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Resumo
INTRODUÇÃO
As transformações sociais, culturais e tecnológicas das últimas décadas impactaram diretamente os sistemas educacionais em todo o mundo, especialmente no que se refere à reconfiguração do tempo, do espaço e das relações de aprendizagem. A escola, tradicionalmente centrada em práticas presenciais e transmissivas, passou a conviver com demandas por metodologias mais flexíveis, conectadas aos novos modos de acesso ao conhecimento e à cultura digital que permeiam a vida cotidiana dos estudantes. Nesse contexto, o ensino híbrido surge como alternativa pedagógica relevante, combinando momentos presenciais e atividades mediadas por tecnologias digitais, com o objetivo de ampliar os espaços educativos e diversificar os processos de ensino e aprendizagem (Müller; Canto-Dorow, 2023).
A pandemia de COVID-19 (2020–2022) acelerou a inserção do ensino remoto emergencial e, posteriormente, consolidou o debate em torno de modelos híbridos como estratégia viável para enfrentar os desafios impostos pela suspensão das atividades escolares presenciais. Esse cenário revelou não apenas as potencialidades das Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação (TDICs), mas também as desigualdades históricas no acesso a recursos, infraestrutura e formação docente (Azevedo et al., 2024). No Brasil, políticas públicas começaram a incorporar o ensino híbrido como proposta complementar e articulada à Base Nacional Comum Curricular (BNCC), orientando-se por parâmetros legais e pedagógicos cada vez mais estruturados.
O Ministério da Educação (MEC) e o Conselho Nacional de Educação (CNE) têm publicado pareceres e manuais que reconhecem o ensino híbrido como modalidade pedagógica legítima, passível de implementação desde a educação básica, especialmente nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio. De acordo com o Manual da Rede de Inovação em Educação Híbrida (MEC, 2025), essa abordagem busca “responder às necessidades formativas da contemporaneidade, promovendo aprendizagens mais significativas, contextualizadas e personalizadas” (Brasil, 2025, p. 13). Essa proposta rompe com a lógica da homogeneização e propõe percursos formativos mais flexíveis, considerando a diversidade dos sujeitos e dos contextos escolares.
No entanto, a consolidação do ensino híbrido como prática pedagógica regular exige uma reestruturação profunda das escolas, que vai além do uso de ferramentas tecnológicas. É necessário repensar a organização curricular, redefinir o papel do professor, investir em formação continuada e garantir condições materiais e pedagógicas que sustentem a integração efetiva entre o presencial e o digital (Sousa et al., 2025). Como destacam Camatta (2025) e colaboradores, não se trata apenas de substituir o quadro-negro por uma tela, mas de transformar a lógica pedagógica, reconhecendo o estudante como sujeito ativo do processo formativo, capaz de aprender em múltiplos tempos e espaços (Camatta, 2025).
Quando aliado a metodologias ativas, o ensino híbrido estimula o protagonismo discente, fortalece a interdisciplinaridade e potencializa a aprendizagem colaborativa (Müller; Canto-Dorow, 2023; Azevedo et al., 2024). O modelo híbrido possibilita o uso de ambientes virtuais, recursos gamificados, vídeos, podcasts e outras mídias educativas que diversificam o acesso ao conhecimento e ampliam o repertório pedagógico das escolas. Contudo, ainda há barreiras importantes, como a falta de equidade digital, o despreparo técnico-pedagógico de parte dos docentes, a resistência institucional e a ausência de políticas públicas integradas e permanentes (Sousa et al., 2025).
Diante desse panorama, observa-se a necessidade urgente de compreender o ensino híbrido não como uma medida emergencial, mas como uma possibilidade concreta de inovação pedagógica na educação básica. Sua institucionalização depende de uma visão sistêmica e participativa, que articule políticas públicas, gestão escolar, formação docente e participação da comunidade. Assim, este artigo tem como objetivo analisar o ensino híbrido na educação básica, com foco em seus fundamentos, desafios e perspectivas, considerando o contexto brasileiro pós-pandemia e os caminhos necessários para sua consolidação como modelo pedagógico transformador.
ENSINO HÍBRIDO: FUNDAMENTOS TEÓRICOS
O ensino híbrido, também denominado blended learning, é um modelo que integra práticas presenciais e atividades online, promovendo aprendizagens mais personalizadas e flexíveis. Segundo o Manual de Educação Híbrida do Ministério da Educação (2025), o ensino híbrido é caracterizado pela “combinação planejada de tempos, espaços, metodologias e recursos presenciais e digitais para potencializar a aprendizagem” (Brasil, 2025, p. 19).
Essa concepção rompe com a lógica tradicional de ensino e introduz novas formas de interação e construção do conhecimento. Como afirma Sousa et al. (2025), “o ensino híbrido, mais do que a junção de duas modalidades, exige uma mudança de paradigma pedagógico, centrando-se no estudante e promovendo sua autonomia no processo de aprendizagem” (Sousa et al., 2025, p. 7).
Diversos modelos de ensino híbrido têm sido aplicados na educação básica, cada um com particularidades. De acordo com Azevedo et al. (2024), “o modelo de rotação por estações e a sala de aula invertida destacam-se como os formatos mais utilizados no Brasil, devido à sua adaptabilidade e à facilidade de implementação” (Azevedo et al., 2024, p. 5). Em ambas as abordagens, o protagonismo estudantil é enfatizado, e a tecnologia digital assume papel de mediação pedagógica.
A fundamentação teórica do ensino híbrido encontra suporte em autores clássicos da educação. Para Vygotsky (1998), “o aprendizado desperta diversos processos internos de desenvolvimento que operam apenas quando a criança interage com pessoas em seu ambiente e com seus pares” (Vygotsky, 1998, p. 97). Essa perspectiva evidencia a importância de ambientes de aprendizagem colaborativos, presentes tanto em atividades presenciais quanto digitais.
Freire (1996) também contribuiu para essa discussão ao afirmar que “não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino” (Freire, 1996, p. 27), defendendo uma prática pedagógica investigativa e dialógica, compatível com as potencialidades do ensino híbrido. Assim, o uso de tecnologias precisa estar ancorado em metodologias que estimulem a criticidade, a autoria e o compromisso ético dos estudantes.
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) reconhece a relevância da cultura digital na formação dos estudantes e aponta que “é fundamental que todos os alunos desenvolvam competências relacionadas ao uso crítico, ético e criativo das tecnologias digitais” (Brasil, 2018, p. 67). Nesse sentido, o ensino híbrido aparece como uma possibilidade de concretizar as competências gerais previstas na BNCC, promovendo a interdisciplinaridade, o pensamento crítico e a autonomia discente.
Apesar de suas potencialidades, o ensino híbrido enfrenta entraves que precisam ser superados para sua efetivação. Como alertam Müller e Canto-Dorow (2023), “a implementação do ensino híbrido sem formação adequada dos docentes pode resultar em práticas tradicionais revestidas de aparência digital” (Müller; Canto-Dorow, 2023, p. 5). Isso reforça a necessidade de investir na formação crítica e contínua dos profissionais da educação, evitando a mera reprodução de conteúdos digitais.
Outro aspecto a considerar é a infraestrutura. Camatta (2025) enfatiza que “não basta fornecer equipamentos; é preciso garantir conectividade de qualidade, plataformas estáveis e suporte técnico permanente” (Camatta, 2025, p. 22). Sem essas condições, a promessa de inclusão digital e de inovação metodológica permanece distante da realidade da maioria das escolas públicas brasileiras.
O ensino híbrido representa uma estratégia poderosa para reconfigurar a prática pedagógica na educação básica, favorecendo a personalização, a flexibilização dos percursos formativos e a integração de múltiplos saberes. Contudo, sua consolidação depende da articulação entre infraestrutura adequada, formação docente crítica e gestão pedagógica comprometida com uma educação inovadora e inclusiva.
DESENVOLVIMENTO
A implementação do ensino híbrido nas escolas brasileiras, especialmente após a pandemia de COVID-19, tem se apresentado como uma estratégia de adaptação e inovação pedagógica, buscando aliar flexibilidade, personalização do ensino e integração das tecnologias digitais ao cotidiano escolar. No entanto, como destaca Camatta (2025), “a transição para o modelo híbrido exige mais do que conectividade: demanda um redesenho estrutural dos processos pedagógicos, curriculares e de gestão”.
Diversas experiências relatadas em escolas públicas demonstram que, quando bem orientado, o uso de plataformas digitais favorece não apenas a organização do ensino, mas também a autonomia dos estudantes e a diversificação das estratégias didáticas. Segundo Bacich, Tanzi Neto e Trevisani (2015), “o ensino híbrido permite que os alunos desempenhem um papel ativo em seu aprendizado, ao mesmo tempo em que os professores podem utilizar as plataformas digitais para diversificar suas abordagens pedagógicas” (p. 34). Essa centralidade no aluno ressignifica o papel do professor, que passa de transmissor de conteúdo para mediador e orientador da aprendizagem.
Em um mapeamento sistemático realizado por Müller e Canto-Dorow (2023), verificou-se que o ensino híbrido, quando articulado a metodologias ativas, contribui para o engajamento dos estudantes, amplia as possibilidades de participação nas atividades escolares e favorece a construção de saberes de forma mais autônoma e contextualizada” (Müller; Canto-Dorow, 2023, p. 4). As autoras apontam que “a inter-relação entre o ensino híbrido e as metodologias ativas tem o potencial de promover um ensino personalizado, combinando diferentes ambientes e possibilidades de troca e colaboração” (Müller; Canto-Dorow, 2023, p. 4).
O modelo de sala de aula invertida, por exemplo, tem sido utilizado com êxito na educação básica. De acordo com Araújo e Freitas (2020), “a sala de aula invertida promove uma maior interação entre alunos e professores, além de incentivar a participação ativa dos estudantes no processo de aprendizagem” (p. 225). Esse formato permite que o tempo presencial seja destinado a atividades práticas, debates e resoluções de problemas, enquanto os conteúdos teóricos são explorados previamente em plataformas digitais.
Outro modelo citado por Lemes (2024) é o da rotação por estações, no qual os alunos alternam entre atividades presenciais e digitais. Segundo o autor, “os modelos de ensino híbrido podem ser classificados em diferentes categorias, incluindo o modelo de rotação, o modelo flexível e o modelo de sala de aula invertida, cada um com características específicas e objetivos pedagógicos distintos” (p. 135). Essa variedade de formatos permite uma adaptação do ensino às realidades locais e às necessidades específicas de cada turma.
Entretanto, a eficácia desses modelos está diretamente condicionada à formação dos profissionais da educação. Como afirma o Manual de Educação Híbrida (MEC, 2025), “a qualificação dos professores é um dos pilares para a efetiva implementação da educação híbrida, sendo necessário investir em formação continuada com foco na cultura digital e no uso pedagógico das tecnologias” (Brasil, 2025, p. 29).
A política pública precisa assumir papel ativo no suporte às escolas, como defendem Souza et al. (2025): “sem infraestrutura adequada e apoio governamental contínuo, as experiências híbridas tendem a se limitar a projetos pontuais e pouco sustentáveis” (p. 5). A desigualdade no acesso à tecnologia continua sendo uma barreira importante, que afeta diretamente a equidade educacional e o desempenho dos estudantes em situação de vulnerabilidade.
A experiência do Pacto Nacional pela Recomposição das Aprendizagens (Decreto nº 12.391/2025) e a criação da Rede de Inovação para Educação Híbrida (RIEH) mostram-se como esforços institucionais relevantes para garantir a expansão do ensino híbrido nas redes públicas. A proposta, segundo o Ministério da Educação, visa “à ampliação de tempos e espaços no processo educativo, com organização curricular compatível e suporte nas tecnologias digitais” (Brasil, 2025, p. 22).
As aplicações do ensino híbrido na educação básica apontam para uma transformação estrutural da escola contemporânea, desde que apoiadas por políticas públicas consistentes, formação docente continuada, investimentos em infraestrutura e práticas pedagógicas comprometidas com a inclusão, a equidade e a inovação.
A adoção do ensino híbrido nas escolas públicas brasileiras evidencia um paradoxo central: ao mesmo tempo que oferece possibilidades de inovação pedagógica e reconfiguração dos espaços de aprendizagem, também revela e aprofunda desigualdades históricas em termos de infraestrutura, acesso e formação profissional. Como afirma Souza et al. (2025), “o ensino híbrido nas redes públicas ainda enfrenta entraves estruturais consideráveis, como a conectividade precária, a carência de equipamentos e a falta de políticas de formação continuada” (Souza et al., 2025, p. 6).
A heterogeneidade das condições de acesso à internet e aos dispositivos digitais constitui um dos principais obstáculos à efetividade do modelo. De acordo com o Manual de Educação Híbrida, elaborado pelo Ministério da Educação (2025), “a desigualdade digital compromete a equidade do processo de ensino-aprendizagem e impõe limites à universalização do modelo híbrido no Brasil” (Brasil, 2025, p. 26). Em muitas comunidades escolares, sobretudo nas regiões Norte e Nordeste, a realidade ainda é de ausência total de rede wi-fi, equipamentos obsoletos e ausência de suporte técnico.
Além das barreiras tecnológicas, há a necessidade de revisar concepções pedagógicas e reorganizar o trabalho docente. Como enfatiza Camatta (2025), “não basta replicar as aulas tradicionais em ambientes virtuais: é necessário repensar a lógica do planejamento, das interações e da avaliação” (Camatta, 2025, p. 24). Muitos professores relatam dificuldades em integrar o uso de tecnologias aos objetivos pedagógicos, devido à ausência de formação específica para lidar com plataformas, metodologias ativas e mediação digital.
O esgotamento profissional também figura entre os desafios emergentes. O acúmulo de tarefas, a sobrecarga na adaptação de aulas para o ambiente online e a insegurança técnica geram desgaste emocional nos educadores. Como apontam Müller e Canto-Dorow (2023), “a adesão ao ensino híbrido sem suporte institucional pode intensificar sentimento de frustração e abandono por parte dos docentes” (Müller; Canto-Dorow, 2023, p. 7). A ausência de uma política de valorização docente alinhada à digitalização da educação compromete a sustentabilidade das práticas híbridas nas redes públicas.
Apesar das dificuldades, experiências em diferentes estados e municípios demonstram que o ensino híbrido pode ser uma ferramenta poderosa para enriquecer o currículo, diversificar linguagens e valorizar a cultura digital dos estudantes. Azevedo et al. (2024) apontam que “quando o modelo híbrido é implementado com intencionalidade pedagógica, ele pode fomentar a participação ativa dos estudantes, promover o letramento digital e favorecer a aprendizagem colaborativa” (Azevedo et al., 2024, p. 10).
A flexibilidade do modelo permite adaptar o ensino às necessidades locais, criar percursos formativos diferenciados e valorizar a autonomia discente. Como afirmam os autores do Manual da RIEH (2025), “a possibilidade de ampliar tempos e espaços de aprendizagem representa um passo decisivo para a inovação educacional no Brasil, desde que acompanhada por gestão comprometida, recursos adequados e intencionalidade pedagógica” (Brasil, 2025, p. 32).
Portanto, os desafios enfrentados pelas escolas públicas na implementação do ensino híbrido não invalidam suas potencialidades. Pelo contrário, evidenciam a urgência de políticas educacionais mais justas, estruturantes e orientadas à inclusão digital como direito. O modelo híbrido, longe de ser uma solução pronta, deve ser compreendido como processo em construção, cujo êxito depende da escuta das comunidades escolares, da formação reflexiva de seus agentes e da criação de condições reais para sua viabilidade.
A consolidação do ensino híbrido no Brasil, especialmente nas redes públicas de educação básica, exige mais do que a manutenção de práticas adotadas durante a pandemia: demanda uma reformulação estrutural das políticas educacionais, das propostas curriculares e dos processos de formação docente. A sustentabilidade dessa modalidade no contexto pós-pandemia está diretamente vinculada à capacidade das instituições de ensino de garantir acesso equitativo às tecnologias, à infraestrutura adequada e a práticas pedagógicas coerentes com os desafios do século XXI.
De acordo com Santos e Bonichini (2024), “a transformação do currículo educacional é um dos maiores desafios para garantir que o ensino híbrido se encaixe nas práticas pedagógicas, pois exige uma revisão das metodologias de ensino e da avaliação”. Isso implica abandonar a visão fragmentada dos saberes e adotar uma lógica curricular mais flexível, que valorize a interdisciplinaridade, o trabalho por projetos e a contextualização dos conteúdos em múltiplas linguagens e suportes.
Para Freitas e Spiegel (2021), “a integração do ensino híbrido requer uma revisão dos currículos, de modo que as atividades online complementem e potencializem as experiências presenciais”. A coexistência entre os dois ambientes de aprendizagem – físico e digital – precisa ser orientada por uma pedagogia intencional e dialógica, que articule teoria e prática, autonomia e acompanhamento, personalização e equidade.
A formação docente constitui outro pilar essencial. Segundo Brito (2020), “é necessário que as instituições de ensino ofereçam formação continuada para os educadores, capacitando-os para utilizar as tecnologias e metodologias do ensino híbrido de maneira eficiente”. Sem esse preparo, o ensino híbrido corre o risco de reproduzir os limites das aulas expositivas tradicionais, agora mediadas por plataformas digitais.
Essa formação, conforme propõem Sá Filho et al. (2024), deve estar orientada ao desenvolvimento de competências digitais e ao domínio de metodologias ativas: “a resistência à mudança por parte dos educadores pode ser superada por meio de um processo de formação que enfatize a importância das novas metodologias”. Ainda, o apoio técnico-pedagógico contínuo é indispensável para garantir a confiança e a autonomia dos docentes em suas práticas cotidianas.
Nesse sentido, Dantas et al. (2021) observam que “o suporte técnico e pedagógico oferecido pelas secretarias de educação e pelas instituições de ensino superior foi fundamental para a adaptação dos educadores ao novo formato de ensino”. Esse apoio deve ser institucionalizado e permanente, e não apenas emergencial ou circunstancial.
Outro aspecto decisivo é a equidade no acesso aos meios digitais. Gabriel e Souza (2023) alertam que “a implementação do ensino híbrido, se não sustentada por políticas públicas adequadas, corre o risco de ser apenas uma solução pontual e temporária”. Portanto, para que o ensino híbrido seja realmente consolidado, é necessário que as políticas educacionais sejam estruturantes e de longo prazo, com garantias legais, financiamento adequado e mecanismos de monitoramento.
Santos e Bonichini (2024) acrescentam que “a formação docente não deve se limitar apenas ao uso das ferramentas, mas também ao desenvolvimento de práticas pedagógicas inovadoras”. Essa observação reforça a ideia de que o ensino híbrido só se efetiva como inovação quando está atrelado à transformação das práticas educativas e à criação de ambientes de aprendizagem mais democráticos e colaborativos.
Por fim, como afirmam Parreira, Lehmann e Oliveira (2021), “a formação contínua de professores requer não apenas acesso a essas ferramentas, mas também capacitação adequada para que possam utilizá-las de forma eficiente em suas práticas pedagógicas”. A consolidação do ensino híbrido no pós-pandemia, portanto, exige planejamento estratégico, visão sistêmica e o engajamento articulado de professores, gestores, formuladores de políticas e comunidades escolares.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A consolidação do ensino híbrido na educação básica brasileira não pode ser compreendida apenas como uma resposta emergencial às contingências provocadas pela pandemia de COVID-19, mas como uma reconfiguração estrutural e permanente dos processos educativos. Ao longo deste artigo, foi possível demonstrar que o ensino híbrido representa mais do que uma modalidade alternada de aulas presenciais e virtuais: trata-se de um modelo pedagógico em construção, que busca integrar intencionalmente os tempos, espaços, linguagens e metodologias da contemporaneidade educacional.
O ensino híbrido apresenta potencial para ampliar a personalização da aprendizagem, favorecer o protagonismo discente e diversificar os instrumentos didáticos disponíveis. As práticas híbridas também dialogam diretamente com as competências da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), especialmente aquelas voltadas à cultura digital, à resolução de problemas, ao pensamento crítico e à autonomia intelectual. No entanto, esses benefícios não se efetivam de forma automática: eles dependem de mediações pedagógicas qualificadas, de condições materiais adequadas e, sobretudo, de políticas públicas estruturantes.
Durante a análise, foram evidenciados desafios que ainda limitam a consolidação do modelo híbrido, sobretudo no âmbito das escolas públicas. A precariedade da infraestrutura tecnológica, as desigualdades de acesso à internet, a formação insuficiente dos professores e a falta de diretrizes curriculares claras para o uso pedagógico das tecnologias são entraves que precisam ser enfrentados de maneira articulada. A adoção do ensino híbrido sem investimento em formação docente, planejamento curricular e apoio técnico pode resultar na mera digitalização de práticas tradicionais, sem inovação real.
Por outro lado, as experiências relatadas na literatura e nos documentos institucionais mostram que é possível consolidar um ensino híbrido de qualidade quando há intencionalidade pedagógica, planejamento institucional e compromisso coletivo com a transformação da prática. Os modelos de sala de aula invertida, rotação por estações e flexibilidade curricular demonstraram-se aplicáveis e eficazes, desde que adaptados ao contexto local e acompanhados de formação continuada.
A consolidação do ensino híbrido, portanto, requer uma abordagem sistêmica. É preciso articular formação docente crítica, investimentos em conectividade e equipamentos, desenvolvimento de conteúdos digitais inclusivos, revisão curricular e fortalecimento da gestão escolar. Além disso, é necessário garantir que os estudantes não apenas tenham acesso às tecnologias, mas também adquiram letramento digital e autonomia para navegar, produzir e refletir criticamente sobre os conteúdos e ambientes com os quais interagem.
O ensino híbrido, quando compreendido como um processo pedagógico intencional, pode contribuir significativamente para uma educação pública mais equitativa, contemporânea e democrática. Para isso, é imprescindível que os sistemas educacionais assumam o compromisso com a formação de professores, com o enfrentamento das desigualdades digitais e com a construção de políticas educacionais de longo prazo que não tratam a tecnologia como um fim em si mesma, mas como meio de mediação, emancipação e aprendizagem.
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