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Resumo
INTRODUÇÃO
A educação, historicamente reconhecida como um dos pilares fundamentais para a transformação social, assume papel ainda mais relevante em contextos de vulnerabilidade socioeconômica. No Brasil, programas sociais como o Bolsa Família e, mais recentemente, o Pé-de-Meia, foram criados com o objetivo de promover a permanência de crianças e adolescentes na escola, funcionando como mecanismos de combate à evasão escolar. Contudo, apesar dos avanços que esses programas representam em termos de acesso à educação, uma crítica recorrente e necessária recai sobre o fato de que os critérios adotados para a concessão dos benefícios se limitam, majoritariamente, à presença física do aluno em sala de aula, desconsiderando aspectos fundamentais como o seu desempenho acadêmico, o engajamento com os estudos e a efetiva aprendizagem.
A simples frequência escolar, embora essencial, não é suficiente para garantir que o aluno esteja, de fato, se apropriando do conhecimento ou desenvolvendo as competências necessárias para romper com o ciclo de pobreza que o cerca. Um estudo realizado por Santos e Rebouças (2018) revelou que, embora os programas de transferência de renda contribuam para a permanência física dos alunos na escola, não há, necessariamente, um impacto positivo direto sobre o desempenho escolar. Esses dados demonstram que a frequência, por si só, não é indicativo de aprendizagem ou de mudança real na trajetória educacional do estudante.
Na prática cotidiana das escolas públicas brasileiras, especialmente nas periferias urbanas e zonas rurais, é comum encontrar estudantes que, apesar de frequentarem as aulas regularmente – muitas vezes motivados pela manutenção do benefício social – demonstram profundo desinteresse, baixa participação e desempenho insatisfatório. Este fenômeno levanta questionamentos importantes: estar presente é o mesmo que estar aprendendo? Basta estar na escola para que a educação cumpra sua função emancipadora?
Autores como Paulo Freire (1996) já alertavam para os riscos de uma educação bancária, em que o estudante é visto como receptor passivo de conteúdos. Freire defendia uma educação libertadora, que partisse da realidade do aluno, promovendo uma aprendizagem crítica e transformadora. Complementando essa ideia, Dermeval Saviani (2008), ao propor a pedagogia histórico-crítica, defende que a escola deve ser um instrumento de superação das desigualdades sociais, desde que conectada com práticas pedagógicas significativas e engajadas.
No caso do Pé-de-Meia, que prevê uma poupança para jovens do ensino médio que mantêm frequência escolar e realizam exames como o Enem, o desafio se repete. Embora a proposta seja válida ao tentar combater a evasão e estimular a conclusão do ensino básico, ela ainda não resolve o problema central: a permanência do aluno na escola não garante, por si só, que ele esteja sendo motivado, desafiado intelectualmente ou apoiado nas suas dificuldades.
Um levantamento recente da Fundação Otacílio Coser (2024) mostrou que fatores como a necessidade de trabalhar, desinteresse pelos estudos e a baixa qualidade do ensino são os principais motivos para a evasão, o que evidencia que incentivos financeiros precisam estar acompanhados de suporte pedagógico e psicológico.
Portanto, é necessário repensar os critérios de acompanhamento desses programas, incorporando métricas mais amplas que levem em consideração o desempenho escolar, a evolução individual e, principalmente, as condições estruturais e pedagógicas oferecidas pelas instituições de ensino. Incentivos financeiros são importantes, sim, mas devem vir acompanhados de políticas educacionais integradas que contemplem reforço escolar, acompanhamento psicopedagógico, formação de professores, valorização do currículo e ações que tornem a escola um espaço realmente atrativo e transformador.
Ao se discutir a eficácia dos programas Bolsa Família e Pé-de-Meia, torna-se urgente e necessário superar a visão reducionista de que a frequência escolar é um fim em si mesmo. O foco precisa ser ampliado para além da presença física, valorizando o engajamento, o aprendizado e o desenvolvimento integral dos estudantes. Afinal, a verdadeira permanência na escola não se mede apenas por registros de chamada, mas pela capacidade da educação em fazer sentido na vida dos jovens.
O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA
O Bolsa Família é um programa de transferência direta de renda destinado a famílias em situação de vulnerabilidade social e econômica, com o objetivo de promover a segurança alimentar e nutricional, além de incentivar o acesso à educação e à saúde. Seu modelo é baseado em condicionalidades que exigem o cumprimento de compromissos nas áreas de saúde e educação para garantir o recebimento do benefício.
QUEM TEM DIREITO
Podem ser beneficiárias do programa as famílias que atendem aos seguintes critérios:
REQUISITOS NECESSÁRIOS
Para ter direito ao Bolsa Família, as famílias devem:
VALOR DO BENEFÍCIO
O valor do benefício varia conforme a composição familiar e o cumprimento das condicionalidades:
R$ 150,00 por criança de até 6 anos.
R$ 50,00 por criança/adolescente de 7 a 18 anos, gestante ou nutriz.
Portanto, o valor total recebido por uma família depende do número de membros e da faixa etária deles.
NÚMERO DE FILHOS
Não há um número mínimo de filhos exigido para participar do programa. O valor do benefício aumenta conforme o número de crianças e adolescentes na família, especialmente aqueles com até 6 anos, que recebem o Benefício Primeira Infância.
CONDICIONALIDADES
As famílias devem cumprir as seguintes condicionalidades para manter o benefício:
Acompanhamento nutricional para crianças até 7 anos.
Realização de pré-natal para gestantes.
CADASTRO E ATUALIZAÇÃO
O cadastro no CadÚnico deve ser feito em postos de atendimento da assistência social nos municípios. É fundamental manter os dados atualizados, informando mudanças como nascimento, casamento, falecimento, entre outros.
O PROGRAMA PÉ-DE-MEIA
O Pé-de-Meia é um programa de incentivo financeiro-educacional voltado a estudantes matriculados no ensino médio público, com o objetivo de promover a permanência e a conclusão escolar. Destinado a jovens de famílias inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico), o programa visa democratizar o acesso à educação e reduzir a desigualdade social entre os jovens, além de fomentar a inclusão educacional e estimular a mobilidade social.
BENEFÍCIOS E VALORES
Os estudantes beneficiados pelo Pé-de-Meia recebem os seguintes incentivos:
Considerando as parcelas de incentivo, os depósitos anuais e o adicional de R$ 200,00 pela participação no Enem, os valores podem chegar a R$ 9.200,00 por aluno.
ELEGIBILIDADE E INSCRIÇÃO
Para ser beneficiado pelo Pé-de-Meia, o estudante deve:
Não é necessário realizar inscrição; os dados dos estudantes são automaticamente cruzados pelo Ministério da Educação (MEC) com as informações do CadÚnico. A Caixa Econômica Federal, agente financeiro executor do programa, é responsável pela abertura das contas dos estudantes e pela execução do pagamento dos incentivos.
A EFETIVIDADE DOS PROGRAMAS SOCIAIS NA EDUCAÇÃO
Embora os programas sociais, como o Bolsa Família, tenham como uma de suas condicionalidades a frequência escolar dos beneficiários, muitos estudos questionam a efetividade dessa estratégia para promover melhorias concretas no desempenho educacional dos alunos. A simples presença dos estudantes na escola não garante, por si só, o sucesso educacional, uma vez que diversos fatores pedagógicos e sociais precisam ser considerados.
O estudo realizado por Wellington Furtado Santos e Felipe Furtado Medeiros Rebouças, intitulado “Análise dos estudantes do PBF – Programa Bolsa Família – frente à frequência escolar dos beneficiados”, foi publicado na Revista InterAção em 2018. Este estudo examina a relação entre a frequência escolar e os impactos educacionais gerados por programas sociais, com foco no Programa Bolsa Família. A pesquisa busca entender se a simples presença do aluno na escola, um dos critérios para o recebimento do benefício, é suficiente para promover resultados educacionais significativos.
Os autores destacam que, apesar de a frequência escolar ser um dos indicadores de sucesso para a permanência de crianças e adolescentes no sistema educacional, a simples presença não é capaz de garantir o desenvolvimento acadêmico ou o sucesso educacional dos estudantes. A pesquisa sugere que, para que esses programas tenham efetividade, é necessário um maior comprometimento com a qualidade do ensino, a participação ativa dos alunos nas atividades escolares e a melhoria das condições pedagógicas da escola. A frequência, por si só, não é um indicador suficiente de sucesso educacional, como demonstrado pelos resultados do estudo, que sugerem a necessidade de repensar as condições que levam à efetiva aprendizagem dos alunos.
A análise de Santos e Rebouças coloca em questão a base desses programas sociais, argumentando que eles frequentemente se fundamentam em pressupostos equivocados, como a crença de que a simples frequência escolar, sem um acompanhamento mais eficaz, pode ser um indicativo de desenvolvimento educacional e social. O estudo conclui que, para promover um avanço significativo na educação, é preciso repensar a estrutura de benefícios, focando não apenas na frequência, mas também em resultados acadêmicos mensuráveis, como desempenho em avaliações educacionais.
Outro exemplo significativo é o estudo desenvolvido por Regiane Lucinda de Carvalho e Márcia Barroso Fontes, apresentado no 15º Seminário sobre a Economia Mineira, que teve como objetivo avaliar os efeitos do Programa Bolsa Família sobre o desempenho educacional de crianças entre 7 e 14 anos no estado de Minas Gerais. A pesquisa utilizou uma abordagem quantitativa, com base em dados estatísticos educacionais e socioeconômicos, para verificar se o aumento da frequência escolar, decorrente do recebimento do benefício, também implicava melhorias nos indicadores de desempenho acadêmico.
Os resultados da pesquisa demonstraram que, embora o programa tenha cumprido com relativo sucesso o objetivo de aumentar a taxa de frequência escolar entre os beneficiários, não houve evidências consistentes de melhoria no desempenho educacional. Ou seja, os estudantes estavam de fato frequentando as aulas, mas isso não se refletia em avanços significativos no aprendizado, conforme medido por avaliações padronizadas e indicadores internos das escolas.
As autoras destacam que esse resultado pode estar relacionado a diversos fatores estruturais e pedagógicos que extrapolam a mera presença em sala de aula. Entre esses fatores, estão a qualidade do ensino, a infraestrutura escolar precária, a formação insuficiente dos docentes, bem como as condições sociais e culturais dos estudantes, que muitas vezes enfrentam dificuldades para estudar fora do ambiente escolar, como falta de apoio familiar, necessidade de trabalhar, ou ausência de um ambiente doméstico adequado ao estudo.
O estudo de Carvalho e Fontes reforça a ideia de que a política pública educacional atrelada unicamente à frequência não é suficiente para promover transformações significativas no aprendizado. A eficácia da educação como vetor de inclusão social e de superação da pobreza requer mais do que o simples acesso à escola: exige qualidade no ensino, políticas pedagógicas adequadas e acompanhamento efetivo do desempenho escolar dos alunos.
Além disso, a pesquisa sugere que a política de condicionalidades, como está estruturada atualmente, pode estar supervalorizando indicadores de fácil monitoramento, como a matrícula e a presença, em detrimento de aspectos mais complexos, porém essenciais, como a qualidade da aprendizagem e a efetividade das estratégias pedagógicas. Essa ênfase excessiva na frequência, como critério central para a manutenção dos benefícios, pode inclusive mascarar problemas estruturais graves, como o fracasso escolar silencioso — quando o aluno está presente, mas não aprende.
Dessa forma, os achados de Carvalho e Fontes se somam a um conjunto crescente de evidências empíricas que apontam para a limitação do uso da frequência escolar como único indicador de eficácia educacional em programas de transferência de renda. As autoras defendem que o sucesso desses programas no campo da educação depende da adoção de políticas intersetoriais mais abrangentes, que envolvam o aprimoramento da qualidade do ensino, a valorização do professor, o fortalecimento das redes de apoio à aprendizagem e o monitoramento contínuo dos resultados escolares — não apenas em termos de presença, mas principalmente de desenvolvimento cognitivo e habilidades adquiridas.
Um estudo publicado na Revista Brasileira de Educação aborda essa questão ao investigar a condicionalidade educacional do PBF, que exige que os beneficiários mantenham uma frequência mínima de 85% dos dias letivos mensais para crianças de 6 a 15 anos e 75% para adolescentes de 16 e 17 anos. Embora essa medida tenha contribuído para a redução da evasão escolar, o estudo aponta que o programa não estabelece critérios claros relacionados ao desempenho acadêmico dos alunos. Consequentemente, estudantes com frequências regulares podem não apresentar avanços significativos em termos de aprendizado e desenvolvimento cognitivo.
A pesquisa destaca que, ao focar predominantemente na frequência escolar como indicador de sucesso, o PBF pode negligenciar fatores cruciais que influenciam o desempenho acadêmico, como a qualidade do ensino, a formação dos professores e as condições estruturais das escolas. Além disso, a análise revela que, em algumas regiões, as escolas que atendem a um maior número de beneficiários do programa enfrentam desafios adicionais, como infraestrutura inadequada e recursos pedagógicos limitados, o que impacta negativamente na qualidade do aprendizado oferecido.
Portanto, para que o PBF cumpra efetivamente seu papel de promover a equidade educacional, é imperativo que o programa incorpore critérios relacionados ao desempenho acadêmico em suas condicionalidades. Isso implica não apenas monitorar a frequência escolar, mas também avaliar o progresso dos alunos por meio de indicadores de aprendizagem, como notas em avaliações padronizadas, participação em atividades escolares e desenvolvimento de habilidades cognitivas. Além disso, é essencial que sejam feitos investimentos significativos na melhoria da qualidade do ensino, incluindo a capacitação contínua dos professores, a melhoria da infraestrutura escolar e o fornecimento de recursos pedagógicos adequados.
Em síntese, a análise da condicionalidade educacional do PBF revela que, embora o programa tenha alcançado avanços na promoção do acesso à escola, sua eficácia na melhoria do desempenho acadêmico dos estudantes depende de uma abordagem mais holística, que considere não apenas a frequência escolar, mas também a qualidade do ensino e o progresso dos alunos. Somente por meio dessa abordagem integrada será possível garantir que os benefícios do programa se traduzam em melhorias reais na educação e, consequentemente, na transformação social das comunidades atendidas.
A CONTRADIÇÃO ENTRE A CONDICIONALIDADE DE FREQUÊNCIA ESCOLAR E A COBRANÇA POR DESEMPENHO ACADÊMICO
Os programas sociais de transferência de renda condicionada, como o Bolsa Família e, mais recentemente, o Pé-de-Meia, foram concebidos com o propósito de romper ciclos de pobreza por meio do incentivo à educação. Um dos pilares dessas políticas públicas é a frequência escolar obrigatória como critério para a manutenção dos benefícios. A lógica por trás dessa exigência é que, ao manter as crianças e adolescentes na escola, aumenta-se a chance de que eles tenham acesso ao conhecimento e, futuramente, a melhores oportunidades de vida. No entanto, essa condicionalidade, embora bem-intencionada, revela uma profunda contradição quando confrontada com os parâmetros de avaliação e as metas de desempenho impostas às escolas e aos professores pela própria política educacional.
Enquanto os estudantes beneficiários dos programas sociais precisam apenas cumprir o requisito da frequência para garantir o benefício, os professores e as escolas são avaliados com base no desempenho acadêmico desses mesmos alunos, especialmente por meio de exames padronizados como o SAEB (Sistema de Avaliação da Educação Básica) e o SARESP (Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar de São Paulo). Isso cria um paradoxo estrutural: a política assistencial valoriza a presença, mas a política educacional cobra resultados, desconsiderando o fato de que estar presente na escola não garante, por si só, que o aluno esteja aprendendo.
Esse desalinhamento de objetivos coloca o professor em uma posição vulnerável. Ele é responsabilizado por índices de desempenho que muitas vezes não refletem sua prática pedagógica, mas sim uma série de fatores externos que influenciam diretamente o aprendizado dos alunos: o nível de escolaridade dos pais, a presença ou ausência de suporte familiar, as condições socioeconômicas, o acesso a recursos educacionais fora da escola e a qualidade da infraestrutura escolar. Como afirma Libâneo (2012), a aprendizagem não depende exclusivamente da atuação do professor, mas de um conjunto de condições sociais e pedagógicas que precisam ser consideradas pelas políticas públicas.
Muitos alunos chegam às salas de aula com déficits de aprendizagem acumulados, desmotivados, com dificuldades de concentração, e ainda assim esperam-se resultados expressivos em avaliações externas. Como alerta Dubet (2004), esse tipo de política promove uma lógica de responsabilização individual dos docentes e da escola, enquanto ignora as desigualdades estruturais que moldam o cotidiano escolar.
Além disso, ao não considerar o desempenho escolar como critério de permanência nos programas sociais, o Estado reforça a ideia de que a simples permanência na escola é suficiente, desestimulando o desenvolvimento de políticas que envolvam acompanhamento pedagógico, reforço escolar, formação continuada para professores e investimentos estruturais nas instituições de ensino. Cria-se, assim, uma política educacional de aparência, em que a taxa de presença é elevada, mas os índices de aprendizagem permanecem estagnados ou abaixo do esperado.
Outro ponto de atenção é que, ao focar exclusivamente na frequência como indicador de cumprimento da política educacional, o governo desconsidera a complexidade do processo de ensino-aprendizagem e a necessidade de indicadores que levem em conta o desempenho cognitivo, o desenvolvimento de habilidades socioemocionais e o progresso individual do estudante ao longo do tempo. Como enfatiza Saviani (2008), não basta garantir o acesso à escola — é preciso assegurar a permanência com qualidade e com sentido formativo.
Dessa forma, a contradição entre as exigências das condicionalidades sociais e as metas educacionais revela a fragmentação das políticas públicas voltadas à educação. É preciso caminhar no sentido de uma integração entre as políticas de assistência social e educacional, garantindo que as condicionalidades estejam alinhadas aos objetivos pedagógicos reais das escolas. Isso significa, necessariamente, repensar o modelo de acompanhamento dos beneficiários, incluindo indicadores de desempenho que possam orientar intervenções pedagógicas mais eficazes, e ao mesmo tempo valorizar o trabalho dos professores, oferecendo apoio técnico, formação e reconhecimento.
Por fim, a perspectiva de autores como Charlot (2001) também se faz relevante: para ele, o aluno das classes populares tende a estabelecer uma relação diferenciada com o saber escolar, o que exige das políticas públicas uma escuta mais atenta e estratégias pedagógicas mais inclusivas. Portanto, a superação dessa contradição exige uma mudança de perspectiva: é necessário deixar de ver o aluno apenas como um corpo presente e passar a vê-lo como sujeito ativo no processo de aprendizagem. Ao mesmo tempo, é preciso reconhecer que o professor não pode ser responsabilizado isoladamente por resultados que dependem de fatores muito mais amplos do que sua atuação em sala de aula. Integrar políticas, alinhar objetivos e oferecer suporte pedagógico efetivo são passos fundamentais para que os programas sociais realmente contribuam para a melhoria da educação e para a transformação da realidade social brasileira.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os programas de transferência de renda condicionada, como o Bolsa Família, têm desempenhado um papel fundamental na luta contra a pobreza e na promoção da inclusão social no Brasil. A exigência de frequência escolar como condicionalidade para o recebimento do benefício representa um avanço na tentativa de garantir o acesso e a permanência dos alunos na escola. No entanto, ao longo deste trabalho, foi possível observar, com base em três estudos significativos, que a presença física do aluno não é, por si só, suficiente para assegurar sua aprendizagem efetiva ou a melhoria do desempenho escolar.
A pesquisa de Santos e Rebouças (2018) evidencia que os pressupostos que fundamentam a política de condicionalidades educacionais carecem de embasamento empírico sólido. O estudo mostra que a frequência escolar, ainda que importante, não assegura o sucesso educacional, principalmente quando desarticulada de medidas que garantam a qualidade do ensino e o engajamento do estudante no processo de aprendizagem. A crítica central dos autores é que a política pública precisa ir além da presença na escola, e incorporar mecanismos que estimulem a aprendizagem real e a participação ativa dos alunos.
Na mesma linha, a pesquisa de Carvalho e Fontes (2012), apresentada no Seminário sobre a Economia Mineira, reforça essa argumentação ao analisar dados do estado de Minas Gerais. O estudo revela que, embora o Bolsa Família tenha contribuído para aumentar a frequência escolar das crianças entre 7 e 14 anos, não houve reflexos significativos na melhoria do desempenho escolar. Esse dado reforça o entendimento de que a simples permanência do aluno na escola não se converte automaticamente em aprendizado. A ausência de políticas pedagógicas eficazes e o ambiente de vulnerabilidade social em que vivem muitos desses estudantes contribuem para que a aprendizagem não ocorra de forma significativa, mesmo com a regularidade na frequência.
Complementando essa perspectiva, o estudo publicado na Revista Brasileira de Educação aborda de maneira crítica a limitação da condicionalidade educacional do Bolsa Família ao monitoramento da frequência escolar, desconsiderando aspectos centrais da trajetória educacional dos alunos, como o desempenho acadêmico. A pesquisa alerta para o risco de que o foco exclusivo na presença acaba por mascarar um problema ainda mais grave: o da baixa qualidade da aprendizagem. O estudo sugere que, para que o programa tenha efeitos mais profundos e duradouros na transformação social dos estudantes, é indispensável incluir critérios de desempenho entre as condicionalidades educacionais.
A análise desses três estudos aponta para a necessidade urgente de revisão e aprimoramento dos critérios educacionais dos programas sociais. Embora o aumento da frequência escolar seja uma conquista inegável, ele não deve ser encarado como meta final, mas sim como ponto de partida para uma política educacional mais ampla, que contemple a formação integral dos estudantes. É fundamental que os programas de transferência de renda estejam integrados a outras políticas públicas — especialmente aquelas voltadas à qualificação docente, à infraestrutura escolar, ao acompanhamento psicossocial dos estudantes e à avaliação contínua do aprendizado.
Evidencia-se que atrelar os programas sociais como o Bolsa Família e o Pé-de-Meia apenas à frequência escolar dos estudantes é uma estratégia limitada, que ignora a complexidade do processo educacional e impõe uma carga desproporcional de responsabilidade sobre os professores. O cenário educacional brasileiro revela uma contradição estrutural: ao mesmo tempo em que o Estado exige presença física dos alunos para manutenção de benefícios sociais, exige das escolas e dos docentes resultados acadêmicos mensuráveis em avaliações de larga escala, como o SAEB e o SARESP, sem oferecer as condições reais para que esses resultados sejam alcançados.
Essa lógica revela uma política educacional fragmentada e injusta, que desconsidera as dificuldades cotidianas enfrentadas por professores e alunos. O docente é cobrado por um desempenho que depende, em grande parte, do engajamento do aluno, de sua realidade familiar, de seu contexto social e de uma rede de apoio pedagógico muitas vezes inexistente. O estudante, por sua vez, é mantido na escola apenas pela obrigatoriedade de presença, sem que lhe seja exigido envolvimento real com o processo de aprendizagem — o que contribui para o desinteresse, a indisciplina e os baixos resultados.
Conclui-se, portanto, que é urgente repensar as estratégias de combate à desigualdade educacional. É necessário romper com a lógica da responsabilização individual do professor e avançar para uma política pública que compreenda a educação como processo coletivo, complexo e contextualizado. A condicionalidade da presença precisa ser revista e ampliada, incorporando critérios de desempenho, mas também respeitando as singularidades de cada realidade escolar e oferecendo apoio concreto para que o verdadeiro aprendizado aconteça. A escola pública precisa ser mais do que um espaço de controle de presença — ela precisa ser um lugar de sentido, de transformação, e de esperança.
Por fim, destaca-se também a lacuna de pesquisas científicas atuais que analisem com profundidade a eficácia dos programas sociais atrelados à educação, sob o ponto de vista do desempenho acadêmico e da percepção dos docentes que atuam diretamente com esses alunos. Essa ausência de estudos mais recentes e específicos constitui um campo fértil para novas investigações, sobretudo aquelas que adotem abordagens qualitativas e tragam à tona as experiências concretas de professores, gestores e alunos. É a partir dessa escuta e desse aprofundamento que será possível repensar as condicionalidades educacionais, buscando caminhos mais eficazes para que a educação cumpra seu papel transformador na vida de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade.
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