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Resumo
INTRODUÇÃO
A alfabetização científica na educação infantil desempenha um papel crucial no desenvolvimento de competências e habilidades que capacitam as crianças a compreender e interagir de forma crítica e reflexiva com o mundo ao seu redor. Em uma era em que a informação circula rapidamente e questões científicas permeiam o cotidiano, é vital que os jovens aprendizes não apenas consumam informações, mas também sejam estimulados a questionar, investigar e formular suas próprias explicações sobre fenômenos naturais e sociais. A partir disso, surgem as seguintes perguntas norteadoras para este estudo: (i) quais competências são essenciais para proporcionar às crianças uma compreensão inicial dos conceitos científicos na educação infantil? (ii) De que forma as práticas pedagógicas podem ser moldadas para despertar a curiosidade e o interesse das crianças pelo conhecimento científico? (iii) como o ambiente escolar e familiar pode colaborar na formação de uma cultura de investigação e experimentação na educação infantil?
O objetivo geral deste estudo é promover a alfabetização científica na educação infantil por meio de práticas pedagógicas que incentivem a curiosidade e a investigação, contribuindo para a formação de crianças críticas e reflexivas. Para isso, foram estabelecidos três objetivos específicos: (i) criar atividades lúdicas e experimentais que fomentem a observação e a curiosidade científica; (ii) capacitar educadores para integrar conceitos científicos de maneira interdisciplinar no currículo da educação infantil; e (iii) estabelecer diálogos entre escola e família que incentivem a exploração e a discussão de temas científicos no cotidiano das crianças.
Neste contexto, o processo de alfabetização transcende a simples memorização de conceitos; envolve uma imersão em práticas investigativas que promovem a curiosidade, a criatividade e a autonomia. Portanto, explorar abordagens que possibilitem uma aprendizagem significativa na educação infantil, através de atividades lúdicas e interativas, é um desafio e uma responsabilidade de educadores e da sociedade em geral. Este trabalho refletirá sobre as metodologias e abordagens que podem ser utilizadas para cultivar a alfabetização científica nos primeiros anos de escolaridade, criando um ambiente em que as crianças se sintam motivadas a explorar, questionar e compreender o mundo de maneira integrada e consciente.
A Alfabetização Científica (AC) tem se tornado um tema relevante nas pesquisas sobre ensino de ciências. Ao discutirmos a Alfabetização Científica, é fundamental esclarecer a definição adotada, uma vez que essa expressão pode ter diferentes interpretações. Na literatura nacional, encontramos autores que utilizam o termo “letramento científico”, uma tradução do inglês, e aqueles que preferem “alfabetização científica”, uma tradução do francês e espanhol (Sasseron e Carvalho, 2011).
É necessário diferenciar esses termos, pois apesar de compartilharem preocupações com o ensino de ciências e suas implicações sociais e ambientais, é importante estabelecer qual será o foco desta pesquisa. Para tal, optou-se por uma abordagem metodológica indutiva, ou seja, baseada em observações específicas para chegar a conclusões mais gerais. Este método é frequentemente empregado em diversas áreas do conhecimento, especialmente nas pesquisas qualitativas, pois possibilita a construção de teorias a partir de dados empíricos (Freitas, 2013).
REVISÃO DA LITERATURA
ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA
A Alfabetização Científica, conforme Sasseron e Carvalho (2011) e Lorenzetti e Delizoicov (2001), está alicerçada nas ideias de alfabetização segundo Paulo Freire (2005). Para Freire, “a alfabetização deve desenvolver em qualquer pessoa a capacidade de organizar seu pensamento de maneira lógica, além de auxiliar na construção de uma consciência crítica em relação ao mundo” (Sasseron e Carvalho, 2011, p. 61).
Utilizaremos o termo “alfabetização científica” para designar as ideias que visamos ao planejar um ensino que permita aos alunos interagir com uma nova cultura e uma nova forma de perceber o mundo e seus acontecimentos, propiciando modificações em si mesmos e na realidade por meio da prática consciente e da interação com saberes científicos e habilidades associadas ao fazer científico (Sasseron e Carvalho, 2011).
As autoras destacam que a AC tem como objetivo formar cidadãos críticos e responsáveis em sua atuação na sociedade, e este aspecto é comum a diversas explicações de pesquisadores sobre a Alfabetização Científica.
No contexto da alfabetização, as dificuldades de aprendizagem podem ser barreiras significativas para a capacidade da criança em assimilar e internalizar os fundamentos da leitura e escrita. Ao entrar na escola, a criança inicia um processo vital de aquisição de habilidades linguísticas. Correia (2021) ressalta que superar esses desafios é essencial para garantir a todos os alunos a oportunidade de se tornarem leitores e escritores proficientes.
A crescente preocupação em posicionar a AC como objetivo central no ensino de ciências em toda a educação básica se justifica pelo fato de que a sociedade depende dos conhecimentos gerados pela ciência. Por isso, é necessário que a população esteja mais informada sobre a ciência e suas implicações. O foco da AC não é fazer da população cientistas, mas capacitar os indivíduos a tomar decisões pessoais ou políticas de maneira consciente, utilizando o conhecimento prévio para chegar a novas conclusões. As autoras enfatizam que a AC é um processo gradual ao longo da vida, intrinsecamente ligado às características sociais e culturais do indivíduo.
Muitas preocupações citadas se refletem também no trabalho de Lorenzetti e Delizoicov (2001). Miller (1983, apud Lorenzetti e Delizoicov, 2001) observa que a alfabetização apresenta dois significados. O primeiro, mais complexo, relaciona-se à cultura e erudição, enquanto o segundo diz respeito à capacidade de ler, compreender e opinar sobre assuntos científicos — o que exclui as crianças. No entanto, essa definição pressupõe que o indivíduo já domine o código escrito. Lorenzetti e Delizoicov objetam essa visão, afirmando que a alfabetização científica pode ser desenvolvida antes da criança dominar a escrita e que, além disso, pode auxiliar na evolução da leitura e escrita, servindo como um potente aliado no desenvolvimento lógico e nos significados.
PROMOVENDO A ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Marques e Marandino (2018), assim como os autores citados anteriormente, defendem que a AC é um processo contínuo, que ocorre tanto dentro quanto fora da escola. Dessa forma, o indivíduo pode relacionar-se com a Alfabetização Científica mesmo sem ter frequentado a escola, e quanto mais cedo essa relação for estabelecida, mais significativo será o conhecimento científico adquirido. Para os autores, os conhecimentos científicos podem ser parte da experiência de aprendizagem das crianças de maneira integrada, participativa e lúdica, como um elemento da cultura na qual a criança está inserida.
A discussão sobre a AC na educação infantil ainda é recente, resultando em poucos trabalhos sobre o tema, como afirmam Marques e Marandino (2018). Entre as justificativas para essa lacuna, Lorenzetti e Delizoicov destacam a escassez de materiais didáticos e conteúdos científicos nas escolas. Esse desafio é ainda maior na educação infantil, onde muitas instituições não utilizam livros didáticos ou materiais sistematizados, recaindo a responsabilidade quase que totalmente sobre o pedagogo. Outro ponto levantado por eles é a maneira como as creches e pré-escolas foram constituídas. Segundo Marques e Marandino (2018), as creches surgiram como espaços de cuidado para que as mães pudessem trabalhar, enquanto as pré-escolas focaram a preparação para a escolaridade, organizando-se na tradição da educação primária. O reconhecimento da educação infantil como a primeira etapa da educação básica ocorreu somente em 1996, o que sugere que a inclusão da educação infantil nesse contexto ainda enfrenta desafios em estudos e reconhecimentos adequados de sua importância.
As mudanças nas concepções de criança e infância também influenciam as mudanças pedagógicas na educação infantil. Durante muito tempo, as crianças foram vistas como “futuras” adultas, não tendo reconhecimento como participantes ativas na construção social da infância, conforme Corsaro (2011). Com o tempo, essa percepção foi alterada, reconhecendo a criança como agente ativa na cultura e, por consequência, na cultura científica, ao inserir-se em um mundo permeado por ciência e tecnologia. Esta visão coloca as crianças como sujeitos do processo de AC (Marques e Marandino, 2018).
Outro desafio mencionado por Lorenzetti e Delizoicov (2001) é a organização do cotidiano escolar, já que a escola pode impulsionar significativamente a alfabetização científica. No entanto, é necessário inserir em seu planejamento práticas diversas, como visitas a museus, centros de ciências, relatos de literatura infantil, entre outros. O professor deve selecionar essas experiências de maneira apropriada, abordando os sentidos da conceituação científica presentes nos diferentes meios de comunicação (Lorenzetti e Delizoicov, 2001).
Assim, a criança deve ser a base para a AC na educação infantil, considerando-se atividades que estejam alinhadas com as vivências e interesses da criança. “Para uma criança pequena, estar em processo de AC não significa necessariamente apropriar-se de termos e conceitos científicos, ainda que isso aconteça. O contato com o conhecimento científico, seja por meio de uma visita ao zoológico ou ao observar o caminho de uma formiga, já representa uma vivência do processo de AC, aproximando-a da cultura científica” (Marques e Marandino, 2018).
INTERVENÇÕES LÚDICAS: POTENCIALIZANDO O APRENDIZADO
Considerando todas as explanações até aqui, é evidente que experiências como essas são extremamente significativas para a aprendizagem e o desenvolvimento infantil. Com base na Alfabetização Científica e na necessidade de vivenciá-la, elaboramos intervenções voltadas para a abordagem da astronomia com a temática “sistema solar e exploração espacial”, aplicadas em uma escola pública de Guarulhos, envolvendo crianças da educação infantil. Essas intervenções foram inspiradas na coleção de livros infantis de Ziraldo, chamada “Os meninos dos planetas”, e fazem parte de um projeto de pesquisa em desenvolvimento no Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de São Paulo. As atividades foram planejadas e implementadas juntamente com alunas do PIBID, no contexto do projeto de extensão Joaninha.
Os objetivos da pesquisa são propor, executar e analisar a sequência de intervenções, além de contribuir para que as crianças, ao longo das atividades, possam usufruir da imaginação, criar e construir novas realidades, reelaborando impressões anteriores e combinando experiências relacionais com novas vivências. As metodologias de análise incluem a transposição didática de Chevallard e Joshua e a pesquisa-ação.
Neste trabalho, abordaremos a intervenção denominada “Onde está a Terra?”, realizada na escola EPG Walter Efigênio com uma turma de estágio II. Nessa turma, as crianças têm idades entre cinco e seis anos. O objetivo da intervenção era identificar o conhecimento prévio das crianças sobre a localização do planeta Terra, seu formato e a existência de outros planetas. Para tanto, as crianças foram convidadas a participar de uma roda de conversa, que se iniciou com a pergunta sobre onde a Terra se encontrava. A maioria das crianças afirmou que a Terra estava no céu, enquanto outras mencionaram que ela estava no espaço. Em seguida, as crianças foram levadas a um ambiente externo da escola, denominado solário, onde discutimos a possibilidade de encontrar a Terra no céu. Durante a conversa, foram mencionados outros elementos presentes, como nuvens, o sol, estrelas e lua.
Enquanto falavam sobre esses elementos, algumas crianças comentavam sobre os momentos do dia em que podem ver a lua, o sol e as estrelas. Prosseguimos perguntando se havia algum outro elemento que poderia estar com a Terra; algumas crianças citaram outros planetas, e uma mencionou “Marte”. Ao notarem que não conseguiam enxergar a Terra, pedimos que imaginassem sua aparência e desenhassem em uma grande folha de papel no chão. As crianças desenharam o formato da Terra e sua localização, incluindo elementos como pessoas, árvores e carros. Três crianças desenharam somente esses elementos, sem representar o formato da Terra. Quatro crianças desenharam a Terra acompanhada desses elementos, enquanto outras desenharam a Terra de diversas formas, como coração, flor e quadrado, mas a maioria optou pelo formato redondo. Ao final, as crianças compartilharam seus desenhos com a turma, reconhecendo que a Terra é um planeta redondo localizado no espaço, habitado por pessoas e animais.
Em uma análise breve, a intervenção “Onde está a Terra?” estimulou a criatividade das crianças, que mostraram interesse na atividade. A roda de conversa acerca do sol, da lua e das estrelas, precedendo os desenhos, proporcionou um espaço de discussão rico e significativo. As crianças não apenas alcançaram o objetivo de desenhar a localização e o formato da Terra, mas também exploraram a ligação entre a Terra e os demais astros do sistema solar.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Reforçamos a importância da AC como um direito da criança. Ao reconhecer a criança como produtora de cultura e agente do processo educativo, podemos afirmar que a AC deve se basear na experiência e no interesse das crianças. Constatamos que poderíamos ter explorado com maior profundidade todas as interações das crianças, o que pode enriquecer a investigação sobre esse tema, tomando motivação para futuras atividades.
A intervenção “Onde está a Terra?” Foi parte integrante do processo de Alfabetização Científica, ao alcançar o objetivo inicial de identificar o conhecimento prévio das crianças sobre a localização da Terra e sua relação com outros planetas. O desenvolvimento dessa atividade incentivou as crianças a refletirem e dialogarem sobre outros astros do sistema solar, como o sol, a lua e as estrelas, evidenciando a contribuição da intervenção didática para suas experiências e sendo um estímulo para a curiosidade e o interesse pelas ciências.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CORSARO, William A. Sociologia da infância. Porto Alegre: Artmed, 2011.
FREITAS, Mirelle da Silva. Daquilo que Sabemos: pesquisa metateórica sobre abordagem de ensino de línguas / Mirelle da Silva Fritas – Brasília, 2013. 111 p.
LORENZETTI, Leonir; DELIZOICOV, Demétrio. Alfabetização científica no contexto das séries iniciais.Ensaio, Belo Horizonte, v. 3, n. 1, p. 1- 17, jun. 2001.
MARQUES, Amanda Cristina T. L; MARANDINO, M. Alfabetização científica, criança e espaços de educação não-formal: diálogos possíveis. Educação e pesquisa, São Paulo, v. 44, e170831, 2018.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler – em três artigos que se completam, São Paulo: Cortez, 2005,
SASSERON, Lúcia Helena; CARVALHO, Anna Maria P. Alfabetização científica: uma revisão bibliográfica. Investigações em Ensino de Ciências, Porto Alegre, v. 16, n. 1, p. 59-77, 2011.
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