Educação de jovens e adultos no Brasil: Avanços, desafios e perspectivas

ADULT EDUCATION AND THE RIGHT TO THE CITY: A DIALOGUE BETWEEN KNOWLEDGE, SPACES, AND CITIZENSHIP

EDUCACIÓN DE JÓVENES Y ADULTOS Y EL DERECHO A LA CIUDAD: UN DIÁLOGO ENTRE SABERES, ESPACIOS Y CIUDADANÍA

Autor

Dorgival Tolentino Filho
ORIENTADOR
Prof. Dr. Fábio Terra Gomes Junior

URL do Artigo

https://iiscientific.com/artigos/3D3B34

DOI

Filho, Dorgival Tolentino . Educação de jovens e adultos no Brasil: Avanços, desafios e perspectivas. International Integralize Scientific. v 5, n 47, Maio/2025 ISSN/3085-654X

Resumo

A Educação de Jovens e Adultos (EJA) é um componente fundamental para a promoção da inclusão social no Brasil, mas historicamente tem sido marginalizada nas políticas públicas, muitas vezes com um caráter assistencialista. Este artigo propõe uma análise da EJA a partir da perspectiva do direito à cidade, entendendo que o território urbano e as dinâmicas sociais que nele se processam desempenham um papel central na formação cidadã dos educandos. Ao articular os saberes adquiridos nas experiências cotidianas dos sujeitos da EJA com os conteúdos escolares, a pesquisa busca evidenciar como a EJA pode se constituir como um espaço de resistência e transformação social. A metodologia adotada é qualitativa, com uma abordagem bibliográfica e teórico-interpretativa, analisando as contribuições de autores como Paulo Freire, Boaventura de Sousa Santos, Henri Lefebvre e outros estudiosos da educação popular e do direito urbano. O estudo examina também iniciativas de EJA que têm incorporado o território como um elemento pedagógico, como o projeto “Educação e Território” em Belo Horizonte e o programa “EJA com Cultura” em São Paulo. A pesquisa conclui que a EJA territorializada, ao integrar o direito à cidade, contribui para a construção de uma educação mais crítica e emancipatória, possibilitando aos educandos uma compreensão mais ampla de sua atuação social e política no espaço urbano.
Palavras-chave
educação de jovens e adultos; direito à cidade; cidadania; território; educação popular.

Summary

Adult Education (EJA) is a fundamental component for promoting social inclusion in Brazil, but historically it has been marginalized in public policies, often with an assistentialist character. This article proposes an analysis of EJA from the perspective of the right to the city, understanding that the urban territory and the social dynamics that occur within it play a central role in the citizens’ formation. By articulating the knowledge acquired from the everyday experiences of EJA subjects with school content, the research aims to highlight how EJA can become a space of resistance and social transformation. The methodology adopted is qualitative, with a bibliographic and theoretical-interpretative approach, analyzing the contributions of authors such as Paulo Freire, Boaventura de Sousa Santos, Henri Lefebvre, and other scholars of popular education and urban rights. The study also examines EJA initiatives that have incorporated the territory as a pedagogical element, such as the “Educação e Território” project in Belo Horizonte and the “EJA com Cultura” program in São Paulo. The research concludes that territorialized EJA, by integrating the right to the city, contributes to the construction of a more critical and emancipatory education, enabling students to have a broader understanding of their social and political engagement in the urban space.
Keywords
adult education; right to the city; citizenship; territory; popular education.

Resumen

La Educación de Jóvenes y Adultos (EJA) es un componente fundamental para la promoción de la inclusión social en Brasil, pero históricamente ha sido marginada en las políticas públicas, a menudo con un carácter asistencialista. Este artículo propone un análisis de la EJA desde la perspectiva del derecho a la ciudad, entendiendo que el territorio urbano y las dinámicas sociales que se procesan en él juegan un papel central en la formación ciudadana de los educandos. Al articular los saberes adquiridos en las experiencias cotidianas de los sujetos de la EJA con los contenidos escolares, la investigación busca evidenciar cómo la EJA puede constituirse en un espacio de resistencia y transformación social. La metodología adoptada es cualitativa, con un enfoque bibliográfico y teórico-interpretativo, analizando las contribuciones de autores como Paulo Freire, Boaventura de Sousa Santos, Henri Lefebvre y otros estudiosos de la educación popular y el derecho urbano. El estudio también examina iniciativas de EJA que han incorporado el territorio como un elemento pedagógico, como el proyecto “Educación y Territorio” en Belo Horizonte y el programa “EJA con Cultura” en São Paulo. La investigación concluye que la EJA territorializada, al integrar el derecho a la ciudad, contribuye a la construcción de una educación más crítica y emancipadora, permitiendo a los educandos una comprensión más amplia de su participación social y política en el espacio urbano.
Palavras-clave
educación de jóvenes y adultos; derecho a la ciudad; ciudadanía; territorio; educación popular.

INTRODUÇÃO

A Educação de Jovens e Adultos (EJA) sempre ocupou lugar periférico nas políticas públicas brasileiras, sendo historicamente marcada por uma função compensatória e assistencialista. Trata-se de uma modalidade criada para atender a uma demanda social acumulada por décadas de exclusão educacional, fruto de desigualdades estruturais profundamente enraizadas no tecido social brasileiro. Embora tenha garantias legais expressas na Constituição Federal de 1988 e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/1996), a EJA ainda é tratada, muitas vezes, como uma política de segunda ordem, com recursos limitados, descontinuidade programática e baixa visibilidade social.

No entanto, mais do que um espaço de “recuperação” de trajetórias escolares interrompidas, a EJA representa uma arena pedagógica com potência transformadora, especialmente quando articulada aos direitos sociais mais amplos — como o direito à cidade. O conceito de direito à cidade, cunhado por Henri Lefebvre (1968), vai além do acesso físico ao espaço urbano: trata-se de uma reivindicação por participação ativa na produção social da cidade, no uso coletivo dos seus espaços, nas decisões que impactam a vida urbana e na apropriação simbólica do território.

Sob essa perspectiva, este artigo propõe discutir a EJA a partir de uma abordagem territorial, entendendo que os sujeitos da EJA — trabalhadores, migrantes, mulheres, pessoas em situação de rua, populações marginalizadas — vivenciam a cidade em suas contradições e são, muitas vezes, os protagonistas invisibilizados das dinâmicas urbanas. Incorporar o direito à cidade como eixo temático e estruturante da formação na EJA significa deslocar o foco da mera escolarização para um processo educativo mais amplo, que reconhece o território como espaço de experiência, aprendizagem, resistência e luta social. Essa proposta dialoga diretamente com a pedagogia freireana, cuja base está na leitura crítica do mundo e na formação de sujeitos históricos conscientes de seu papel transformador.

A relevância deste estudo reside na necessidade de ressignificar o papel da EJA em contextos urbanos marcados por desigualdades socioespaciais, propondo um diálogo entre educação, cidadania e território. Diante de desafios contemporâneos como a segregação urbana, a gentrificação, a violência institucional e o déficit de políticas públicas integradas, torna-se urgente repensar o currículo da EJA à luz das vivências dos sujeitos e dos espaços que habitam, circulam e produzem.

A presente pesquisa caracteriza-se como uma pesquisa bibliográfica, de abordagem qualitativa e natureza teórico-interpretativa, fundamentada em autores clássicos e contemporâneos que tratam da educação popular, da pedagogia crítica e dos direitos urbanos. Através da revisão crítica da literatura especializada, busca-se construir uma análise que situe a EJA como instrumento de apropriação simbólica e material dos espaços urbanos, contribuindo para a formação cidadã e emancipatória dos sujeitos que a ela recorrem. Parte-se do princípio de que uma educação transformadora deve considerar não apenas o sujeito que aprende, mas também o espaço onde ele vive e resiste.

REVISÃO DA LITERATURA

Segundo Boaventura de Sousa Santos (2006), o espaço urbano é simultaneamente produtor e produto de múltiplas racionalidades, sendo moldado por relações sociais, econômicas, políticas e simbólicas. A cidade ensina: nela se constroem saberes, se estabelecem relações e se vivenciam formas de exclusão e resistência. Trata-se, portanto, de um território epistemológico, no qual diferentes modos de vida e de conhecimento coexistem, muitas vezes em conflito. A partir dessa perspectiva, a cidade deixa de ser apenas o pano de fundo das relações sociais e passa a ser compreendida como elemento ativo nos processos formativos dos sujeitos.

Ao considerar a cidade como espaço educativo, a Educação de Jovens e Adultos pode incorporar a vivência urbana como um conteúdo pedagógico, promovendo aquilo que Paulo Freire (1996) chamava de “educação problematizadora”. Para Freire, ensinar exige partir da realidade concreta dos educandos, valorizando os saberes construídos na experiência e possibilitando uma leitura crítica do mundo. A EJA, nesse sentido, não pode estar desvinculada dos territórios nos quais seus sujeitos vivem, circulam e resistem.

Nesse contexto, o conceito de direito à cidade, cunhado por Henri Lefebvre (1968), torna-se um referencial potente para o campo educacional. Para o autor, o direito à cidade implica muito mais do que o acesso aos espaços físicos urbanos: trata-se do direito de participar da construção e transformação do espaço urbano, apropriando-se de seus bens materiais e simbólicos. Como destaca Harvey (2012), o direito à cidade é “muito mais que a liberdade individual de acessar os recursos urbanos: é o direito de mudar a cidade segundo nossos desejos” (p. 23). Essa mudança, no entanto, só se torna viável quando os sujeitos reconhecem sua condição histórica e sua capacidade de ação — algo que a EJA, se articulada a uma proposta emancipatória, pode contribuir para concretizar.

Discutir o direito à cidade na EJA, portanto, implica considerar o acesso a serviços públicos, mobilidade, moradia digna, cultura, lazer, segurança e trabalho como componentes indissociáveis da formação cidadã. Tal abordagem amplia a noção tradicional de currículo e propõe uma educação enraizada na vida cotidiana dos educandos. Como defendem Arroyo (2017) e Gohn (2008), os sujeitos da EJA não são “vazios de saberes” ou meros reprodutores do conteúdo escolar, mas portadores de trajetórias de vida complexas, marcadas por lutas, resistências e aprendizagens diversas.

A pedagogia freireana oferece uma base teórica sólida para essa proposta, ao defender a educação como prática da liberdade e a escola como espaço de escuta, diálogo e construção coletiva do conhecimento (Freire, 1987; 1996). A EJA, ao adotar uma perspectiva territorializada, deve se reconhecer como um espaço onde as desigualdades urbanas são tematizadas, analisadas e enfrentadas por meio da problematização crítica da realidade. A educação, nesses termos, não apenas informa, mas forma sujeitos conscientes de sua condição no mundo e capazes de transformá-lo.

Outros autores contemporâneos têm reforçado essa visão de educação territorializada. Carvalho (2013) destaca a importância de compreender o espaço urbano como um campo pedagógico, no qual as desigualdades espaciais também são expressões de desigualdades sociais e educacionais. Já Silva e Leher (2010) argumentam que a escola pública, especialmente nas periferias urbanas, deve atuar como trincheira de resistência e de construção de cidadania ativa, promovendo o reconhecimento das identidades culturais e das formas de organização popular.

Além disso, experiências pedagógicas exitosas em EJA têm demonstrado o potencial de projetos educativos que se apropriam do território como eixo articulador do currículo. Iniciativas que envolvem mapeamento comunitário, leitura crítica dos espaços urbanos, visitas a equipamentos públicos, uso de cartografias afetivas e registro das histórias de vida dos educandos são exemplos de práticas que materializam a articulação entre educação, cidade e cidadania (Ribeiro, 2011; Caldeira & Holzer, 2021).

Dessa forma, a revisão da literatura permite sustentar a hipótese de que a EJA pode — e deve — se constituir como espaço de mediação entre os sujeitos populares e o direito à cidade, contribuindo para sua inserção ativa e crítica na vida urbana. A articulação entre o conhecimento escolar e os saberes produzidos nos territórios é, portanto, condição indispensável para que a educação cumpra sua função social e democrática.

EDUCAÇÃO POPULAR E PROTAGONISMO URBANO

Inspirada na pedagogia freireana, a Educação de Jovens e Adultos pode constituir-se como um espaço privilegiado para o desenvolvimento de práticas de educação popular voltadas ao fortalecimento do protagonismo dos sujeitos nas lutas urbanas. Ao reconhecer a centralidade do território e da experiência vivida, a EJA torna-se campo fértil para a formação de sujeitos históricos, conscientes de seus direitos e capazes de intervir na realidade de forma transformadora.

A educação popular, segundo Paulo Freire (1987), parte do princípio de que ninguém educa ninguém, ninguém se educa sozinho e que os homens se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo. Tal concepção rompe com a lógica bancária da educação tradicional e propõe um processo dialógico e participativo, no qual os saberes dos educandos são valorizados e incorporados ao processo formativo. Nesse modelo, a escola não é o único espaço legítimo de produção do conhecimento, e sim um lugar de articulação entre diferentes saberes, práticas e linguagens.

Como destaca Gohn (2011), os movimentos sociais urbanos exercem uma função pedagógica significativa na formação política e cidadã dos sujeitos populares. Eles promovem processos coletivos de conscientização, mobilização e enfrentamento das desigualdades sociais, funcionando como espaços de aprendizagem política e construção identitária. A escola, nesse contexto, deve se articular com esses movimentos para construir um currículo vivo, que reflita as demandas e os interesses das comunidades. Tal articulação exige que a EJA ultrapasse os muros da escola e se reconecte com os espaços de luta e resistência presentes nos territórios.

A educação popular não se limita a uma metodologia participativa, mas representa uma opção político-pedagógica comprometida com a transformação das estruturas de dominação e exclusão. Segundo Arroyo (2012), educar jovens e adultos em situação de vulnerabilidade social é um ato profundamente político, pois envolve o reconhecimento de sujeitos historicamente negados, a escuta de suas vozes e o enfrentamento das injustiças que os afetam cotidianamente. O protagonismo dos educandos, nesse sentido, não é um resultado espontâneo, mas uma construção que exige mediação pedagógica, diálogo intercultural e reconhecimento das experiências populares como legítimas fontes de saber.

Diversos estudos contemporâneos reforçam a importância da articulação entre EJA e movimentos sociais na produção de uma educação emancipadora. Caldart (2004) propõe uma pedagogia do movimento, na qual os sujeitos aprendem em contextos de luta, transformando o mundo à medida que o compreendem. Já Brandão (2002) afirma que a cidade educadora não está restrita à escola formal, mas se manifesta nos coletivos populares, nas ocupações urbanas, nas associações de bairro, nas igrejas de base e em outras formas de organização comunitária que compõem o ecossistema educativo das periferias urbanas.

O protagonismo urbano, entendido como a capacidade dos sujeitos de se reconhecerem como agentes políticos em seus territórios, deve ser estimulado por meio de práticas pedagógicas críticas, reflexivas e dialógicas. Em vez de apenas transmitir conteúdos prescritos, o educador da EJA deve criar condições para que os educandos leiam criticamente o espaço urbano, identifiquem as contradições presentes em seu cotidiano e desenvolvam estratégias coletivas de resistência e transformação.

Nesse sentido, experiências pedagógicas inspiradas na educação popular têm desenvolvido ações como o mapeamento participativo de problemas comunitários, a produção de narrativas territoriais, a construção de hortas urbanas, oficinas de direitos humanos, rodas de conversa sobre racismo ambiental, gentrificação e violência urbana, entre outras práticas que integram o currículo escolar à vida concreta dos educandos (Ribeiro, 2011; Krawczyk & Vieira, 2020).

Essas iniciativas evidenciam que a EJA, quando comprometida com a educação popular e a justiça social, pode contribuir para a ampliação da cidadania ativa, promovendo o protagonismo dos sujeitos não apenas no contexto escolar, mas também nas arenas públicas de reivindicação de direitos. Ao assumir esse papel, a escola deixa de ser um espaço neutro e passa a se posicionar como um território de disputa simbólica, cultural e política, no qual se constroi o direito à cidade e à dignidade.

EXPERIÊNCIAS E INICIATIVAS INTEGRADORAS

Nos últimos anos, diversas iniciativas educacionais vêm buscando integrar os princípios da educação popular e da pedagogia crítica à prática cotidiana da Educação de Jovens e Adultos, demonstrando a viabilidade de currículos territorializados e culturalmente significativos. Experiências como o projeto “Educação e Território”, desenvolvido na Rede Municipal de Belo Horizonte, e o programa “EJA com Cultura”, promovido pela Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, são exemplos emblemáticos dessa abordagem. Tais projetos revelam a potência pedagógica do território ao articularem a formação escolar com práticas culturais, saberes locais e processos participativos.

O projeto “Educação e Território” (SMED-BH, 2019), por exemplo, adota uma metodologia baseada na cartografia social e na construção coletiva de narrativas sobre os bairros onde os estudantes vivem. Por meio de passeios pedagógicos, mapeamentos afetivos e rodas de conversa, os educandos constroem novas formas de interpretar a cidade e se reconhecem como parte ativa de sua configuração. O conhecimento geográfico, histórico e social não é apenas ensinado, mas construído em diálogo com a realidade concreta dos sujeitos, conforme preconizado por Freire (1996).

De modo semelhante, o programa “EJA com Cultura” (SME-SP, 2021) promove uma integração entre a formação escolar e a produção cultural das comunidades. Oficinas de poesia, dança, culinária, fotografia e história oral são articuladas ao currículo formal, permitindo a valorização dos saberes tradicionais, das memórias individuais e coletivas, e das expressões culturais marginalizadas. Trata-se de uma proposta que reconhece a EJA como espaço de resistência, pertencimento e reconstrução identitária, elementos essenciais para a formação cidadã plena (ARROYO, 2017; BRANDÃO, 2002).

Essas experiências evidenciam que a aprendizagem se potencializa quando o território é reconhecido como espaço de experiência, reflexão e produção de conhecimento. Como afirmam Caldeira e Holzer (2021), a cidade é um “currículo vivo”, capaz de estimular múltiplas aprendizagens quando a escola se abre ao diálogo com os contextos urbanos. Ao articular os conteúdos escolares à vivência dos educandos, rompe-se com a lógica da educação descontextualizada e abstrata, promovendo um processo formativo ancorado na realidade.

Além disso, iniciativas como essas colocam em prática o conceito de “currículo integrado”, conforme discutido por Sacristán (2000), no qual as disciplinas escolares dialogam entre si e com o cotidiano dos estudantes, superando fragmentações tradicionais. A educação deixa de ser apenas transmissão de conteúdos e passa a ser vivência, produção coletiva de sentidos e ferramenta de transformação da realidade.

No campo da EJA, o reconhecimento da pluralidade cultural e histórica dos sujeitos é essencial para o êxito de qualquer proposta pedagógica. Os educandos trazem consigo repertórios diversos, marcados por experiências de trabalho, exclusão, mobilidade urbana, religiosidade, ancestralidade e resistência. Como destaca Hall (2006), a identidade dos sujeitos é construída na encruzilhada de múltiplas narrativas e contextos. Ao integrar essas vivências ao projeto pedagógico, a escola amplia seu alcance formativo e reforça seu compromisso com uma educação democrática, inclusiva e emancipadora.

Por fim, vale ressaltar que as experiências analisadas são apenas algumas entre muitas outras que vêm sendo desenvolvidas em contextos municipais e comunitários em todo o país. Essas práticas, embora frequentemente invisibilizadas nas políticas educacionais de larga escala, demonstram que é possível reinventar a EJA como espaço de afirmação territorial, de fortalecimento do protagonismo popular e de construção de novos direitos. Como argumenta Gohn (2011), a força transformadora da educação popular reside justamente em sua capacidade de dialogar com o contexto, de reconhecer os sujeitos em sua inteireza e de projetar um futuro que seja construído com — e não apenas para — os educandos.

DESAFIOS E CAMINHOS PARA UMA EJA TERRITORIALIZADA

A consolidação de uma Educação de Jovens e Adultos articulada ao direito à cidade e aos territórios populares enfrenta múltiplos desafios estruturais, pedagógicos e institucionais. Dentre os principais entraves, destacam-se a fragmentação das políticas públicas, a formação insuficiente dos educadores para práticas interdisciplinares e contextualizadas, bem como a resistência institucional em reconhecer a amplitude do conceito de currículo, que ultrapassa os conteúdos disciplinares tradicionalmente prescritos. Tais obstáculos revelam uma tensão persistente entre propostas pedagógicas inovadoras e os modelos burocráticos que ainda predominam nas redes públicas de ensino.

Segundo Arroyo (2017), a EJA continua sendo tratada como uma política de segunda ordem, muitas vezes submetida a lógicas compensatórias, com baixa prioridade nos orçamentos e no planejamento educacional. Essa desvalorização compromete não apenas a oferta de vagas e a permanência dos estudantes, mas também o investimento em formação docente, materiais didáticos adequados e infraestrutura. Para que a EJA assuma um caráter emancipatório e territorializado, é imprescindível romper com esse paradigma marginalizante e investir na construção de políticas públicas integradas, intersetoriais e sustentáveis.

A intersetorialidade, conforme discutida por Barros e Sampaio (2018), constitui um eixo estratégico para o fortalecimento da EJA. A articulação entre educação, cultura, assistência social, saúde e planejamento urbano possibilita uma abordagem mais abrangente das necessidades dos sujeitos da EJA, reconhecendo-os em sua complexidade e multidimensionalidade. Tais parcerias permitem, por exemplo, que ações educativas sejam desenvolvidas em espaços comunitários, centros culturais, praças públicas, unidades de saúde e equipamentos de assistência social, promovendo o uso pedagógico do território como extensão da sala de aula.

No entanto, a efetivação dessa proposta exige a superação de uma cultura escolar centrada no controle e na normatização. Como afirmam Oliveira e Diniz-Pereira (2020), o currículo da EJA deve ser reconstruído a partir das realidades dos educandos, de forma participativa e dialógica. Para isso, é necessário adotar metodologias que valorizem a escuta ativa, o mapeamento das demandas territoriais e a criação coletiva de projetos de aprendizagem. A escola, nesse contexto, torna-se um espaço de encontro entre saberes, de articulação entre experiências e de produção compartilhada de conhecimento.

A valorização da escuta dos educandos no planejamento das ações pedagógicas é um princípio central na construção de uma EJA territorializada. Como pontua Freire (1996), ensinar exige respeito aos saberes dos educandos; e, nesse sentido, os sujeitos da EJA — em sua maioria trabalhadores, mulheres, migrantes, pessoas em situação de vulnerabilidade — trazem consigo vivências densas e múltiplas que não podem ser desconsideradas no processo formativo. Ao reconhecer o território como lugar de memória, de luta e de produção cultural, a escola se torna mais sensível às especificidades locais e mais potente como agente de transformação social.

Outro ponto a ser destacado refere-se à necessidade de políticas de formação continuada que qualifiquem os profissionais da educação para atuarem com uma perspectiva crítica e territorializada. Conforme argumenta Santos (2022), os docentes da EJA precisam dominar não apenas os conteúdos escolares, mas também habilidades para dialogar com a realidade social, promover a interdisciplinaridade, estimular o pensamento crítico e construir práticas pedagógicas enraizadas na vida dos estudantes. A ausência de formação específica tem sido um dos fatores que dificultam a implementação de propostas inovadoras na EJA, reforçando práticas tradicionais e descontextualizadas.

Por fim, é fundamental reconhecer que a construção de uma EJA territorializada não é um processo meramente técnico, mas político e ético. Ela exige o enfrentamento de desigualdades históricas, a promoção de justiça social e a defesa do direito à educação como parte de um projeto democrático de sociedade. Como destaca Santos (2006), o direito à cidade é, também, o direito à educação que permite compreender, disputar e transformar os espaços urbanos. Nesse sentido, a EJA pode e deve ser instrumento de emancipação dos sujeitos e de reconstrução do tecido social urbano, sobretudo nas periferias onde o acesso à cidadania plena ainda é limitado.

METODOLOGIA

Este estudo configura-se como uma pesquisa bibliográfica, de abordagem qualitativa e natureza teórico-interpretativa, cujo objetivo é analisar criticamente o potencial da Educação de Jovens e Adultos (EJA) como instrumento de fortalecimento do direito à cidade. A escolha pela pesquisa bibliográfica se justifica pela necessidade de aprofundar os fundamentos teóricos, conceituais e políticos que sustentam a articulação entre a EJA, a pedagogia freireana, a educação popular e a territorialidade urbana, por meio da leitura, seleção e interpretação de obras relevantes já publicadas sobre o tema.

Segundo Gil (2019), a pesquisa bibliográfica é caracterizada pelo levantamento e análise de material já publicado, que pode estar disponível em livros, artigos científicos, teses, dissertações e documentos institucionais. Esse tipo de pesquisa permite ao investigador compreender os avanços e lacunas existentes na produção acadêmica sobre determinado campo de estudo, bem como desenvolver novas interpretações a partir de um diálogo crítico com os autores selecionados. Em consonância com essa perspectiva, foram adotados procedimentos sistemáticos de busca, leitura e categorização do material teórico.

O corpus bibliográfico da pesquisa foi composto por obras clássicas e contemporâneas dos campos da educação popular, pedagogia crítica, educação urbana, políticas públicas educacionais e direito à cidade. Entre os autores de referência, destacam-se Paulo Freire (1996; 1987), Boaventura de Sousa Santos (2006; 2022), Carlos Rodrigues Brandão (2002), Gaudêncio Frigotto (2018), Maria da Glória Gohn (2011), Stuart Hall (2006), e David Harvey (2012), além de documentos oficiais e experiências relatadas por redes municipais de ensino, como a Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte e de São Paulo.

A seleção das fontes seguiu os critérios de relevância teórica, atualidade, reconhecimento acadêmico e relação direta com os eixos temáticos da pesquisa. Foram priorizados textos com abordagem crítica e interseccional, que contribuíssem para a compreensão da EJA em diálogo com os contextos urbanos e territoriais. Também foram incluídas experiências educacionais documentadas em relatórios institucionais, estudos de caso e publicações técnicas, que pudessem ilustrar concretamente os caminhos já percorridos e os desafios enfrentados na implementação de uma EJA territorializada.

A análise dos dados seguiu uma abordagem qualitativa, com base na interpretação de sentidos e significados atribuídos pelos autores aos conceitos e experiências discutidas. Conforme Minayo (2012), a pesquisa qualitativa busca compreender os fenômenos em sua complexidade, considerando os aspectos históricos, sociais e culturais que os constituem. Nesse sentido, foram identificadas categorias analíticas emergentes a partir da leitura crítica do material — tais como: currículo territorializado, direito à cidade, protagonismo popular, práticas intersetoriais e formação docente crítica —, que orientaram a organização e discussão dos resultados.

Portanto, esta metodologia possibilitou o desenvolvimento de uma reflexão fundamentada e integrada sobre a EJA, não apenas enquanto modalidade de ensino, mas como espaço estratégico de construção de cidadania, justiça social e transformação urbana. A abordagem teórica permitiu explorar os desafios e potencialidades dessa articulação, oferecendo subsídios para a formulação de práticas educativas mais sensíveis aos territórios e às trajetórias dos sujeitos que os habitam.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente pesquisa teve como objetivo analisar a Educação de Jovens e Adultos (EJA) a partir de uma abordagem territorializada, buscando entender seu potencial como ferramenta para o fortalecimento do direito à cidade e a construção de uma cidadania plena. A análise revelou que, apesar de ser historicamente marginalizada nas políticas públicas brasileiras, a EJA possui uma grande capacidade de transformação quando articulada com os conceitos de educação popular e pedagogia crítica, promovendo a reflexão e a ação dos educandos sobre sua realidade urbana e social.

Ao longo deste estudo, foi possível constatar que a EJA territorializada transcende o modelo tradicional de recuperação de trajetórias escolares interrompidas, oferecendo uma formação crítica, conectada aos direitos urbanos e às dinâmicas territoriais vivenciadas pelos sujeitos. A integração do território como conteúdo pedagógico permite que a educação se torne mais significativa e relevante para os educandos, uma vez que ela se ancorou em suas experiências cotidianas, promovendo uma leitura crítica do mundo, como preconizava Paulo Freire (1996).

Entretanto, a implementação de uma EJA territorializada enfrenta desafios significativos, entre os quais se destacam a fragmentação das políticas públicas, a resistência à transformação do currículo e a insuficiência de formação dos educadores para práticas interdisciplinares e contextuais. A pesquisa indicou que, para que a EJA cumpra seu papel de transformação social e urbana, é necessário investir em políticas de formação continuada para os docentes, além de promover parcerias intersetoriais que articulem educação, cultura, assistência social e planejamento urbano, conforme defendido por autores como Santos (2006) e Gohn (2011).

A valorização da escuta ativa dos educandos e a participação deles no planejamento das ações educativas são aspectos essenciais para a construção de uma EJA que reconheça a pluralidade cultural e histórica de seus sujeitos. Como demonstrado nas iniciativas como o projeto “Educação e Território” em Belo Horizonte e o programa “EJA com Cultura” em São Paulo, essas práticas pedagógicas demonstram o potencial de integrar o currículo escolar ao território e às práticas culturais dos educandos, gerando um processo de aprendizagem mais conectado com a realidade local e com as lutas sociais.

Além disso, ao incorporar o direito à cidade como eixo central da formação, a EJA se torna um campo de disputa pela ampliação dos direitos urbanos, como o acesso à moradia, à mobilidade, à cultura e ao trabalho, aspectos fundamentais para a construção de uma sociedade mais justa e democrática. A educação, nesse contexto, vai além do espaço escolar e se torna uma ferramenta de empoderamento e transformação da realidade social, conforme discutido por autores como Harvey (2012) e Hall (2006).

Em síntese, esta pesquisa contribui para o entendimento de que a EJA, quando abordada de forma territorializada, tem o potencial de promover uma educação emancipatória, crítica e cidadã, que não se limita à transmissão de conteúdos, mas se insere como um processo de apropriação e reconstrução do espaço urbano e social. A superação dos desafios identificados exige um compromisso político e institucional com a democratização da educação, e com a transformação dos espaços urbanos em ambientes de aprendizado e participação ativa dos cidadãos.

Por fim, a pesquisa aponta a necessidade de um esforço contínuo e articulado entre diferentes setores da sociedade, incluindo a escola, as políticas públicas, os movimentos sociais urbanos e as comunidades locais, para a construção de uma EJA efetivamente territorializada e capaz de atender às necessidades dos sujeitos urbanos contemporâneos, valorizando suas histórias, lutas e culturas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Pedagogia do oprimido: uma visão crítica da educação no Brasil. São Paulo: Editora Ática, 2002.

FRIGOTTO, Gaudêncio. Educação e trabalho: a pedagogia da resistência. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2018.

GOHN, Maria da Glória. Movimentos sociais urbanos e a educação popular. São Paulo: Editora Hucitec, 2011.

HARVEY, David. O direito à cidade. 6. ed. São Paulo: Editora da UFMG, 2012.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.

LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. 2. ed. São Paulo: Editora Centauro, 1968.

MINAYO, Maria Cecilia de Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14. ed. São Paulo: Hucitec, 2012.

SANTOS, Boaventura de Sousa. A gramática do tempo: para uma nova teoria da justiça. São Paulo: Cortez, 2006.

SANTOS, Boaventura de Sousa. A universidade no século XXI: para uma universidade nova. 2. ed. São Paulo: 

Cortez, 2022.SÃO PAULO (SP). Secretaria Municipal de Educação. EJA com cultura: programa de educação e inclusão social. São Paulo, 2020.

SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE BELO HORIZONTE. Educação e Território: práticas pedagógicas integradas à realidade urbana. Belo Horizonte, 2018.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 30. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. 

Filho, Dorgival Tolentino . Educação de jovens e adultos no Brasil: Avanços, desafios e perspectivas.International Integralize Scientific. v 5, n 47, Maio/2025 ISSN/3085-654X

Referencias

BAILEY, C. J.; LEE, J. H.
Management of chlamydial infections: A comprehensive review.
Clinical infectious diseases.
v. 67
n. 7
p. 1208-1216,
2021.
Disponível em: https://academic.oup.com/cid/article/67/7/1208/6141108.
Acesso em: 2024-09-03.

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