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Resumo
INTRODUÇÃO
O aumento significativo nos casos de dificuldades de aprendizagem no contexto escolar tem motivado estudiosos e profissionais das áreas da saúde e da educação a aprofundar a compreensão sobre suas origens, manifestações e possibilidades de intervenção. Frequentemente, essas dificuldades não se limitam a questões didáticas, envolvendo também fatores cognitivos, emocionais e neurológicos que demandam uma abordagem integrada entre diferentes saberes. É nesse cenário que a neuropsicologia se destaca como um campo fundamental, ao articular conhecimentos da neurologia, da psicologia e da educação para investigar o funcionamento cerebral e suas repercussões no comportamento e nas habilidades cognitivas.
Dentro desse campo, a avaliação neuropsicológica representa uma ferramenta essencial para o diagnóstico diferencial de dificuldades escolares, possibilitando a distinção entre transtornos do neurodesenvolvimento, questões emocionais e condições neurológicas, como a deficiência intelectual. Além de contribuir para uma identificação mais precisa dos desafios enfrentados pelos alunos, essa avaliação também orienta a construção de intervenções mais adequadas às necessidades individuais, promovendo o desenvolvimento integral da criança e sua adaptação ao ambiente escolar.
Nesse sentido, o objetivo do presente artigo é investigar as contribuições da neuropsicologia no diagnóstico e na intervenção em situações de dificuldades escolares relacionadas a múltiplos fatores. Para tanto, utiliza-se a metodologia de pesquisa bibliográfica, com base na seleção e análise de produções acadêmicas pertinentes à temática.
FUNDAMENTOS DA NEUROPSICOLOGIA
Desde os tempos antigos, o ser humano manifesta curiosidade sobre o funcionamento do cérebro. Ao longo dos séculos, diversas teorias foram propostas, discutidas e muitas delas posteriormente descartadas. Com o surgimento das neurociências e o avanço das tecnologias, o conhecimento sobre as funções cognitivas, emocionais e comportamentais do cérebro evoluiu consideravelmente.
A Neuropsicologia firmou-se como uma disciplina científica independente no início do século XX, com o termo sendo utilizado pela primeira vez por Hebb, em 1949. Seu propósito era definir um campo específico que estudasse o funcionamento cerebral a partir da integração entre neurologia e psicologia, com base nas pesquisas em Psicofisiologia então vigentes. No entanto, a relação entre cérebro e mente já vinha sendo estudada desde o final do século XIX, contribuindo para o desenvolvimento das abordagens metodológicas que seriam consolidadas posteriormente (Cagnin, 2010).
Conforme Kandel et al. (2000 apud Giannesi; Moretti, 2015), a Neuropsicologia busca compreender os comportamentos humanos a partir da atividade cerebral produzida por milhões de neurônios, levando em consideração também os aspectos ambientais e as interações sociais, que influenciam diretamente a constituição do comportamento. A união entre Psicologia e Neurociência resultou na construção de um arcabouço teórico robusto, ampliando a compreensão das funções cognitivas fundamentais para o aprendizado, como percepção, atenção, memória, raciocínio, abstração, afetividade, controle motor e funções executivas.
Ciasca (2006), ao abordar os distúrbios de aprendizagem, ressalta a importância das contribuições de Luria para a compreensão do funcionamento cerebral, especialmente no que se refere às disfunções nas áreas corticais. O conhecimento das teorias propostas por Luria é considerado essencial para os profissionais que trabalham com avaliação e intervenção de crianças e adolescentes com dificuldades escolares, pois permite a formulação de estratégias reabilitadoras mais eficientes.
Segundo Luria (1981), a Neuropsicologia pode ser entendida como a ciência que investiga como os processos mentais superiores estão organizados no cérebro, procurando identificar a contribuição de diferentes sistemas cerebrais em atividades mentais complexas. Por meio de sua metodologia, é possível analisar profundamente os processos psíquicos, relacionando comportamentos específicos a determinadas regiões corticais.
Essa abordagem se mostra especialmente relevante no campo da educação, ao permitir a correlação entre funções psicológicas superiores — como memória, atenção e linguagem — e a aprendizagem de conteúdos simbólicos, incluindo leitura, escrita e compreensão de conceitos. O modelo neuropsicológico voltado às dificuldades de aprendizagem enfatiza a interação entre funções mentais superiores e a estrutura funcional cerebral, contribuindo para uma análise mais apurada dos fatores que afetam o desempenho escolar.
Miotto (2012 apud Giannesi; Moretti, 2015) afirma que a Neuropsicologia é um campo interdisciplinar que une Psicologia e Neurociências, com foco na investigação das relações entre o sistema nervoso central, os processos cognitivos e o comportamento. Entre suas principais funções estão o diagnóstico complementar, as intervenções clínicas em casos de alterações neurológicas, além da pesquisa clínica e experimental em contextos diversos, com ou sem comprometimento do sistema nervoso.
Embora sua consolidação no Brasil seja relativamente recente, a Neuropsicologia tem se expandido em diversas regiões e é atualmente reconhecida como especialidade da Psicologia pelo Conselho Federal de Psicologia. No âmbito das Neurociências, configura-se como uma área multidisciplinar, estabelecendo conexões com campos como neurologia, psiquiatria, geriatria, pediatria, fonoaudiologia, pedagogia e psicologia jurídica, entre outros (Miotto, 2012, apud Giannesi; Moretti, 2015).
Em síntese, a Neuropsicologia vai além da análise das bases neurológicas do comportamento, desempenhando um papel crucial na compreensão e na intervenção nos processos de ensino-aprendizagem e em suas possíveis disfunções, contribuindo para o desenvolvimento de práticas pedagógicas e terapêuticas mais eficazes.
O PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM
A aprendizagem escolar é um dos pilares fundamentais para a inclusão social e o desenvolvimento pessoal. À escola cabe não apenas repassar conteúdos, mas também favorecer uma aprendizagem que estimule a autonomia, a criatividade e a capacidade de autogerenciamento dos alunos. Para isso, é essencial que a instituição vá além do currículo tradicional, promovendo o desenvolvimento de competências que permitam aos estudantes assumirem um papel ativo em sua trajetória de aprendizagem.
Aprender envolve elaborar uma visão própria da realidade, o que torna esse processo particular para cada indivíduo. Conforme destacam Vygotsky, Luria e Leontiev (1988 apud Giannesi; Moretti, 2015), o aprendizado desempenha um papel central no desenvolvimento das funções psicológicas superiores, sendo mediado culturalmente e característico da espécie humana.
De acordo com Dias (2003), a aprendizagem consiste na habilidade de selecionar, compreender, armazenar e aplicar informações oriundas do ambiente, integrando-as aos conhecimentos prévios e melhorando, assim, a qualidade de vida por meio de interações mais eficazes. Esse processo é sustentado por funções neuropsicológicas fundamentais, como atenção, percepção e memória.
A linguagem, tanto em sua forma oral quanto escrita, é um dos elementos-chave no desenvolvimento cognitivo e no processo de aprender, sendo processada por áreas interligadas do cérebro (Tabaquim, 2003 apud Giannesi; Moretti, 2015). A aprendizagem também pode ser compreendida como um processo de transformação do comportamento, baseado na capacidade do cérebro de modificar seus circuitos neurais — fenômeno conhecido como plasticidade (Andrade; Luft; Rolim, 2004 apud Giannesi; Moretti, 2015), e que depende fortemente da memória e da atenção para que a codificação e recuperação das informações sejam bem-sucedidas.
Paula et al. (2006 apud Giannesi; Moretti, 2015) observam que a neuropsicologia possibilita a compreensão das manifestações cognitivas relacionadas à aprendizagem, memória, percepção e resolução de problemas, apontando que esses elementos promovem o crescimento individual e social. Já Lima et al. (2006 apud Giannesi; Moretti, 2015) afirmam que aprender envolve mudanças comportamentais decorrentes da aquisição de novos conhecimentos, os quais são influenciados por fatores internos e externos ao indivíduo.
Para Germano e Capellini (2008 apud Giannesi; Moretti, 2015), entender a maturação do sistema nervoso central infantil é crucial para compreender o processo de aprendizagem, o qual é impactado por fatores biológicos, emocionais, familiares, educacionais e sociais. Zorzi e Ciasca (2009) acrescentam que alterações no desenvolvimento cerebral podem prejudicar diretamente habilidades linguísticas e de aprendizagem, sendo que a atenção e a concentração estão associadas às áreas primárias do cérebro, enquanto dificuldades em leitura, escrita e cálculo envolvem regiões secundárias e terciárias.
Rodrigues e Ciasca (2010) reforçam que a neuropsicologia busca entender como as diferentes áreas cerebrais se articulam para gerar comportamentos complexos, como o aprendizado. Esse processo depende não apenas do amadurecimento neurológico, mas também da presença de três condições básicas: (1) funções psicodinâmicas, que permitem a interiorização e organização das experiências; (2) o funcionamento do sistema nervoso periférico, encarregado da captação dos estímulos sensoriais; e (3) a atuação do sistema nervoso central, que armazena e processa as informações recebidas (Silva; Capellini, 2010).
A percepção desempenha um papel essencial ao permitir que o indivíduo interprete o mundo a partir dos sentidos e da memória. Segundo Carvalho (2011), a memória é responsável tanto por arquivar quanto por recuperar informações, sendo indispensável para a construção e aplicação de novos conhecimentos. Izquierdo (2002 apud Giannesi; Moretti, 2015) complementa ao afirmar que só é possível recordar aquilo que foi aprendido, evidenciando a forte relação entre memória e aprendizagem.
Lima (2005 apud Giannesi; Moretti, 2015) destaca que atenção e memória são elementos centrais para o desenvolvimento de habilidades. A atenção seletiva e sustentada possibilita o foco nos estímulos mais relevantes, enquanto a memória operacional promove a ligação entre informações novas e conhecimentos anteriormente adquiridos, contribuindo para uma aprendizagem mais profunda.
O cérebro opera como um sistema ativo e dinâmico, capaz de reorganizar-se por meio de retroalimentações e interações constantes com o meio externo (Carvalho, 2011). O processo de aprendizagem tem início com estímulos ambientais que, ao serem captados pelos órgãos sensoriais, são transformados em impulsos nervosos e processados pelo cérebro em diferentes níveis de complexidade (Germano; Capellini, 2008 apud Giannesi; Moretti, 2015).
A cognição, enquanto conjunto de habilidades mentais interconectadas, tem como principal função lidar com os desafios impostos pelo ambiente. Dentro dela, as funções executivas são fundamentais para planejar, controlar e avaliar o comportamento e o pensamento. Essas capacidades são altamente moldáveis, desenvolvendo-se por meio de experiências e mediações adequadas (Fonseca, 2008).
Durante a infância, o processo de aprendizagem possui características próprias, ligadas à plasticidade neural e à maturação do cérebro. A estrutura cerebral infantil apresenta elevada capacidade de adaptação, desenvolvendo de forma progressiva habilidades perceptivas e motoras mais complexas (Rotta; Ohlweiler; Riesgo, 2006).
A aprendizagem depende da maturação e da integração funcional de diversas áreas cerebrais (Rebollo; Rodríguez; Montiel, 2007). A neuropsicologia da aprendizagem evidencia que, mesmo na ausência de lesões estruturais, podem ocorrer dificuldades de aprendizagem, manifestadas por déficits de atenção, memória, linguagem, motivação e comportamento.
CONCEITUAÇÕES SOBRE DIFICULDADES, DISTÚRBIOS E TRANSTORNOS DE APRENDIZAGEM
O aumento no número de crianças em idade escolar que apresentam dificuldades no processo de aprendizagem tem chamado a atenção de profissionais de diversas áreas, como psicólogos, educadores, psicopedagogos e médicos, além de despertar o interesse das famílias. Essa preocupação é justificada pelo fato de que o desempenho escolar está diretamente ligado às perspectivas futuras, tanto no âmbito profissional quanto social. Nas redes de ensino público e privado, é comum encontrar estudantes que enfrentam obstáculos para acompanhar o ritmo escolar. Diante disso, muitos familiares buscam auxílio em serviços especializados, incluindo clínicas psicopedagógicas, neurológicas, fonoaudiológicas e centros universitários de psicologia aplicada (Moretti, 2013).
A aprendizagem é um processo interno e individual, pois ninguém pode aprender por outra pessoa. Contudo, ela se dá por meio das interações sociais, que possibilitam o acesso aos conhecimentos culturais presentes no currículo escolar (Moretti, 2013).
É no ambiente da sala de aula que as dificuldades de aprendizagem se tornam mais evidentes, tornando-se esse espaço fundamental para o diagnóstico e a implementação de intervenções. A observação inicial do professor desempenha papel crucial na identificação precoce de possíveis barreiras no aprendizado. Sob a ótica da neuropsicologia, as dificuldades de aprendizagem são compreendidas como desordens que interferem parcial ou globalmente no processo educativo, causadas por disfunções em áreas cerebrais que regulam os aspectos cognitivos envolvidos na aprendizagem (Salles; Parente; Machado, 2004).
Surge, então, o questionamento: estamos diante de um baixo rendimento escolar ou de uma verdadeira dificuldade ou transtorno de aprendizagem? O desempenho escolar abaixo do esperado pode estar relacionado a fatores diversos, incluindo questões emocionais como baixa autoestima e falta de motivação, bem como conflitos familiares, afetando não só o indivíduo, mas também seu convívio social e escolar (Siqueira; Giannetti, 2011).
Segundo o CID-10 (1999) e o DSM-IV (2002), os transtornos de aprendizagem, também chamados de transtornos das habilidades acadêmicas, classificam-se em três categorias principais: dificuldades específicas em leitura, escrita e cálculo, conhecidas popularmente como dislexia, disgrafia e discalculia (Giannesi; Moretti, 2015).
O DSM-IV (2002) enquadra esses transtornos como perturbações do desenvolvimento que englobam, além das habilidades acadêmicas, a linguagem, fala e motricidade. Os fatores de risco mais relevantes para o surgimento desses distúrbios incluem predisposição genética, lesões no sistema nervoso central, prematuridade, desnutrição, alterações sensoriais e motoras, doenças crônicas, uso de medicamentos, bem como ambientes familiares e escolares desfavoráveis (Lima et al. 2006 apud Giannesi; Moretti, 2015).
Ciasca (2004) propõe uma distinção entre distúrbios e dificuldades de aprendizagem. Os distúrbios seriam decorrentes de alterações neurológicas que comprometem a recepção e o processamento da informação, enquanto as dificuldades escolares estariam relacionadas a aspectos pedagógicos, emocionais ou culturais.
Muitas vezes, os sinais de comprometimento neurológico são discretos e só se manifestam plenamente por meio do rendimento escolar. Dessa forma, os distúrbios de aprendizagem indicam disfunções funcionais cerebrais.
Campos-Castelló (2000 apud Giannesi; Moretti, 2015) observa que os termos “transtornos”, “dificuldades”, “distúrbios” e “problemas” de aprendizagem designam diferentes níveis e tipos de comprometimento no desenvolvimento de habilidades cognitivas, motoras, afetivas e psicomotoras (Paula et al., 2006 apud Giannesi; Moretti, 2015).
Conforme destaca Ciasca (2004), as dificuldades de aprendizagem manifestam-se principalmente por um desempenho insatisfatório em leitura, escrita e raciocínio lógico-matemático, mesmo em crianças com inteligência média e acesso a ambientes sociais e educacionais adequados. Entre as causas também figuram falhas nos métodos de ensino, na formação dos professores e fatores socioeconômicos e estruturais.
Para Ciasca (2004), enquanto as dificuldades escolares relacionam-se a fatores pedagógicos e contextuais, os distúrbios de aprendizagem possuem origem orgânica, interferindo diretamente no processo de aquisição do conhecimento. Tais condições podem coexistir e interagir.
Ciasca (2006) apresentam uma análise dual sobre as dificuldades de aprendizagem: as dificuldades escolares, originadas na pedagogia, e os distúrbios de aprendizagem, ligados a alterações do sistema nervoso central. Um diagnóstico acurado exige a exclusão de causas sensoriais, motoras, cognitivas, culturais ou outras.
Além disso, crianças com Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) frequentemente enfrentam dificuldades na aprendizagem, principalmente devido à dificuldade em manter a concentração e a presença de comportamentos que interferem no processo educativo.
A distinção entre dificuldade escolar e transtorno de aprendizagem também reside na sua origem: a dificuldade escolar é associada a fatores externos ao indivíduo, como falhas pedagógicas e condições socioeconômicas adversas; o transtorno de aprendizagem está vinculado a disfunções cerebrais que prejudicam a capacidade de aprender (Siqueira & Giannetti, 2011).
Ciasca (2007) ressalta que o próprio sistema educacional pode ser um fator gerador de dificuldades de aprendizagem, seja por inadequações estruturais, seja por influências ambientais que prejudicam o comportamento e o rendimento dos estudantes.
Carvalho, Crenitte e Ciasca (2007) definem os distúrbios de aprendizagem como alterações nos processos de aquisição, assimilação e transformação da informação, que podem ter origem interna ou externa ao indivíduo. Tais distúrbios configuram disfunções funcionais do sistema nervoso central, que comprometem o processamento da informação, não pela ausência de habilidade, mas por perturbações em seu desenvolvimento e uso.
Fletcher (2009) destaca que, para diagnosticar um transtorno de aprendizagem, a criança deve apresentar inteligência dentro da média, ausência de déficits sensoriais, equilíbrio emocional e ter acesso a um ensino apropriado. Somente nessas condições o diagnóstico pode ser considerado confiável.
Esses transtornos incluem dificuldades específicas na aquisição de habilidades como leitura, escrita, cálculo e, em alguns casos, nas interações sociais. Geralmente, resultam de alterações na organização cerebral, muitas vezes de origem genética, como observado na dislexia, discalculia e no TDAH.
Siqueira e Giannetti (2011) definem transtornos de aprendizagem como distúrbios cognitivos internos que levam a um rendimento escolar inferior ao esperado, considerando a capacidade intelectual e o contexto educacional do aluno.
Por fim, reconhece-se que os aspectos biológicos e psicológicos estão estreitamente interligados. O conhecimento das contribuições da neuropsicologia possibilita aos educadores identificar precocemente as dificuldades e elaborar intervenções mais eficazes, especialmente para estudantes que apresentam distúrbios neurológicos e comportamentais (Metring, 2011).
AVALIAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA
A avaliação neuropsicológica é um recurso fundamental para identificar déficits nas funções cognitivas, avaliar sua gravidade e extensão, e entender como esses déficits impactam o funcionamento geral do indivíduo, relacionando-os a possíveis causas neuropatológicas específicas. Por meio desse exame, é possível detectar e quantificar alterações cognitivas decorrentes de lesões ou disfunções cerebrais, realizando análises quantitativas e qualitativas do desempenho cerebral. Esse processo permite comparações com indivíduos que apresentam características semelhantes, como idade, sexo e escolaridade.
Conforme Costa, Azambuja, Portuguez e Costa (2004), essa avaliação é especialmente indicada quando existem dúvidas sobre dificuldades cognitivas ou comportamentais de origem neurológica, sendo útil para o diagnóstico e tratamento de uma variedade de condições, incluindo doenças neurológicas, transtornos psiquiátricos, alterações comportamentais e dificuldades no desenvolvimento infantil. Os instrumentos aplicados oferecem ao profissional uma visão abrangente das capacidades da criança, bem como das dificuldades enfrentadas no seu dia a dia, visando prevenir prejuízos ao seu desenvolvimento saudável (p. 112).
De acordo com Fuentes, Malloy-Diniz, Camargo, Cosenza e colaboradores (2008), a avaliação neuropsicológica possui ampla aplicabilidade em diversas áreas, sendo uma ferramenta essencial para profissionais que atuam em variados contextos. Entre seus principais usos está o esclarecimento da origem, natureza e dinâmica da condição avaliada, sendo realizada em clínicas, consultórios ou hospitais. É especialmente importante para distinguir, por exemplo, transtornos de aprendizagem de deficiências intelectuais leves, levando em conta fatores como idade, ambiente, escolaridade e funcionamento prévio para avaliar o grau de comprometimento (p. 107).
Para um diagnóstico preciso, o profissional deve estar familiarizado com o desenvolvimento típico em diferentes faixas etárias, os efeitos das patologias sobre os aspectos cognitivos e comportamentais e os testes mais adequados para cada situação. A avaliação também tem caráter prognóstico, possibilitando prever o desenvolvimento futuro e os impactos a médio e longo prazo, considerando os recursos emocionais e cognitivos que o indivíduo possui ou mantém.
Além disso, essa avaliação contribui para a definição de estratégias terapêuticas ao identificar as áreas comprometidas e sua dinâmica. Por exemplo, quando uma criança apresenta dificuldades na leitura, a avaliação pode ajudar a diferenciar se as causas são pedagógicas ou emocionais, orientando intervenções mais específicas, inclusive psicoterapêuticas. Outro papel importante é auxiliar nos processos de reabilitação, identificando funções cognitivas preservadas e aquelas que necessitam de reforço ou substituição por outras habilidades.
A avaliação neuropsicológica também é utilizada para selecionar pacientes para procedimentos específicos ou fins periciais, sendo fundamental para orientar casos com riscos cognitivos, como pacientes com epilepsia submetidos a cirurgias. No âmbito jurídico, serve de suporte para decisões legais (p. 109).
Além de seu uso clínico, o exame neuropsicológico é aplicado em pesquisas que investigam processos cognitivos e afetivos em diferentes contextos. Conforme Oliveira, Rodrigues e Fonseca (2009), essa avaliação integra conhecimentos neurológicos, cognitivos, educacionais e socioemocionais no enfrentamento das dificuldades de aprendizagem (p. 67).
No contexto da aprendizagem escolar, a atuação de uma equipe multidisciplinar é imprescindível, envolvendo profissionais como psicólogos, psicopedagogos, fonoaudiólogos, neuropsicólogos e neurologistas. O diagnóstico deve incluir informações não apenas dos pais, mas também de professores e outros cuidadores, e os instrumentos aplicados devem avaliar tanto habilidades cognitivas específicas, como velocidade de processamento, organização da informação e atenção, quanto aspectos linguísticos relacionados ao processamento da linguagem (Oliveira; Rodrigues; Fonseca, 2009).
O objetivo principal da avaliação neuropsicológica é identificar o funcionamento das funções mentais do indivíduo, abrangendo linguagem, memória, atenção, inteligência, funções executivas, habilidades motoras e sociais, praxias, visuoconstrução, raciocínio lógico e matemático, leitura, escrita, reconhecimento emocional e cognição social (Carvalho; Guerra, 2010).
Segundo Miotto (2012 apud Giannesi; Moretti, 2015), na prática clínica, a avaliação neuropsicológica busca colaborar no diagnóstico de transtornos psiquiátricos; identificar a natureza e a intensidade das alterações cognitivas e comportamentais; monitorar a evolução de condições neurológicas ou psiquiátricas; avaliar os efeitos de tratamentos clínicos, medicamentosos ou cirúrgicos; e planejar programas de reabilitação que atendam às necessidades cognitivas, comportamentais e funcionais dos pacientes.
Dessa forma, a avaliação neuropsicológica configura-se como um processo diagnóstico focado nas manifestações cognitivas e comportamentais associadas a quadros neurológicos e neuropsiquiátricos, mostrando-se também valiosa para a compreensão e intervenção em dificuldades escolares, auxiliando profissionais a promover um desenvolvimento da aprendizagem mais eficaz.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise da literatura científica evidencia que a neuropsicologia tem papel fundamental na compreensão e enfrentamento das dificuldades de aprendizagem escolar. Por meio da avaliação neuropsicológica, torna-se possível identificar com maior precisão as causas subjacentes às dificuldades apresentadas pelos estudantes, diferenciando fatores emocionais, pedagógicos e neurológicos. Essa diferenciação é essencial para que as intervenções sejam direcionadas de forma adequada, promovendo não apenas avanços no desempenho acadêmico, mas também no desenvolvimento emocional e social das crianças.
Além do diagnóstico, a neuropsicologia contribui significativamente para o planejamento de estratégias de reabilitação e acompanhamento, com vistas à superação ou compensação das limitações cognitivas. A atuação interdisciplinar e o envolvimento de profissionais da psicologia, psicopedagogia, fonoaudiologia e neurologia são elementos indispensáveis nesse processo, ampliando as possibilidades de sucesso das intervenções.
Conclui-se, portanto, que a neuropsicologia oferece subsídios teóricos e práticos valiosos para a educação inclusiva e para o atendimento individualizado de alunos com dificuldades de aprendizagem. Investimentos na formação de profissionais e no uso sistemático da avaliação neuropsicológica no contexto escolar são fundamentais para garantir respostas mais eficazes e humanizadas às demandas educacionais contemporâneas.
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