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Resumo
INTRODUÇÃO
A patologização das dificuldades de aprendizagem é um fenômeno crescente no ambiente escolar, caracterizado pela tendência de transformar desafios pedagógicos em diagnósticos clínicos, como transtornos de déficit de atenção e dislexia. Essa prática reduz questões multidimensionais a explicações individualizadas, frequentemente negligenciando os fatores sociais, econômicos e pedagógicos que afetam o aprendizado (Moysés; Collares, 2010). A medicalização, enquanto desdobramento desse processo, reforça uma abordagem centrada em diagnósticos e tratamentos médicos, que muitas vezes desconsidera a diversidade de contextos educacionais e culturais (Giroto; Berberian; Santana, 2020).
Estudos recentes apontam que essa tendência tem impactos significativos na prática pedagógica. Ao rotular alunos com dificuldades como portadores de transtornos, a escola frequentemente transfere a responsabilidade do aprendizado para os indivíduos, ignorando o papel das práticas pedagógicas e das condições institucionais na promoção de um ensino inclusivo (Sancho; Pfeiffer; Corrêa, 2019). Essa abordagem limita as possibilidades de intervenção educacional, levando professores a priorizar encaminhamentos médicos em detrimento de estratégias pedagógicas.
A relação entre dificuldades de aprendizagem e práticas pedagógicas evidencia a necessidade de compreender as múltiplas dimensões que influenciam o processo educacional. Fatores como condições socioeconômicas, metodologias de ensino inadequadas e falta de suporte pedagógico contribuem para o insucesso escolar, mas frequentemente são negligenciados em prol de explicações biológicas e medicalizantes (Santos; Toassa, 2021). Isso reforça a exclusão de alunos que não se encaixam nos padrões normativos de desempenho acadêmico.
Além dos impactos nos alunos, a patologização das dificuldades de aprendizagem também afeta os educadores. Ao se depararem com alunos rotulados, muitos professores sentem-se desqualificados para lidar com a diversidade em sala de aula, o que reforça a dependência de profissionais externos, como psicólogos e psiquiatras, para solucionar problemas educacionais (Giroto; Berberian; Santana, 2020). Essa dinâmica contribui para a desvalorização do papel pedagógico e limita a autonomia docente.
Diante desse cenário, torna-se urgente repensar as práticas pedagógicas e os critérios de diagnóstico, promovendo uma abordagem crítica e inclusiva. É fundamental que escolas e professores reconheçam a importância de valorizar a diversidade e de adotar práticas pedagógicas que respeitem as singularidades dos alunos, ao invés de recorrer a soluções medicalizantes para lidar com desafios educacionais (Moysés; Collares, 2010). A formação continuada de professores é uma estratégia essencial para reverter essa tendência, capacitando-os para lidar com as demandas da educação inclusiva.
Mediante ao exposto, o presente estudo busca analisar os impactos da patologização das dificuldades de aprendizagem na prática pedagógica, explorando alternativas que promovam um ensino mais humanizado e centrado no aluno. Por meio de uma revisão bibliográfica, pretende-se contribuir para o debate sobre a despatologização da educação, ressaltando a necessidade de abordagens educacionais que priorizem o desenvolvimento integral dos estudantes em seus contextos socioculturais.
PATOLOGIZAÇÃO E MEDICALIZAÇÃO NO CONTEXTO EDUCACIONAL
A patologização no contexto educacional refere-se ao processo de interpretar dificuldades de aprendizagem como problemas intrínsecos ao indivíduo, muitas vezes reduzidos a transtornos ou doenças. Essa prática vem sendo amplamente questionada, pois desconsidera a multiplicidade de fatores sociais, culturais e pedagógicos que influenciam o aprendizado. Segundo Moysés e Collares (2010), a patologização transfere para o aluno a responsabilidade por seu desempenho escolar, desviando o foco de fatores estruturais, como metodologias de ensino inadequadas e condições institucionais precárias.
Essa tendência se intensifica com a medicalização, um desdobramento da patologização, em que soluções médicas, como diagnósticos e medicamentos, são priorizadas para tratar dificuldades que poderiam ser abordadas pedagogicamente. Estudos apontam que essa prática tem raízes em interesses econômicos, incluindo o papel da indústria farmacêutica, que promove a medicalização de comportamentos normais como estratégias de mercado (Giroto; Berberian; Santana, 2020). O aumento de diagnósticos como TDAH e dislexia exemplifica esse fenômeno, especialmente em países com alta adesão ao uso de medicamentos psicoativos para crianças (Sancho; Pfeiffer; Corrêa, 2019).
A medicalização também está atrelada a uma visão fragmentada do ser humano, que isola os aspectos biológicos dos contextos histórico e cultural. Vigotski (1995), ao propor a Teoria Histórico-Cultural, destaca que o desenvolvimento humano é um processo dialético e interativo, no qual fatores sociais e culturais desempenham papéis fundamentais. Essa perspectiva crítica contrasta com as abordagens medicalizantes, que tratam o aprendizado como um fenômeno puramente biológico, negligenciando as mediações sociais.
No ambiente escolar, a medicalização se manifesta em práticas como encaminhamentos excessivos de alunos para avaliações médicas e a priorização de laudos como justificativa para dificuldades de aprendizagem. Tais práticas frequentemente reforçam estigmas, impactando negativamente a autoestima e a inclusão dos estudantes (Santos; Toassa, 2021). Além disso, ao focar nos sintomas individuais, essas abordagens limitam a análise de fatores institucionais, como a qualidade do ensino e o papel do professor na mediação do aprendizado.
De acordo com Terra-Candido e Cruz (2024), a patologização reflete uma visão reducionista que desconsidera a complexidade dos processos de ensino e aprendizagem. Para os autores, é fundamental superar essa abordagem e adotar uma perspectiva ampliada, que inclua fatores históricos e sociais na análise das dificuldades escolares. Essa mudança de paradigma exige uma reconfiguração do papel da escola, que deve ser vista como um espaço de construção coletiva, em vez de um local de validação de rótulos médicos.
Outro aspecto relevante é a relação entre a medicalização e a pressão por resultados acadêmicos imediatos. Em um sistema educacional centrado em avaliações padronizadas, há uma tendência a interpretar comportamentos divergentes como barreiras ao sucesso escolar, intensificando os encaminhamentos médicos (Sancho; Pfeiffer; Corrêa, 2019). Esse cenário cria um ciclo no qual dificuldades são tratadas como patologias, perpetuando práticas excludentes e reforçando desigualdades.
Vigotski (1995) argumenta que as funções psíquicas superiores, como memória e atenção, não surgem de forma isolada, mas são construídas em contextos sociais que oferecem mediações adequadas. A patologização, ao ignorar esse princípio, compromete o potencial transformador da educação. Em vez de promover adaptações pedagógicas que valorizem a diversidade, reforça práticas normativas que desqualificam alunos que não se enquadram em padrões hegemônicos de aprendizado.
Ademais, a medicalização impacta não apenas os alunos, mas também os educadores. Professores frequentemente relatam dificuldades para lidar com a diversidade em sala de aula, o que os leva a buscar soluções externas, como diagnósticos médicos, para justificar suas limitações (Giroto; Berberian; Santana, 2020). Essa dependência reduz a autonomia docente e limita a capacidade da escola de atender às demandas educacionais de maneira inclusiva e crítica.
Por fim, repensar a patologização e a medicalização no contexto educacional é um passo essencial para transformar a prática pedagógica. Isso requer não apenas a formação continuada de professores, mas também uma mudança cultural que valorize a diversidade como elemento constitutivo do processo educativo. A adoção de perspectivas críticas, como a proposta pela Teoria Histórico-Cultural, oferece caminhos para uma educação mais inclusiva, que respeite as singularidades dos alunos e promova o aprendizado como um direito universal (Terra-Candido; Cruz, 2024).
DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM: CONCEITUAÇÃO E PERSPECTIVAS MULTIDIMENSIONAIS
As dificuldades de aprendizagem são fenômenos amplos e complexos, que envolvem uma variedade de fatores, incluindo aspectos biológicos, psicológicos, sociais, econômicos e pedagógicos. Segundo Collares e Moysés (2010), essas dificuldades são frequentemente tratadas como patologias individuais, negligenciando o contexto em que o aluno está inserido. Esse reducionismo contribui para uma visão medicalizante, que simplifica questões pedagógicas e sociais ao interpretá-las como transtornos do aluno.
Do ponto de vista conceitual, as dificuldades de aprendizagem referem-se a limitações no processo de aquisição e aplicação de conhecimentos, habilidades ou atitudes, que podem ser temporárias ou permanentes. Esses desafios podem ser influenciados por barreiras sociais, como condições econômicas adversas, ou por práticas pedagógicas inadequadas que não consideram as necessidades individuais dos alunos (Santos; Toassa, 2021). No entanto, o foco quase exclusivo nos aspectos biológicos tem levado à rotulação precoce de alunos, o que limita as oportunidades de intervenção educativa inclusiva.
A Teoria Histórico-Cultural, proposta por Vigotski, oferece uma perspectiva crítica a essa abordagem. Para Vigotski (1995), o aprendizado ocorre em um processo de mediação social e cultural, no qual o ambiente exerce papel fundamental na construção das funções psíquicas superiores, como atenção e memória. Assim, dificuldades de aprendizagem não devem ser tratadas como déficits inerentes, mas como reflexo de interações insuficientes entre o sujeito e o meio.
Um dos desafios mais comuns associados às dificuldades de aprendizagem é a rotulação, como no caso de diagnósticos de dislexia e TDAH. Embora esses diagnósticos possam ser úteis em alguns contextos, sua aplicação indiscriminada reforça estigmas e desconsidera o impacto das condições pedagógicas e sociais (Giroto; Berberian; Santana, 2020). Além disso, a rotulação muitas vezes limita a visão sobre o potencial dos alunos, focando em suas limitações em vez de suas possibilidades de desenvolvimento.
Outro fator importante a ser considerado é a influência das políticas educacionais e da cultura escolar no manejo das dificuldades de aprendizagem. Sistemas educacionais que priorizam avaliações padronizadas e desempenho acadêmico imediato tendem a patologizar comportamentos divergentes, ignorando a diversidade dos processos de aprendizagem (Sancho; Pfeiffer; Corrêa, 2019). Isso cria um ambiente excludente, no qual alunos que não atendem às expectativas normativas são frequentemente marginalizados.
Além disso, fatores socioeconômicos desempenham um papel central no surgimento e manejo das dificuldades de aprendizagem. Alunos em situação de vulnerabilidade social enfrentam barreiras adicionais, como falta de acesso a materiais didáticos, infraestrutura escolar inadequada e apoio familiar limitado (Santos; Toassa, 2021). No entanto, essas questões são frequentemente ignoradas em favor de explicações baseadas em diagnósticos médicos.
Abordagens críticas, como as baseadas na Teoria Histórico-Cultural, propõem que as dificuldades de aprendizagem sejam entendidas como um processo multifatorial. Terra-Candido e Cruz (2024) defendem que a escola deve atuar como mediadora, promovendo estratégias pedagógicas que valorizem a singularidade dos alunos e reconheçam suas potencialidades. Essa perspectiva destaca a importância de adaptar o ensino às necessidades dos alunos, em vez de tentar adaptar os alunos a práticas pedagógicas rígidas.
Além de transformar as práticas pedagógicas, é fundamental capacitar os professores para lidar com a diversidade em sala de aula. A formação continuada deve incluir discussões sobre as implicações da medicalização e estratégias para promover o aprendizado de todos os alunos, independentemente de suas condições iniciais (Giroto; Berberian; Santana, 2020). Isso requer uma mudança cultural, na qual a inclusão e o respeito às diferenças sejam princípios norteadores.
Por fim, é necessário repensar as políticas públicas que reforçam a medicalização e a exclusão de alunos com dificuldades de aprendizagem. Programas educacionais devem priorizar abordagens interdisciplinares, integrando psicologia, pedagogia e assistência social para oferecer suporte abrangente aos estudantes e suas famílias (Sancho; Pfeiffer; Corrêa, 2019). Isso inclui a criação de redes de apoio que possibilitem a superação das barreiras que limitam o aprendizado.
Dessa forma, ao reconhecer as dificuldades de aprendizagem como fenômenos multidimensionais, é possível promover uma educação mais inclusiva e equitativa. Essa abordagem não apenas beneficia os alunos, mas também fortalece o papel da escola como um espaço de desenvolvimento humano e social, comprometido com a valorização da diversidade e o combate às desigualdades.
IMPACTOS DA PATOLOGIZAÇÃO NA FORMAÇÃO DA IDENTIDADE DO ALUNO
A patologização das dificuldades de aprendizagem tem impactos profundos na formação da identidade dos alunos. Ao rotular crianças e adolescentes com dificuldades de aprendizagem como portadores de transtornos, como TDAH ou dislexia, a sociedade e as instituições educacionais reduzem a complexidade do desenvolvimento humano a condições biológicas ou neurológicas. Essa simplificação ignora fatores sociais, culturais e contextuais, que desempenham um papel fundamental no processo de aprendizagem (Moysés; Collares, 2010).
A rotulação de um aluno com um transtorno pode ter efeitos duradouros em sua autoestima e autopercepção. Estudos demonstram que crianças diagnosticadas com TDAH, por exemplo, frequentemente internalizam esse diagnóstico, o que pode resultar em uma visão limitada de suas próprias capacidades e potencialidades (Giroto; Berberian; Santana, 2020). O estigma associado ao rótulo de “problema” ou “transtorno” pode afetar a forma como o aluno se vê e como os outros o percebem, influenciando diretamente sua motivação e engajamento na escola.
Além disso, a patologização também pode afetar a relação dos alunos com seus professores. Muitos educadores, ao lidarem com alunos diagnosticados com dificuldades de aprendizagem, podem adotar uma postura de menor expectativa em relação ao desempenho acadêmico dessas crianças. Isso ocorre porque, muitas vezes, a intervenção pedagógica é orientada mais para “corrigir” o aluno de acordo com um padrão normativo, do que para compreender suas necessidades e desenvolver abordagens educativas personalizadas (Sancho; Pfeiffer; Corrêa 2019).
Essa dinâmica de exclusão e limitação das potencialidades do aluno reflete a visão tradicional de educação, que tende a ver os alunos que não se encaixam no modelo tradicional de ensino como “problemáticos” ou “deficientes”. Segundo a Teoria Histórico-Cultural de Vigotski (1995), a aprendizagem não deve ser entendida como uma habilidade inata ou biológica, mas como um processo de mediação cultural e social. Portanto, ao patologizar as dificuldades de aprendizagem, perde-se a oportunidade de considerar as condições de ensino e os contextos de vida dos alunos, que são fundamentais para o sucesso acadêmico.
Outro impacto da patologização é a criação de uma separação entre os alunos diagnosticados e os demais, um fenômeno que pode resultar na exclusão social dentro da escola. Crianças rotuladas com transtornos podem ser tratadas de maneira diferente por colegas e professores, o que pode levar ao isolamento social e à formação de grupos segregados dentro do ambiente escolar. Esse processo de exclusão não apenas afeta a formação da identidade acadêmica, mas também a identidade social do aluno (Santos; Toassa, 2021).
Ademais, a medicalização das dificuldades de aprendizagem pode contribuir para uma visão reducionista da educação. Ao focar excessivamente em diagnósticos e soluções médicas, a escola perde a oportunidade de desenvolver abordagens pedagógicas que possam realmente transformar a experiência de aprendizagem dos alunos. Essa perspectiva, centrada no “tratamento” de alunos, desconsidera a importância de estratégias pedagógicas inclusivas que reconheçam as diversidades cognitivas e culturais presentes na sala de aula (Terra-Candido; Cruz, 2024).
A rotulação também pode reforçar uma visão dicotômica de “normalidade” e “anormalidade”, o que exclui aqueles que não se encaixam nos padrões estabelecidos. Isso é particularmente problemático quando consideramos que as condições de aprendizagem variam de acordo com o contexto social, econômico e familiar. A incapacidade de um aluno aprender dentro dos moldes tradicionais pode ser mais um reflexo das limitações do sistema educacional do que um reflexo de um transtorno intrínseco ao aluno (Giroto; Berberian; Santana, 2020).
Além disso, a imposição de um diagnóstico médico pode transferir a responsabilidade pelo aprendizado dos alunos para os profissionais da saúde, como psicólogos e psiquiatras, deixando os professores à margem do processo de identificação e intervenção pedagógica. Isso limita a capacidade do educador de lidar com a diversidade de formas de aprendizagem e de adotar métodos flexíveis que atendam a todos os alunos (Moysés; Collares, 2010).
É fundamental, portanto, que as escolas adotem uma abordagem mais holística e inclusiva para lidar com as dificuldades de aprendizagem. Isso implica não apenas em mudar a forma como as dificuldades são diagnosticadas e tratadas, mas também em oferecer suporte integral aos alunos, considerando aspectos emocionais, sociais e pedagógicos. O foco deve ser em criar condições para que todos os alunos, independentemente de suas dificuldades, tenham acesso a um ambiente de aprendizagem que respeite suas singularidades e promova seu desenvolvimento de forma equilibrada e inclusiva (Vigotski, 1995).
Nesse sentido, a despatologização das dificuldades de aprendizagem é um passo imprescindível para que seja possível transformar a educação em um espaço mais inclusivo e justo. Para isso, é necessário que as escolas, professores, psicólogos e outras partes envolvidas no processo educacional estejam atentos aos impactos da patologização e busquem alternativas para promover a diversidade como um valor central na educação. Isso não só contribuirá para o desenvolvimento dos alunos, mas também para a construção de uma sociedade mais inclusiva e respeitosa com as diferenças (Terra-Candido; Cruz, 2024).
METODOLOGIA
Para o desenvolvimento do presente estudo foi realizada uma revisão bibliográfica, com o objetivo de analisar criticamente a patologização das dificuldades de aprendizagem e seus impactos na prática pedagógica. O processo de seleção das fontes foi conduzido com o intuito de reunir artigos acadêmicos, livros e publicações científicas que tratam diretamente do tema, priorizando aqueles publicados entre 2019 e 2024. As fontes selecionadas provêm de bases de dados confiáveis, como Scielo, PEPSIC e RIAEE, garantindo a qualidade e a relevância das informações. A seleção foi também orientada por critérios que excluíram fontes que não abordassem de maneira significativa a relação entre dificuldades de aprendizagem, patologização e prática pedagógica, ou que não apresentassem uma análise crítica sobre o impacto dessa prática na formação dos alunos.
A análise das fontes foi realizada de forma qualitativa, com ênfase na identificação dos conceitos-chave, teorias e práticas pedagógicas relacionadas à medicalização das dificuldades de aprendizagem. Buscou-se compreender as implicações dessa medicalização no desenvolvimento e na identidade dos alunos, utilizando a Teoria Histórico-Cultural de Vigotski como framework teórico. A partir dessa perspectiva, entendeu-se que o aprendizado não deve ser visto como um processo individual e biológico, mas sim como um fenômeno socialmente mediado, no qual o contexto histórico e cultural desempenha um papel essencial. Nesse sentido, a patologização das dificuldades de aprendizagem foi analisada não apenas sob a ótica do transtorno, mas como um reflexo das condições educacionais e das interações sociais que o aluno vivencia.
Para organizar os dados, os artigos foram agrupados em três categorias principais: teorias sobre as dificuldades de aprendizagem, impactos da patologização na prática pedagógica e alternativas pedagógicas para despatologizar o processo de ensino-aprendizagem. Essa organização permitiu uma análise mais clara dos diferentes aspectos do tema e ajudou a identificar os principais desafios e possíveis soluções. A interpretação dos dados, então, foi orientada pela ideia de que a patologização das dificuldades de aprendizagem limita as intervenções pedagógicas e contribui para a exclusão de alunos em ambientes educacionais. O foco em diagnósticos médicos em vez de abordagens pedagógicas inclusivas pode reduzir o potencial de aprendizagem dos alunos e reforçar estigmas sociais.
Embora a revisão tenha proporcionado uma análise robusta, é importante reconhecer as limitações dessa metodologia. A falta de estudos empíricos específicos sobre o impacto da patologização em diferentes contextos educacionais foi um desafio, já que muitos dos artigos analisados são mais teóricos. No entanto, a revisão crítica das fontes teóricas forneceu uma base sólida para discutir as implicações da medicalização e apontar alternativas para a construção de uma educação mais inclusiva e equitativa. Assim, a análise procurou não apenas expor os efeitos negativos da patologização, mas também sugerir mudanças nas práticas pedagógicas e nas políticas educacionais, com o objetivo de superar os modelos excludentes que ainda prevalecem em muitas escolas.
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
O presente estudo propõe uma reflexão sobre a patologização das dificuldades de aprendizagem e seus impactos na prática pedagógica revela importantes reflexões sobre a forma como as dificuldades são abordadas no contexto escolar. A análise crítica das fontes revisadas indica que a tendência à medicalização e patologização das dificuldades de aprendizagem tem consequências profundas para a prática pedagógica, afetando tanto os alunos quanto os profissionais da educação. Ao longo da discussão, abordaremos os principais achados da revisão bibliográfica, explorando os impactos da patologização, as limitações dessa abordagem e as possíveis alternativas pedagógicas.
Observou-se que a patologização, ao tratar as dificuldades de aprendizagem como transtornos biológicos ou neurológicos, frequentemente desconsidera a multiplicidade de fatores que influenciam o aprendizado. Como apontado por Moysés e Collares (2010), ao rotular alunos com dificuldades de aprendizagem como portadores de transtornos, o sistema educacional perde a oportunidade de refletir sobre as condições institucionais e pedagógicas que podem estar contribuindo para essas dificuldades. O foco excessivo no diagnóstico médico impede que os profissionais da educação busquem estratégias mais eficazes e inclusivas para o ensino, como adaptações curriculares e metodológicas que atendam às necessidades diversas dos alunos.
Além disso, a medicalização das dificuldades de aprendizagem reforça a ideia de que a solução para os problemas educacionais reside exclusivamente em tratamentos médicos, como a prescrição de medicamentos. Esse modelo limita as possibilidades de intervenção pedagógica, criando uma dependência do sistema de saúde e reduzindo o papel do professor e da escola na resolução dos desafios educacionais. Estudos como os de Terra-Candido e Cruz (2024) apontam que, ao priorizar a medicalização, a escola perde sua função de mediação do conhecimento, passando a tratar os alunos apenas como receptores de diagnósticos e intervenções externas.
Outro ponto relevante discutido nas fontes revisadas foi o impacto da rotulação dos alunos na sua autoestima e identidade. A rotulação de alunos com transtornos como TDAH ou dislexia pode gerar efeitos duradouros, como o aumento da ansiedade, do estigma social e da sensação de inadequação. Como indicado por Giroto, Berberian e Santana (2020), crianças e adolescentes diagnosticados com esses transtornos frequentemente internalizam a ideia de que são “problemáticas”, o que prejudica sua autoconfiança e motivações acadêmicas. A visão simplista de que os problemas educacionais são causados por fatores biológicos pode levar à marginalização desses alunos, que se veem como “diferentes” ou “deficientes”.
Além dos impactos sobre os alunos, a patologização também afeta os professores, que frequentemente se sentem desqualificados para lidar com a diversidade em sala de aula. A pressão por resultados acadêmicos imediatos e a necessidade de atender às exigências do sistema educacional levam muitos educadores a buscar soluções rápidas, como encaminhamentos médicos, em vez de adotar abordagens pedagógicas que valorizem a diversidade de ritmos de aprendizagem e formas de expressão dos alunos (Sancho; Pfeiffer; Corrêa, 2019). Isso contribui para a construção de um ambiente educacional no qual a inclusão é relegada a um segundo plano e a educação se torna uma tarefa uniformizadora.
A questão da medicalização também está relacionada a um fenômeno de exclusão social dentro da escola. Ao enfatizar o diagnóstico médico como forma de tratar as dificuldades de aprendizagem, a escola cria uma divisão entre “os alunos normais” e “os alunos com necessidades especiais”. Isso pode resultar em segregação, seja por meio da formação de classes separadas ou pela marginalização dos alunos que não se encaixam nos padrões de desempenho convencionais. A divisão entre “normal” e “anormal” reforça a ideia de que aqueles que não atendem aos requisitos do sistema educacional tradicional devem ser tratados como casos especiais, merecendo atenção médica, mas não necessariamente pedagógica.
Outro ponto importante discutido na literatura é o impacto da patologização sobre as políticas educacionais. Em sistemas educacionais que priorizam a medicalização, a inclusão de alunos com dificuldades de aprendizagem muitas vezes se limita a encaminhamentos médicos e diagnósticos, sem que haja uma reformulação das práticas pedagógicas. A implementação de políticas públicas que tratam os problemas educacionais como questões biológicas ou individuais, sem considerar as condições socioeconômicas e culturais dos alunos, reforça a desigualdade social e educacional. Como afirmado por Vigotski (1995), a educação deve ser um processo social e cultural, e as dificuldades de aprendizagem não podem ser reduzidas a um problema exclusivamente do indivíduo.
Em contrapartida, a revisão das fontes sugere alternativas pedagógicas que buscam superar a patologização e promover uma abordagem mais inclusiva e crítica. De acordo com Terra-Candido e Cruz (2024), a Teoria Histórico-Cultural oferece uma visão mais ampla sobre as dificuldades de aprendizagem, destacando a importância das interações sociais e culturais no desenvolvimento cognitivo. Essa perspectiva propõe que as escolas adotem abordagens pedagógicas que valorizem as capacidades dos alunos, em vez de focar em suas dificuldades. Isso pode incluir adaptações curriculares, estratégias de ensino diferenciadas e a promoção de ambientes de aprendizagem colaborativos e inclusivos.
Além disso, a formação continuada dos professores é essencial para garantir que eles possam lidar com a diversidade de alunos de maneira mais eficaz. Ao invés de recorrer à medicalização, os educadores podem ser capacitados para aplicar estratégias pedagógicas mais inclusivas, como a diferenciação no ensino, a adaptação de materiais e a utilização de tecnologias assistivas. A escola deve ser vista como um espaço de transformação social, onde a diversidade é reconhecida como uma oportunidade para o crescimento coletivo, e não como um obstáculo a ser superado por meio de intervenções externas (Terra-Candido; Cruz, 2024).
A despatologização das dificuldades de aprendizagem não significa ignorar as questões que afetam os alunos, mas, sim, buscar uma compreensão mais profunda e multifacetada desses problemas. É necessário que a sociedade e o sistema educacional adotem uma postura mais crítica e reflexiva em relação aos diagnósticos e intervenções médicas, focando no desenvolvimento integral dos alunos e na construção de um ambiente educacional mais inclusivo e equitativo. Nesse processo, a colaboração entre educadores, psicólogos, famílias e políticas públicas é fundamental para promover um ensino que respeite as diferenças e busque soluções pedagógicas adequadas às necessidades de cada aluno.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo abordou a questão da patologização das dificuldades de aprendizagem e suas repercussões na prática pedagógica, demonstrando como a medicalização pode distorcer a compreensão do processo de ensino-aprendizagem. A análise das fontes revisadas apontou que, ao tratar as dificuldades de aprendizagem como transtornos biológicos ou neurológicos, muitas vezes se negligenciam os múltiplos fatores que influenciam o aprendizado, como as condições pedagógicas, as práticas de ensino e os aspectos socioculturais. De acordo com Moysés e Collares (2010), a tendência a rotular alunos com dificuldades de aprendizagem como portadores de transtornos resulta em uma visão redutora e limitante, que impede a adoção de estratégias pedagógicas mais inclusivas.
Além disso, a rotulação dos alunos como “problemáticos” pode gerar impactos negativos na autoestima e no desenvolvimento social, como observado por Giroto, Berberian e Santana (2020). Ao se perceberem como diferentes ou deficientes, muitos estudantes enfrentam estigmas e dificuldades emocionais, o que prejudica seu engajamento e sucesso acadêmico. Esse estigma também tem implicações diretas na relação entre os alunos e os professores, que, pressionados pelo diagnóstico médico, podem se sentir desqualificados para lidar com a diversidade de ritmos e necessidades de aprendizagem.
A medicalização das dificuldades de aprendizagem, como discutido por Terra-Candido e Cruz (2024), também pode resultar na exclusão social dos alunos, dividindo-os em categorias de “normais” e “anormais”, o que favorece a segregação e a marginalização dentro do ambiente escolar. A dependência de tratamentos médicos e diagnósticos impede que a escola exerça seu papel fundamental como mediadora do conhecimento, deixando de lado abordagens pedagógicas que poderiam atender melhor à diversidade dos alunos.
Em contraponto, a revisão das fontes sugere alternativas pedagógicas mais inclusivas, como a Teoria Histórico-Cultural, que propõe uma visão mais ampla das dificuldades de aprendizagem. Essa abordagem enfatiza a importância das interações sociais e culturais no processo de aprendizagem, sugerindo que a escola adote estratégias pedagógicas que valorizem as capacidades dos alunos, em vez de se concentrar em suas limitações. Para que isso aconteça, a formação contínua dos professores é essencial, a fim de capacitá-los a lidar com a diversidade de forma mais eficaz, utilizando métodos diferenciados e tecnologias assistivas para promover um ambiente de aprendizado inclusivo.
Portanto, a despatologização das dificuldades de aprendizagem não significa ignorar as dificuldades reais enfrentadas pelos alunos, mas sim adotar uma abordagem mais reflexiva e crítica sobre os fatores que influenciam o aprendizado. A sociedade e o sistema educacional precisam repensar a maneira como abordam as dificuldades de aprendizagem, buscando soluções pedagógicas que respeitem a diversidade e promovam um ensino mais inclusivo, colaborativo e equitativo. A colaboração entre educadores, psicólogos, famílias e políticas públicas é fundamental para a construção de um ambiente educacional mais justo e acessível para todos os alunos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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VIGOTSKI, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
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