Autor
Resumo
INTRODUÇÃO
A inclusão escolar configura-se como um dos principais desafios das políticas públicas educacionais no Brasil, especialmente no que se refere à garantia do acesso e da permanência de estudantes com necessidades educacionais especiais (NEE) nas escolas regulares. Apesar dos avanços legais, como a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva e a Lei Brasileira de Inclusão, a realidade prática ainda revela obstáculos importantes para a consolidação de uma educação verdadeiramente inclusiva.
Entre os principais entraves à efetivação desse direito estão a falta de formação específica para os docentes, a escassez de recursos pedagógicos adaptados, a infraestrutura inadequada das escolas e a ausência de suporte institucional, esses fatores impactam diretamente o cotidiano escolar e geram insegurança entre os profissionais da educação, dificultando o desenvolvimento de práticas pedagógicas que atendam à diversidade presente nas salas de aula.
Diante desse cenário, este estudo tem como objetivo investigar os principais desafios enfrentados por professores da rede pública municipal de ensino fundamental da cidade de Mossoró/RN no processo de inclusão escolar de alunos com NEE, a pesquisa também busca compreender como as experiências desses docentes podem contribuir para o aprimoramento das estratégias pedagógicas, colaborando para a construção de uma educação mais acessível, equitativa e comprometida com a valorização das diferenças.
POLÍTICAS PÚBLICAS INCLUSIVAS
O debate sobre as desigualdades educacionais ocupa um lugar central nas discussões contemporâneas sobre a qualidade e a equidade do ensino no Brasil e esse debate impulsiona a formulação de políticas públicas voltadas à construção de um sistema educacional mais inclusivo, que assegure a participação efetiva de todos os estudantes, especialmente daqueles com necessidades educacionais específicas. A legislação educacional nesse contexto, não se limita a um conjunto de normas jurídicas, mas representa o resultado de lutas sociais e de reivindicações históricas pela justiça educacional. A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI), instituída em 2008, surgiu como um marco significativo nesse processo, ao estabelecer diretrizes para o acesso, a permanência e a aprendizagem dos estudantes público-alvo da educação especial em escolas regulares.
A implementação dessas diretrizes, entretanto, enfrenta múltiplos desafios, que vão desde limitações orçamentárias e estruturais até questões culturais e pedagógicas. Limitações práticas como a ausência de formações específicas para professores, a inadequação de espaços físicos e a escassez de recursos didáticos acessíveis ainda são obstáculos que dificultam a efetivação de uma escola verdadeiramente inclusiva, além de tudo isso, políticas recentes evidenciam as tensões existentes entre modelos distintos de conceber a inclusão. O Decreto nº 10.502/2020, por exemplo, ao suprimir a expressão “na Perspectiva da Educação Inclusiva”, propunha um retorno ao modelo segregacionista, com a criação de classes e instituições especializadas, a revogação desse decreto pelo nº 11.370/2023 representou um avanço, mas, por si só, não resolve os problemas estruturais e institucionais que impedem a plena inclusão educacional.
No esforço de concretizar os princípios da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI), o governo federal implementou programas como o Escola Acessível, que visa promover condições de acessibilidade no ambiente escolar, e a Implantação de Salas de Recursos Multifuncionais, regulamentada pela Portaria nº 13/2007. Esses programas atuam no sentido de garantir suporte pedagógico e de acessibilidade às escolas da rede pública, com foco no Atendimento Educacional Especializado (AEE). Esse atendimento é caracterizado como um conjunto de ações complementares e suplementares ao ensino regular, que visam apoiar os estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação.
Nesse sentido, “a política pública diferencia entre o que o governo pretende fazer e o que, de fato, faz […] é uma ação intencional, com objetivos a serem alcançados […] envolve processos subsequentes após sua decisão e proposição, ou seja, ela implica também em implementação, execução e avaliação” (Souza, 2002, p. 13-14). Além dos aspectos técnicos, pedagógicos e administrativos, destaca-se a importância da participação ativa da comunidade escolar, incluindo familiares, gestores e demais profissionais da educação, a efetividade das políticas públicas de inclusão não depende apenas das normativas e dos investimentos financeiros, mas também da construção de uma cultura escolar comprometida com o respeito à diversidade e com a valorização das diferenças como potencialidades.
Sendo assim, a escuta ativa dos sujeitos envolvidos no cotidiano escolar é fundamental para promover transformações significativas nas práticas educacionais, compreender a inclusão como um processo coletivo e contínuo implica criar espaços de diálogo e cooperação entre os diversos atores sociais, fortalecendo os vínculos entre a escola e a sociedade, assim, a educação inclusiva deve ser entendida não apenas como um direito, mas como um princípio estruturante de uma escola democrática e socialmente referenciada.
O SABER PRÁTICO DO DOCENTE E A PRÁTICA INCLUSIVA
Teoricamente, os professores deveriam estar preparados, desde antes da implementação das políticas de inclusão, para desenvolver processos de ensino que contemplem a diversidade dos processos de aprendizagem presentes nas salas de aula e possibilitem a participação efetiva de todos os alunos. No entanto, no cotidiano escolar, percebemos que isso nem sempre ocorre, como destaca Camargo (2012), os docentes deveriam estar capacitados para elaborar e conduzir atividades que atendam às especificidades educacionais de todos os alunos, com ou sem deficiência, promovendo uma interação adequada entre os estudantes e os fenômenos estudados.
Para que os processos de ensino dos professores sejam compatíveis com os diferentes processos de aprendizagem dos alunos, especialmente dos alunos com deficiência, acreditamos que novos saberes docentes devem ser construídos, debatidos e compartilhados. Nesse contexto, a educação inclusiva exige a criação de conhecimentos que permitam ao professor lidar com a diversidade de processos de aprendizagem que chegam à sala de aula, ou seja, conhecimentos que atendam às necessidades reais do contexto educacional em que se inserem suas práticas pedagógicas (Marin, 2016, p. 81).
Esses novos saberes podem contribuir para a qualificação docente, para a construção de parcerias efetivas entre a escola e a família dos alunos com deficiência, para uma relação colaborativa e responsável entre os profissionais da educação e da saúde, e para a elaboração de práticas pedagógicas inclusivas, entre outros benefícios. Embora esses saberes possam ser desenvolvidos através de pesquisas científicas e estudos acadêmicos, concordamos com Coutinho (2013, p. 57), que ressalta a importância da prática escolar e do contato direto com os alunos na formação desses saberes: “é através de momentos de reflexão na e sobre a prática docente que ocorre a mobilização e construção de novos saberes”. Ao estudar os saberes docentes inclusivos, é importante compreender quais conhecimentos são (ou deveriam ser) mobilizados pelos professores na prática pedagógica para ensinar conteúdos diversos aos alunos com deficiência.
Esses saberes devem, entre outros aspectos, eliminar as barreiras pedagógicas, avaliar os processos de aprendizagem, utilizar recursos didáticos para promover a inclusão, formar parcerias com outros profissionais da educação, identificar os avanços, dificuldades e possibilidades desses alunos e elaborar atividades que favoreçam a colaboração de todos os estudantes da sala. Os autores Marin e Giovanni (2016), explicam que é difícil para os docentes identificar de imediato os conhecimentos e práticas que utilizam em sala de aula para desenvolver cada tarefa ou ação, como trabalhos em grupos, estratégias para tranquilizar alunos agitados, técnicas para captar a atenção dos estudantes ou a organização das atividades escolares.
Essa dificuldade decorre do fato de que os saberes para cada demanda não estão armazenados em “caixinhas separadas” no cérebro de cada professor, prontos para serem acessados conforme a necessidade. No trabalho de campo realizado para construir o problema de pesquisa desta investigação, foi possível identificar que muitos professores não reconhecem os conhecimentos que possuem e que contribuem para a escolarização de seus alunos com deficiência. Em particular, uma professora mencionou que faltavam conhecimentos teóricos e práticos para lidar com alunos com “tantas especificidades”, isso acaba refletindo em um desconhecimento, tanto teórico quanto prático, sobre o trabalho inclusivo, quando os professores afirmam ter “total” desconhecimento sobre como desenvolver a educação inclusiva, eles não se veem como competentes para desempenhar essa função.
A formação docente que não prepara os educadores para lidar com a diversidade de processos de aprendizagem pode gerar sentimentos de medo e insegurança diante do desafio da inclusão, como destacam os autores Paula (2004) e Silva (2009), a falta de qualificação dos professores para atender às necessidades dos alunos com diferentes formas de aprender resulta em uma postura hesitante e receosa diante da inclusão. Como Paula (2004) enfatiza, “o medo do novo, do desconhecido nos educadores tem origem na formação acadêmica que não os habilitou para o trabalho com a diversidade, nem tão pouco o engenheiro que projetou um prédio sem rampas, e demais profissões que não previram uma sociedade para todos” (Paula, 2004, p. 48).
Isso evidencia uma lacuna na preparação dos profissionais, tanto no campo da educação quanto em outras áreas, que não consideram a necessidade de um ambiente social, educacional e profissional inclusivo. Essa carência formativa reforça a exclusão e limita o alcance de práticas pedagógicas que possam efetivamente integrar todos os alunos no processo de ensino aprendizagem, dessa forma:
(…) os professores acabam ficando no processo de educação inclusiva no lugar do não saber. Um lugar extremamente difícil e angustiante. Essa condição de angústia, vivida pelos professores e por todos aqueles que trabalham na escola quando se deparam com o inesperado, com o novo, com o questionamento da norma, faz com que iniciem uma busca pela retomada da ordem e do controle perdidos (Silva, 2013, p. 47).
É possível compreender que a falta de preparo teórico e prático dos professores gera insegurança e dificulta a implementação de práticas pedagógicas adequadas para os alunos com deficiência. O medo do novo e do desconhecido, aliado à ausência de uma formação específica que promova a reflexão e a adaptação do ensino às diversas necessidades dos alunos, reflete uma falha sistêmica tanto no âmbito educacional quanto nas demais áreas profissionais. Para que a inclusão seja efetiva, é imprescindível que a formação docente seja repensada, de modo a oferecer aos educadores os saberes necessários para superar barreiras pedagógicas e promover uma educação que de fato atenda a todos, respeitando e valorizando as especificidades de cada aluno.
METODOLOGIA
A presente pesquisa caracteriza-se como aplicada, com abordagem qualitativa, de natureza exploratória e descritiva, o objetivo central é investigar os desafios enfrentados por professores da Escola Municipal André Luiz, que é uma escola pública do ensino fundamental da cidade de Mossoró/RN, que trabalha diretamente no processo de inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais (NEE).
A abordagem qualitativa foi escolhida por permitir uma compreensão aprofundada das experiências e percepções dos professores no contexto da educação inclusiva, conforme Minayo (2014), esse tipo de investigação é indicado quando se busca interpretar a realidade por meio de significados, valores e interações sociais. O estudo também apresenta caráter exploratório e descritivo, essa vertente exploratória visa proporcionar maior familiaridade com o fenômeno investigado (Gil, 2010), enquanto a descritiva permite registrar e interpretar, de forma sistemática, as práticas pedagógicas e os desafios enfrentados pelos docentes.
Os dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas e aplicação de questionários online, o que possibilitou a combinação entre relatos subjetivos e informações estruturadas, as entrevistas permitiram captar percepções, estratégias e dificuldades enfrentadas pelos professores, conforme defendido por Triviños (2008), enquanto os questionários complementam o levantamento com dados organizados de forma padronizada. Para a análise dos dados, foi utilizada a técnica de Análise de Conteúdo proposta por Bardin (2016), que possibilita a categorização e interpretação dos relatos, identificando padrões, recorrências e contradições. Os resultados foram organizados em categorias temáticas, permitindo refletir sobre as práticas pedagógicas inclusivas e suas implicações para a formação docente.
É importante mencionar que a escolha do grupo de sujeitos dessa pesquisa foi baseada nos seguintes critérios: a) estar atuando na escola investigada no ano de 2025; b) possuir experiência atual ou anterior com alunos com necessidades educacionais especiais; c) ter participado de todas as fases da pesquisa: discussão, diálogos diretos e entrega dos questionários.
Participaram desta pesquisa, inicialmente, 13 profissionais que atuavam na escola no período da pesquisa, contudo, somente 6 professores concluíram todas as atividades solicitadas para elaboração do presente trabalho acadêmico. Essa amostra, embora quantitativamente reduzida, revela um perfil diversificado de profissionais que lidam diretamente com os desafios e as práticas pedagógicas em sala de aula, especialmente no contexto da inclusão educacional.
ENTRE DESAFIOS E DESCOBERTAS: A VIVÊNCIA DOCENTE NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA
Ao longo de toda realização da pesquisa de campo foi possível perceber que na trajetória profissional dos docentes envolvidos na presente pesquisa, é possível destacar os sentimentos, valores, dilemas e obstáculos enfrentados diariamente na interação com estudantes que apresentam necessidades educacionais específicas, assim como sua preparação para atuar sob a ótica da educação inclusiva. A compreensão das trajetórias desses professores e do ambiente em que exercem suas funções se revelam fundamentais em toda a análise de dados, considerando que a prática pedagógica não é isenta de influências, sendo o educador o principal mediador das políticas educacionais no contexto escolar, sendo que suas vivências, crenças e saberes moldam suas atitudes, comportamentos e formas de pensamento.
O movimento em prol da inclusão constitui um desafio significativo para os docentes do ensino regular, frequentemente acompanhado por dúvidas, inseguranças e incertezas acerca do processo formativo do estudante com deficiência. É nesse cenário onde é proposto que a reflexão sobre as trajetórias profissionais, buscando compreender como esses professores colaboradores desta investigação percebem e vivem o processo inclusivo nas instituições escolares. As análises realizadas a partir das respostas obtidas, permitiram identificar aspectos comuns e particulares nos relatos dos participantes, considerando suas percepções e estratégias para lidar com a inclusão. Observou-se que, embora compartilhem sentimentos semelhantes, cada educador vivencia essa realidade de modo singular, influenciados por seus repertórios de conhecimentos, pelas interações em seu ambiente de trabalho e pelas experiências prévias.
As experiências de inclusão de estudantes com necessidades educacionais específicas, evidenciadas nas respostas dos docentes, revelam reações e sentimentos contraditórios, frequentemente associados à convicção de que não possuem preparo suficiente para lidar com esse tipo de demandas em sala de aula. Tal contexto exige o desenvolvimento de habilidades inéditas e a formulação de estratégias pedagógicas até então desconhecidas. Além disso, de forma inevitável é possível identificar que preconceitos e estereótipos direcionados a esses alunos.
[…] Um dos maiores desafios que enfrentei na minha trajetória profissional ocorreu em 2019, quando três alunas com necessidades educacionais específicas foram matriculadas. Ao ser informada sobre a chegada dessas estudantes, cada uma com idades e limitações distintas, entrei em desespero. Logo me perguntei: como proceder? O que devo ensinar? Elas realmente têm condições de aprender? De que forma devo lidar com essas crianças? (Professor 2, Pesquisa de Campo, 2025).
Meu primeiro contato com um estudante com necessidades especiais foi em 2018 […]. Sentia-me extremamente desconfortável diante da situação, pois não conseguia oferecer a atenção necessária e, além disso, não sabia como agir, ou seja, como conduzir o trabalho com ela. E o mais preocupante: nem eu, nem ninguém da escola. Quando buscava orientação, ouvia comentários como: “dê algo para ela se distrair até o fim da aula, ela não vai aprender mesmo” (Professor 1, Pesquisa de Campo, 2025).
A primeira estudante com necessidades educacionais específicas com quem trabalhei despertou em mim muita insegurança e apreensão no início, pois, antes mesmo de conhecê-la, alguns colegas de profissão já alertavam sobre as dificuldades que eu enfrentaria (Professor 5, Pesquisa de Campo, 2025).
A problematização dessas concepções foi uma constante, não apenas durante a análise dessas respostas, mas em todo o processo da pesquisa, conforme aponta Carvalho (2018), ao advertir que os obstáculos relacionados à deficiência, em suas múltiplas expressões, não devem ser confundidos com limitações ou inaptidões, uma vez que estas são geradas pela própria estrutura social. Em relação ao percurso escolar, a autora ressalta que as representações sobre a deficiência, enraizadas no imaginário docente, influenciam diretamente a dinâmica da sala de aula, impedindo que os estudantes recebam as respostas pedagógicas adequadas às suas necessidades.
Diante do exposto, é possível compreender que a inclusão ainda suscita questionamentos, dilemas e incertezas entre essas profissionais, à medida que buscam compreender e se adaptar a essa realidade. Contudo, é imprescindível destacar que a inclusão, longe de ser uma tendência passageira, constitui um direito e uma conquista das pessoas com deficiência para acessarem os mais variados espaços sociais, incluindo a escola. A deficiência, portanto, não se trata de um conceito abstrato, mas de uma construção histórica, como bem enfatiza Mantoan (2022 p. 28): Assumir o compromisso de incluir todas as crianças no ambiente escolar exige reflexões que transcendem a simples inovação pedagógica e pressupõem o entendimento de que o outro é, inevitavelmente, distinto, pois a diferença é inerente à existência, enquanto a igualdade é uma construção social, e é justamente a valorização das diferenças que impulsiona o avanço educacional.
Nessa perspectiva, o Professor 5 ressalta que a efetivação do processo inclusivo nas escolas depende diretamente da aceitação por parte dos profissionais da educação e afirma:
[…] Acredito que o primeiro passo para qualquer educador, ao acolher um aluno com essas características em sala de aula, é afirmar: “- Talvez eu não saiba exatamente como agir, mas preciso aceitar essa criança, preciso aprender junto com ela, porque ninguém está totalmente preparado”. Na minha visão, ninguém está plenamente apto para receber um estudante nessas condições, pois não existe um manual pronto para isso (Professor 5, Pesquisa de Campo, 2025).
Conforme a resposta sugere, o processo de educar e incluir não se baseia em um método padronizado, o que exige acima de tudo, uma postura favorável do educador em relação ao aluno com deficiência. O mesmo docente relata que, após superar a angústia inicial provocada pelo primeiro contato com uma estudante com deficiência – ou seja, ultrapassado o impacto de sua presença na sala de aula –, ele optou por acolher a singularidade da aluna, assumindo o compromisso inerente à prática docente: “[…] superada a inquietação inicial de não possuir um ‘manual’ para lidar com aquela situação, decidi enfrentar o desafio e acolher minha aluna” (Professor 5, Pesquisa de Campo, 2025).
Essa perspectiva evidencia que a predisposição dos educadores em relação à inclusão de estudantes com necessidades educacionais específicas é determinante para os resultados alcançados no processo de ensino e aprendizagem. “Por isso, uma atitude positiva já constitui um primeiro passo importante, que facilita a educação desses alunos na escola integradora” (Marchesi; Martín, 1995, p. 20).
A inclusão, portanto, demanda do professor uma maior flexibilidade e receptividade, além da disposição para aprender e refletir sobre sua própria prática, assumindo o papel de protagonista na construção do seu conhecimento, isso implica reconhecer que além das condições físicas e materiais indispensáveis para garantir a segurança e o bem-estar de todos os estudantes, as atitudes da comunidade escolar são fundamentais para promover avanços na inclusão. De qualquer modo, “esse é um processo doloroso”, como ressaltaram alguns professores em diferentes momentos, marcado por sentimentos ambíguos em relação à inclusão e ao papel que lhes cabe nesse cenário.
Ao serem analisados em conjunto, essas respostas revelam variações diversas diante da diversidade em que os docentes parecem atravessar um intenso percurso de descobertas, indicando a possibilidade de transformações na maneira de enxergar e se relacionar com as pessoas com necessidades educacionais específicas. Nesse processo, emergem concepções e desafios enfrentados na inclusão, além de posturas e estratégias adotadas para lidar com essa “nova” realidade.
CONTEXTO ESCOLAR E INCLUSÃO: OBSTÁCULOS E POSSIBILIDADES
Atuar profissionalmente em um contexto de diversidade não é uma tarefa fácil, uma vez que as condições presentes no ambiente de trabalho impactam diretamente no desenvolvimento da ação docente. Dessa forma, nesse tópico específico, buscamos analisar os conhecimentos dos docentes participantes desta pesquisa no que diz respeito ao seu contexto de atuação, assim como os objetivos, metas e propósitos educacionais.
O conhecimento do contexto de trabalho, da realidade dos alunos e dos princípios e metas da educação inclusiva são considerados essenciais para o exercício da docência, permitindo que o docente lide de forma mais eficaz com as situações que surgem no dia a dia profissional. A partir das análises sobre a trajetória profissional dos professores desta pesquisa, é possível identificar que em geral, eles se mostram favoráveis à inclusão, que é entendida como um processo que vai além da simples inserção do aluno com necessidades educacionais especiais nas classes do ensino regular.
Eles também acreditam que a organização da escola (condições físicas, recursos humanos e materiais, formação continuada dos professores, etc.) interfere diretamente no desenvolvimento de uma prática educacional inclusiva. Nesse sentido, esses professores apontam uma série de obstáculos provenientes do cotidiano profissional, além de sugerirem alternativas para enfrentá-los e questões a serem levadas em consideração pelas políticas educacionais relacionadas à inclusão.
Em uma das respostas obtidas, o professor sugere que a inclusão tem como princípio o reconhecimento e a valorização das diferenças, que deveriam ser a base da prática pedagógica. Para atender a esse princípio, segundo a resposta, seria necessária uma transformação profunda da escola e da sociedade como um todo, adequando-se à condição do sujeito, e não mais o contrário. Isso indica uma visão da inclusão como um processo abrangente, que ultrapassa o contexto escolar e envolve um grupo igualmente amplo de pessoas.
Acredito que, para incluir de forma concreta todas as pessoas, tanto a escola quanto a sociedade precisam ser transformadas, reconhecendo a necessidade de implementar mudanças profundas para atender às necessidades de todos os seus integrantes (Professor 2, Pesquisa de Campo, 2025).
É necessário considerar, entretanto, que como em qualquer grupo podem coexistir diferentes visões sobre um mesmo fenômeno. Em outras respostas, foi mencionado o atendimento do aluno com necessidades educacionais especiais na rede regular de ensino, onde foi possível perceber a insatisfação dos professores em relação aos desdobramentos da proposta inclusiva nas escolas. Ao enxergarem a inclusão como algo imposto, eles expressam seus próprios desejos e dilemas profissionais:
[…] atualmente, existe uma exigência em relação aos conhecimentos sobre inclusão para que se possa ingressar na profissão. No entanto, não conheço ninguém que se sinta preparado para trabalhar com a inclusão, até porque sabemos que, como muitas decisões, essa também foi tomada sem consultar os educadores, já que foi uma imposição legal. Embora entendamos que se trate de um direito, não nos foi oferecida a oportunidade de uma formação adequada para lidar com esse novo atendimento. Diante disso, pergunto: que tipo de inclusão é essa? (Professor 1, Pesquisa de Campo, 2025).
De fato, é algo imposto de cima para baixo, não recebemos apoio, a estrutura necessária, ou alguém que possa nos ajudar com isso. Na sala de aula, é de cima para baixo, você recebe o “aluno da inclusão”, tudo bem, mas e aí, onde está a preparação, onde está o apoio para nos ajudar? (Professor 6, Pesquisa de Campo, 2025).
O sentimento de crise, evidenciado nas respostas acima, alerta para a distância entre as diretrizes políticas e a forma como a educação inclusiva é percebida no sistema regular de ensino por aqueles que a vivenciam no dia a dia de sua prática profissional. E esse descompasso remete ao pensamento de Mantoan (2022, p. 60), que afirma que ensinar, sob a ótica da inclusão, implica uma ressignificação do papel do professor, da escola, da educação e das práticas usuais no contexto excludente de nosso ensino, pois “[…] não se pode inserir um projeto novo, como é o caso da inclusão, em uma antiga estrutura de concepção escolar – daí a necessidade de recriar o modelo educacional existente”. Essas condições estão relacionadas às limitações de recursos humanos e materiais nas escolas; à falta de tempo para estudo e planejamento; ao desconhecimento/desinformação sobre a inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais; além da carência de uma formação sistemática voltada para o cotidiano de atuação dos profissionais.
Esse cenário é reforçado pelo Professor 3, que afirma: “[…] já passaram por mim cinco alunos com necessidades educacionais especiais e a maior dificuldade foi não contar com o “verdadeiro apoio pedagógico” (Pesquisa de Campo, 2025), e por Professor 4, que considera fundamental a presença de “[…] especialistas nas áreas da saúde, como os de psicologia, psicopedagogia, até de medicina, dentre outros, para impulsionar a inclusão e dar suporte ao professor no quesito de compreensão das diferentes limitações dos estudantes com necessidades especiais” (Pesquisa de Campo, 2025). Essas falas, destacam ainda a carência que os docentes sentem na presença de profissionais com saberes mais específicos nas escolas.
Movidos pela necessidade de resolver os conflitos e dilemas vividos com a inclusão escolar, especialmente no que diz respeito ao que enfatizar e como agir com alunos com necessidades educacionais especiais, os professores dessa pesquisa demonstraram disposição para refletir e aprender a partir da análise de suas práticas e de outras profissionais, envolvendo-se em diversas dimensões dos processos reflexivos.
De maneira geral, os professores situam que a construção dos conhecimentos necessários para trabalhar com alunos com necessidades educacionais especiais no ensino regular tem ocorrido de forma processual. A formação inicial, os estudos teóricos, a prática em sala de aula, a convivência com esses alunos e a troca de experiências com os colegas são apontados como fontes fundamentais na constituição de seus conhecimentos profissionais.
A maior parte dos conhecimentos teóricos foi adquirida na universidade, mas a prática com essas crianças deu significado a tudo o que aprendi, ampliando, atribuindo significado e reconstruindo esses conhecimentos a cada dia (Professor 5, Pesquisa de Campo, 2025).
Eu até realizei uma adaptação uma vez […] logo no início do ano, quando estávamos brincando de pular corda. O que fazíamos era amarrar uma corda na cadeira dela, pois a aluna não tem coordenação motora para girar a corda, então, o que fazíamos era prender a corda na cadeira dela e uma outra criança, do outro lado, ficava girando. Dessa forma, ela participava da brincadeira, mas chega um momento em que ela mesma se incomoda de estar naquela situação, que não deixa de ser uma situação passiva (Professor 3, Pesquisa de Campo, 2025).
No meu caso, tento tornar as atividades o mais participativas possível. Quando tive uma turma com um aluno com deficiência auditiva, por exemplo, usei recursos visuais, como cartazes e vídeos legendados, para tornar as explicações mais claras. Mesmo nas atividades em grupo, sempre me preocupei em proporcionar momentos em que todos pudessem interagir de forma igualitária, incentivando a troca de experiências e o trabalho em equipe, respeitando as limitações de cada um (Professor 6, Pesquisa de Campo, 2025).
As falas acima evidenciam que, diante de uma situação desconhecida, os professores do ensino regular mobilizam e articulam conhecimentos diversos, sobre o aluno, o conteúdo, a pedagogia, entre outros, demonstrando, assim, que sabem mais do que julgam saber e do que frequentemente colocam em prática (Ainscow, 1997). Daí a importância de o professor se apropriar desse saber por meio de um trabalho sistemático de reflexão sobre a ação que desenvolve, uma vez que se deve considerar a provisoriedade dos saberes docentes diante da diversidade de situações e públicos presentes no cotidiano escolar.
Em síntese, as respostas dos professores revelam a complexidade do processo de inclusão no contexto educacional, destacando tanto os desafios quanto às estratégias adotadas para promover uma educação mais equitativa. E embora as diretrizes políticas indiquem a inclusão como um direito, os docentes apontam que, na prática, a falta de formação adequada, apoio pedagógico e recursos especializados comprometem a eficácia desse processo.
As dificuldades que existem em lidar com a diversidade de necessidades dos alunos são frequentemente enfrentadas com improvisação, enquanto os professores destacam a importância de um trabalho reflexivo e contínuo para ajustar suas práticas. A resistência à inclusão, percebida como uma imposição externa, reflete a necessidade de mudanças estruturais nas escolas, tanto em termos de recursos humanos quanto de formação continuada, para que a inclusão seja efetiva e não apenas uma formalidade.
A construção do conhecimento docente, como evidenciado nas experiências compartilhadas, é um processo contínuo, que se desenvolve por meio da prática, da troca de experiências e da reflexão constante, sendo essencial para adaptar o ensino à diversidade de alunos e contribuir para uma educação realmente inclusiva.
Diante das respostas apresentadas, se torna evidente que a inclusão escolar exige um esforço coletivo e contínuo, tanto por parte dos professores quanto das instituições educacionais e das políticas públicas. A simples presença de alunos com necessidades educacionais especiais no ambiente escolar não garante sua participação efetiva no processo de aprendizagem. Para que a inclusão seja concretizada de maneira significativa, é necessário que a escola se adapte às necessidades dos estudantes, fornecendo recursos, suporte profissional e formação adequada aos docentes, assim, a inclusão não pode ser vista apenas como uma diretriz imposta, mas sim como um compromisso social em prol de uma educação mais equitativa e acessível.
Para piorar a situação, a falta de apoio estrutural e pedagógico relatada pelos professores demonstra a urgência de políticas públicas mais eficazes, que promovam investimentos na capacitação docente e na melhoria das condições de trabalho. A inclusão educacional não deve ser uma sobrecarga adicional para os professores, mas sim um processo respaldado por formação continuada, suporte técnico especializado e infraestrutura adequada, se torna imprescindível que a escola se torne um ambiente de aprendizagem colaborativo, no qual os docentes possam trocar experiências e construir coletivamente estratégias pedagógicas inclusivas.
Todas essas experiências relatadas evidenciam que, apesar dos desafios, há um desejo genuíno por parte dos professores em aprimorar suas práticas e tornar o ensino mais acessível para todos os alunos. A inclusão efetiva não depende apenas de mudanças estruturais, mas também de um processo de conscientização e engajamento dos profissionais da educação. Somente a partir de um trabalho coletivo, que envolva a comunidade escolar, os gestores e os órgãos responsáveis pela educação, será possível garantir que a inclusão não seja apenas um ideal, mas uma realidade concreta no sistema educacional.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise dos dados revelou a complexidade do processo de inclusão escolar, evidenciando os desafios enfrentados pelos docentes da rede pública municipal de Mossoró/RN. Entre os principais obstáculos estão a falta de formação específica, o escasso suporte pedagógico e a limitação de recursos materiais, que comprometem a adaptação das estratégias de ensino à diversidade presente em sala de aula.
Apesar das dificuldades, os professores demonstram esforço em desenvolver práticas pedagógicas adaptativas, como a personalização das atividades e o uso de metodologias inclusivas. Contudo, muitos se sentem inseguros e sobrecarregados, apontando a ausência de suporte institucional como um fator que compromete a efetividade das diretrizes inclusivas.
A colaboração entre profissionais da educação e especialistas, aliada à formação continuada, surge como essencial para fortalecer as práticas inclusivas, os dados apontam para a necessidade de uma abordagem sistêmica, que envolva investimento em recursos, políticas públicas alinhadas à realidade escolar e valorização do trabalho docente.
Conforme os dados analisados, a promoção de uma educação verdadeiramente inclusiva exige mais do que o acesso físico à escola: requer garantir a aprendizagem, o desenvolvimento e a participação ativa de todos, valorizando a diversidade como princípio fundamental de uma educação democrática e de qualidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AINSCOW, M. Educação para todos: torná-la uma realidade. In: AINSCOW, M.; PORTER, G.; WANG, M. Caminhos para as escolas inclusivas. Lisboa: Instituto de Inovação Educacional, 1997. p. 11-31. (Série Desenvolvimento Curricular na Educação Básica, 6).
CAMARGO, Eder Pires de. Saberes Docentes para a Inclusão do Aluno com Deficiência Visual em Aulas de Física. São Paulo: Editora UNESP, 2012. 274.
CARVALHO, Rosita Edler. Educação Inclusiva: com os pingos nos “is”. 12. ed. Porto Alegre: Mediação, 2018. 176 p.
COUTINHO, Marta Callou Barros. A Construção de Saberes Docentes para a Inclusão das Pessoas com Deficiência: Um Estudo a partir dos Professores do Curso de Pedagogia do Sertão Pernambucano. 2013. 148 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2013.
GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2010.
MANTOAN, Maria Teresa Eglér; LANUTI, José Eduardo de Oliveira Evangelista. A Escola que Queremos para Todos. Curitiba: CRV, 2022.
MARCHESI, A. Desenvolvimento psicológico e educação: necessidades educativas especiais e aprendizagem escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. v. 3. p. 7-23.
MARIN, Alda Junqueira. Da Necessidade de Rupturas: Focalizando a Necessidade de Novos Saberes. EDUECE, 2016.
PAULA, Jairo de. Inclusão: Mais Que Um Desafio Escolar, Um Desafio Social. São Paulo: Jairo de Paula Editora, 2004.
SILVA, Maria Odete Emygdio da. Da Exclusão à Inclusão: Concepções e Práticas. Revista Lusófona de Educação, n. 14, p. 135-153, 2009.
SOUZA, Celina. Políticas Públicas: Conceitos, Tipologias e SubÁreas. Disponível em: http://professor.pucgoias.edu.br/SiteDocente/admin/arquivosUpload/3843/material/001-%20A %20POLITICAS%20PUBLICAS.pdf. Acesso em: 03 de janeiro de 2025.
TRIVIÑOS, Augusto Nibaldo Silva. Introdução à Pesquisa em Ciências Sociais: a Pesquisa Qualitativa em Educação – O Positivismo, A Fenomenologia, O Marxismo. 5 ed. 18 reimpr. São Paulo: Atlas, 2009. 175p
Área do Conhecimento
Submeta seu artigo e amplie o impacto de suas pesquisas com visibilidade internacional e reconhecimento acadêmico garantidos.