Quem enfrenta essas dificuldades muitas vezes não percebe o problema, o que resulta em uma pronúncia inadequada das palavras, falas confusas e dificuldades para organizar sequências de sons ou processar informações de forma mais lenta do que o normal.
Na sala de aula, as dificuldades no processamento da linguagem podem se destacar devido à necessidade de respostas rápidas. Embora a criança possa saber a resposta, ela pode hesitar ao ser chamada, pois precisa de tempo para encontrar e formular as palavras necessárias para uma resposta coerente.
PROBLEMAS FÍSICOS DE VISÃO E AUDIÇÃO
Os problemas físicos de visão e audição representam grandes desafios de aprendizagem para alunos nos anos iniciais. Muitas vezes, esses problemas demoram a ser identificados e tratados, o que pode levar a criança ao fracasso escolar, uma situação que poderia ser evitada.Crianças com deficiência na percepção visual enfrentam dificuldades para compreender o que veem, reconhecer, organizar, interpretar e lembrar imagens visuais. Essas dificuldades não se restringem apenas a letras, mas também se estendem a números, mapas, gráficos e tabelas; ou seja, elas têm dificuldade com símbolos e representações visuais.
Por outro lado, as dificuldades no processamento auditivo têm consequências semelhantes às dificuldades de processamento da linguagem. As crianças com esse tipo de dificuldade têm problemas para ouvir as palavras corretamente, entender seus significados, lembrar informações verbais e se comunicar de forma clara.
Além de afetar a leitura e a escrita, as deficiências no processamento auditivo e da linguagem também podem prejudicar o desenvolvimento social. As crianças que enfrentam esses problemas tendem a cometer erros ao falar e podem se tornar silenciosas, reservadas e tímidas por medo de expor suas fraquezas.
DEFICIÊNCIAS MOTORAS FINAS
As crianças com deficiências motoras finas enfrentam desafios no controle dos grupos de pequenos músculos em suas mãos. Isso não afeta sua capacidade intelectual, mas interfere no desempenho escolar, especialmente na comunicação por escrito. Mesmo que se esforcem, elas têm dificuldade em escrever bem.
Os sintomas dessa deficiência podem persistir ao longo da vida: parecem desajeitadas, frequentemente deixam cair objetos, têm dificuldade em realizar habilidades manuais, têm problemas de percepção de espaço, apresentam lentidão significativa e precisam de esforço excepcional para realizar tarefas escritas.
Alunos com deficiências motoras finas frequentemente evitam escrever, pois não gostam dessa atividade. Em escolas onde o desempenho dos alunos é avaliado principalmente pelo trabalho escrito e pela estética, esses alunos são rotulados como preguiçosos e descuidados, o que pode levá-los ao fracasso escolar.
PROBLEMAS MÚLTIPLOS
As dificuldades de aprendizagem frequentemente se manifestam em combinações, o que significa que uma criança pode enfrentar duas ou mais das dificuldades mencionadas anteriormente simultaneamente. Isso resulta em problemas múltiplos, tornando a identificação e as intervenções necessárias mais desafiadoras.Normalmente as dificuldades de aprendizagem só começam a ser identificadas quando a criança começa a ter problemas na escola uma vez que elas interferem no domínio das habilidades escolares.
COMO IDENTIFICAR AS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM EM SALA DE AULA?
Muitas crianças com dificuldades de aprendizagem enfrentam seus desafios por anos antes que a escola e a família se empenhem em realizar um esforço intensivo para descobrir a melhor forma de ajudá-las. Quanto mais tempo uma dificuldade de aprendizagem permanecer sem identificação, mais problemas o aluno poderá enfrentar em sua vida escolar, familiar e até mesmo na sociedade.
Não é sempre que as famílias estão dispostas a reconhecer as limitações de seus filhos e algumas vezes relutam em buscar esclarecimentos sobre as dificuldades acadêmicas apresentadas por eles. Portanto, é crucial que os professores, supervisores e diretores estejam atentos aos sinais que indiquem a necessidade de encaminhar a criança para uma avaliação realizada por profissionais da área da saúde.
Alguns dos problemas mencionados podem ser observados muito antes do início da escolarização, enquanto outros só se tornam mais evidentes após a criança começar a frequentar a escola. É crucial ressaltar que a manifestação de qualquer um desses comportamentos pode indicar a presença de outros problemas além das dificuldades de aprendizagem. Portanto, é importante considerá-los como sinais de que algo pode estar errado, demandando atenção especial e uma investigação detalhada.
O QUE FAZER APÓS DETECTAR UMA DIFICULDADE DE APRENDIZAGEM EM SEU ALUNO?
Após identificar que a criança está enfrentando dificuldades de aprendizagem, o professor deve trabalhar em conjunto com a equipe pedagógica da escola para dialogar com os responsáveis e encaminhar a criança para uma avaliação com profissionais de saúde. Essa avaliação geralmente envolve uma equipe multidisciplinar, composta por pediatras, neurologistas, psicólogos, fonoaudiólogos e, em alguns casos, outros especialistas como otorrinolaringologistas, psicopedagogos e terapeutas ocupacionais, até que um diagnóstico ou laudo seja obtido.
É sabido que uma das principais dificuldades enfrentadas pelas escolas públicas é a escassez desses profissionais de saúde, o que dificulta tanto a avaliação quanto o acompanhamento adequado das crianças. Muitas vezes, as crianças acabam esperando por anos em filas de espera por atendimento. A assistência e o acompanhamento profissional são fundamentais para o progresso acadêmico de uma criança com dificuldades de aprendizagem, tão essenciais quanto um programa educacional adaptado pela escola para atender às necessidades individuais desse aluno.
O QUE A ESCOLA PODE FAZER PARA AJUDAR OS ALUNOS COM DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM?
Além de orientar a família a buscar acompanhamento clínico, a escola precisa estar bem informada sobre as leis que garantem os direitos das crianças com dificuldades de aprendizagem, a fim de ajudá-las de forma justa e respeitosa. As políticas educacionais municipais variam, algumas consideram esses alunos como parte da Educação Especial, enquanto outras não. Portanto, é essencial conhecer as legislações municipais embasadas na constituição e em resoluções federais.
Na sala de aula, o professor pode implementar modificações e adaptações registradas em um plano de ensino individualizado para auxiliar os alunos com dificuldades de aprendizagem. Isso pode incluir oferecer assento preferencial, tempo extra para atividades e avaliações, destaque de textos e exercícios importantes, divisão de textos extensos seguidos de questionários, permitir ambientes alternativos durante avaliações, uso de esquemas visuais para resumir conteúdos, leitura de questões para os alunos, entre outros.
Além dessas adaptações, a escola pode fornecer suporte adicional em áreas onde a criança está enfrentando dificuldades. Esse suporte pode ser oferecido pelo próprio professor em atendimento individual durante as atividades da turma ou por um professor adicional em outro ambiente, como a biblioteca ou sala de informática, por exemplo.
O professor deve empregar diferentes métodos e materiais de ensino para garantir que o aluno alcance os objetivos estabelecidos. É importante verificar constantemente se o aluno está respondendo aos materiais e atividades da turma ou se é necessário diversificá-los. Por exemplo, um aluno pode não se sair bem ao escrever no caderno sobre o alfabeto, mas pode ter sucesso ao recortar e colar letras de revistas em uma folha de papel.
Um programa de ensino individualizado para crianças com dificuldades de aprendizagem deve focar no ensino e reforço de habilidades básicas, monitoramento constante do progresso, permitindo que o aluno acompanhe o conteúdo da classe e orientando os responsáveis sobre como oferecer apoio adequado em casa.
O ideal da educação não é aprender ao máximo, maximizar os resultados, mas é antes de tudo aprender a aprender, é aprender a se desenvolver e aprender a continuar a se desenvolver depois da escola(Jean Piaget, 1978, p. 225)
CONCLUSÃO
Conforme observamos, nem sempre é viável contar com o suporte da família ou acompanhamento clínico profissional externo para os alunos com dificuldades de aprendizagem, seja por motivos diversos. Portanto, cabe à escola desempenhar seu papel fundamental para ajudar essas crianças, oferecendo um programa de ensino individualizado que lhes permita superar obstáculos e alcançar sucesso na vida escolar, dentro de suas capacidades.
O essencial é identificar essas dificuldades para evitar rotular a criança como “preguiçosa” ou “irresponsável” em relação às tarefas escolares. Isso evita que ela permaneça por anos na mesma série devido a reprovações, o que poderia levar à evasão escolar, problemas comportamentais e emocionais.
Embora não haja uma cura definitiva para as dificuldades de aprendizagem, existe tratamento. A criança aprende a lidar com essas dificuldades, desenvolve mecanismos e estratégias para enfrentar os desafios diários, aceita suas limitações e fortalece sua autoconfiança. Com a identificação precoce das dificuldades, intervenções adequadas e apoio da família e da escola, a criança pode superar os desafios impostos por suas dificuldades.
A história está repleta de exemplos de pessoas com dificuldades de aprendizagem que se tornaram adultos saudáveis e bem-sucedidos, contribuindo para o desenvolvimento da humanidade. Entre essas figuras inspiradoras estão nomes como Thomas Alva Edison, Alexander Graham Bell, Leonardo da Vinci, Albert Einstein, Beethoven e Walt Disney. Eles demonstram que o potencial humano transcende qualquer dificuldade inicial de aprendizagem.
Segundo Freire (1996, p. 14) temos uma responsabilidade ética no exercício da tarefa docente, em que: “[…] formar é muito mais do que puramente treinar o educando no desempenho de destreza”. Para tanto, pode ser necessário considerar as contradições que os alunos apresentam durante o processo de aprendizagem, pois tais dificuldades podem estar ligadas ao método de ensino, uma vez que: “[…] ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção” (p. 47).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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GARCIA, Jesus Nicasio; Tradução Jussara /haubert Rodrigues. Manual das Dificuldades de Aprendizagem: Linguagem, Leitura, Escrita e Matemática. Porto Alegre: Artemed, 1998.
PIAGET, J. A formação do símbolo na criança. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1978.
EDUCAR, Revista Appai. Reportagem de capa: TDAH. Rio de Janeiro: Edigráfica, 2018.
WEISZ, Telma & SANCHEZ, Ana. O diálogo entre o ensino e a aprendizagem. 2ª ed. São Paulo: Ática, 2003.
Martin, E. & Marchesi, A. (1996). Desenvolvimento metacognitivo e problemas de aprendizagem. In: C. Coll, J. Palacios, A.Marchesi (Orgs.) Desenvolvimento psicológico e educação, necessidades educativas especiais e aprendizagem escolar (Vol. 3), Porto Alegre: Artes Médicas.
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