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Resumo
INTRODUÇÃO
O desenvolvimento da tecnologia da informação e da comunicação vem transformando profundamente a forma como os serviços de saúde são ofertados, especialmente em contextos onde o acesso é limitado por barreiras geográficas, sociais ou econômicas. Nesse cenário, a telemedicina se apresenta como uma importante estratégia para democratizar o atendimento médico e reduzir desigualdades históricas, aproximando o cuidado de quem mais precisa (Moraes et al., 2020).
Embora o conceito de telemedicina já fosse debatido há décadas, sua aplicação prática ganhou maior visibilidade e impulso a partir da pandemia de COVID-19, quando o distanciamento social exigiu alternativas seguras para manter a continuidade da assistência médica. A regulamentação emergencial por meio de leis e portarias federais viabilizou legalmente sua adoção em larga escala, abrindo caminho para reflexões mais profundas sobre os limites éticos, jurídicos e operacionais da prática médica remota (Silva; Barbosa; Oliveira, 2021).
Ao viabilizar a prática da medicina a distância, a telemedicina oferece uma alternativa segura e eficiente para diversas modalidades de atendimento, como consultas, diagnósticos, monitoramentos e orientações clínicas. Comprovadamente útil durante a pandemia da COVID-19, essa tecnologia evidenciou sua relevância ao permitir a continuidade da assistência médica em um momento de crise sanitária global (Mendes, 2021).
A regulamentação da telemedicina no Brasil acompanhou, ainda que de forma gradual, os avanços tecnológicos e as necessidades da sociedade. Inicialmente restrita à pesquisa e à educação, a prática foi sendo expandida até alcançar sua consolidação legal com a Resolução CFM nº 2.314/2022. No entanto, junto às oportunidades surgem importantes desafios éticos e legais, como a ausência do exame físico na primeira consulta, a necessidade de consentimento informado, a proteção dos dados pessoais e a garantia da equidade no acesso à saúde. Esses aspectos suscitam debates relevantes que envolvem a relação médico-paciente, a qualidade do atendimento, a responsabilidade profissional e os direitos fundamentais do cidadão (CFM, 2022; Brasil, 2020).
Além disso, o uso da telemedicina exige o comprometimento dos profissionais com princípios éticos inegociáveis, como o consentimento informado, a segurança das informações e o respeito à autonomia dos pacientes. Esses aspectos tornam-se ainda mais relevantes diante da crescente demanda por regulamentações definitivas e da necessidade de capacitação técnica para os profissionais da saúde. Diante desse cenário, torna-se essencial compreender os fundamentos que sustentam a telemedicina no Brasil, tanto sob a ótica legal quanto sob os preceitos éticos que orientam a prática responsável (Vasconcelos; Andrade, 2021).
Este estudo parte do reconhecimento de que a telemedicina não é apenas uma inovação tecnológica, mas uma ferramenta estratégica para promover uma saúde mais acessível, segura e humanizada. Sua adoção requer não apenas infraestrutura técnica, mas também diretrizes éticas claras, legislações atualizadas e uma profunda reflexão sobre os limites e possibilidades do cuidado à distância.
O presente trabalho tem como objetivo, analisar, por meio de revisão bibliográfica, os aspectos éticos e legais da prática da telemedicina no Brasil, com base nas diretrizes normativas vigentes e nas reflexões propostas pela literatura de estudos científicos publicados preferencialmente nos últimos 5 anos, considerando legislações vigentes com datas mais antigas, disponíveis em bases de dados como Google acadêmico, National Library of Medicine (PUBMED), Scientific Electronic Library Online (SciELO), destacando os impactos, desafios e implicações práticas da sua aplicação no contexto da saúde.
HISTÓRIA DA TELEMEDICINA NO BRASIL
A história da telemedicina remonta ao uso de tecnologias rudimentares com o objetivo de transmitir informações médicas a distância, especialmente em situações de crise sanitária. Durante a Idade Média, por exemplo, médicos orientavam cuidadores através dos rios para evitar contato direto com doentes. Já no contexto das guerras, o uso do telégrafo durante a Guerra Civil Americana foi fundamental para informar as equipes médicas sobre feridos em campo. A comunicação via rádio e, posteriormente, telefone e televisão, também consolidou práticas de assistência médica remota. A primeira transmissão médica por televisão, realizada em 1944 pelo hospital Johns Hopkins, representa um marco importante na consolidação da telemedicina como uma modalidade potencialmente estruturada e educativa (Carvalho et al., 2024).
No Brasil, experiências práticas começaram a ganhar força no final da década de 1980. Um exemplo emblemático foi o atendimento às vítimas do acidente com césio-137, em Goiânia, quando médicos de diferentes regiões compartilharam informações por e-mail (Mafra et al., 2022). Com o avanço da internet, o país passou a estruturar políticas de inclusão tecnológica na saúde. A criação da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP), em 1989, foi essencial para conectar instituições acadêmicas e promover projetos de telessaúde (Carvalho et al., 2024).
Em 2003, foi estabelecida a Política Nacional de Informação e Informática em Saúde (PNIIS), com o intuito de promover o uso criativo e eficiente da tecnologia nos serviços de saúde pública (Carvalho et al., 2024). A partir de 2010, o Ministério da Saúde passou a investir diretamente na informatização das Unidades Básicas de Saúde, promovendo conectividade entre os diversos pontos da Rede de Atenção à Saúde (Carvalho et al., 2024).
Segundo Sánchez et al. (2020), a prática da telemedicina no Brasil ganhou impulso especialmente durante a pandemia da COVID-19, como medida emergencial para garantir o atendimento à saúde diante do distanciamento social. A regulamentação emergencial foi feita por meio da Lei nº 13.989, de 15 de abril de 2020, que autorizou o uso da telemedicina durante a crise sanitária. Além disso, o Conselho Federal de Medicina (CFM) reconheceu sua eticidade por meio do Ofício CFM nº 1756/2020, e o Ministério da Saúde publicou a Portaria MS nº 467/2020, com diretrizes temporárias para a prática.
A história da telemedicina no Brasil, conforme Spinardi-Panes e Lopes-Herrera (2013), está inserida em um contexto mais amplo, o da telessaúde, que representa o uso das tecnologias de informação e comunicação para a prestação de serviços em saúde à distância. Embora o termo “telemedicina” tenha sido inicialmente mais utilizado, ele tornou-se limitado diante da abrangência das práticas mediadas por tecnologia, que envolvem não apenas assistência médica, mas também educação, gestão e pesquisa em saúde. O Brasil é citado como um dos países pioneiros nas iniciativas de telessaúde, ao lado de nações como Estados Unidos, Austrália e África do Sul. Essas práticas começaram a se consolidar com a evolução das tecnologias digitais e da internet, possibilitando a superação de barreiras geográficas e socioeconômicas.
Ainda em palavras, as autoras Spinardi-Panes e Lopes-Herrera (2013), conceituam que, a telessaúde se estabeleceu como uma estratégia para diminuir desigualdades no acesso aos serviços de saúde, oferecendo alternativas viáveis para regiões com pouca infraestrutura. A consolidação da prática no país envolveu também o engajamento de órgãos regulamentadores e da comunidade científica, que passaram a normatizar e discutir o uso ético e técnico dessas ferramentas na saúde pública e privada.
CONCEITO E FINALIDADE DA TELEMEDICINA
A telemedicina é definida como o exercício da medicina mediado por tecnologias da informação e comunicação, com o objetivo de permitir o cuidado à saúde mesmo quando o contato físico direto entre o profissional e o paciente não é possível. Essa prática busca expandir o acesso a serviços médicos por meio de recursos como videoconferências, telefonia, aplicativos e sistemas digitais que viabilizam o diagnóstico, o acompanhamento e até a prescrição de tratamentos. Seu papel não é substituir o atendimento presencial, mas sim complementá-lo, oferecendo alternativas viáveis em situações de distância, isolamento geográfico, mobilidade reduzida do paciente ou cenários emergenciais como pandemias (Mafra et al., 2022).
A finalidade principal da telemedicina é garantir que os cuidados em saúde ultrapassem as barreiras físicas, levando assistência qualificada a locais de difícil acesso e ampliando o alcance dos profissionais de saúde. Ela se apresenta como uma ferramenta poderosa no enfrentamento das desigualdades regionais e sociais, permitindo que populações historicamente marginalizadas possam acessar especialistas sem a necessidade de deslocamentos. Além disso, possibilita um acompanhamento contínuo de pacientes com doenças crônicas, reduz o tempo de espera para atendimentos e desafoga os serviços de emergência e unidades hospitalares (Carvalho et al., 2024).
A telemedicina também oferece maior comodidade e praticidade para os usuários do sistema de saúde. Ao eliminar a necessidade de deslocamento até centros médicos, os pacientes economizam tempo e recursos, o que é especialmente relevante para pessoas com dificuldades de mobilidade, idosos e moradores de regiões distantes (Carvalho et al., 2024).
Outra finalidade importante da telemedicina é promover a educação médica continuada, facilitando o acesso de profissionais da saúde a treinamentos, congressos e discussões de caso com especialistas, mesmo que estejam em regiões afastadas dos grandes centros urbanos. Isso contribui diretamente para a qualificação da assistência prestada. (Mafra et al., 2022).
Em situações de desastres naturais, pandemias ou outras emergências em saúde pública, a telemedicina surge como uma alternativa rápida e eficaz para garantir atendimento à população, sem expor pacientes e profissionais aos riscos do contato físico (Carvalho et al., 2024). Além de diagnósticos e consultas, a telemedicina pode incluir serviços como telediagnóstico, teletriagem, telemonitoramento e até telecirurgia, ampliando ainda mais as suas possibilidades dentro do sistema de saúde (Santos; Araújo, 2022).
Outro ponto positivo está na otimização do tempo dos profissionais de saúde. Médicos conseguem atender mais pacientes em menos tempo e organizar melhor suas agendas, o que contribui para a redução das filas de espera e da sobrecarga nas unidades de saúde (Carvalho et al., 2024).
O uso de prontuários eletrônicos integrados à telemedicina também favorece uma assistência mais eficiente, pois permite acesso imediato ao histórico do paciente, possibilitando decisões mais rápidas e fundamentadas (Mafra et al., 2022). Já no ambiente hospitalar, a telemedicina tem sido utilizada como estratégia para reduzir internações desnecessárias, proporcionando um acompanhamento remoto que evita agravamentos de quadros clínicos e reduz custos hospitalares (Carvalho et al., 2024).
A tecnologia utilizada na telemedicina permite a aplicação de algoritmos de inteligência artificial e machine learning, que podem auxiliar no rastreamento de doenças, triagem de pacientes e análise de exames, otimizando o tempo de resposta e aumentando a precisão diagnóstica (Santos; Araújo, 2022).
Com o avanço das tecnologias, surgem também soluções de telemedicina voltadas à saúde mental, como a telepsicologia, que tem se mostrado eficaz no atendimento de pacientes com transtornos como ansiedade e depressão (Mafra et al., 2022). Em comunidades indígenas e ribeirinhas, onde o acesso aos serviços presenciais é escasso, a telemedicina representa uma ponte entre saberes e práticas de saúde, respeitando a cultura local e levando assistência especializada com o apoio da tecnologia (Carvalho et al., 2024).
A telemedicina também colabora com a vigilância epidemiológica, permitindo o monitoramento de surtos e o rastreamento de doenças em tempo real, o que contribui para respostas mais ágeis por parte das autoridades sanitárias (Carvalho et al., 2024). No âmbito da saúde corporativa, empresas têm investido em serviços de telemedicina para promover o bem-estar dos colaboradores, reduzindo o absenteísmo e aumentando a produtividade com cuidados preventivos à distância (Santos; Araújo, 2022).
É importante destacar que o sucesso da telemedicina depende da integração de diferentes setores, como saúde, tecnologia e educação, exigindo uma atuação colaborativa entre profissionais, gestores, desenvolvedores e legisladores (Mafra et al., 2022). A acessibilidade também deve ser garantida, com soluções pensadas para pessoas com deficiência visual, auditiva ou cognitiva, permitindo que todos possam usufruir dos serviços oferecidos pela telemedicina (Carvalho et al., 2024).
A construção de políticas públicas sólidas é essencial para que a telemedicina seja implementada de forma segura, ética e equitativa, garantindo o respeito aos direitos dos pacientes e a valorização dos profissionais de saúde (Mafra et al., 2022). Assim, é fundamental entender a telemedicina como uma ferramenta complementar ao cuidado presencial, que deve ser utilizada de maneira criteriosa, respeitando as necessidades específicas de cada paciente e os limites éticos da prática médica (Carvalho et al., 2024).
Embora apresente inúmeros benefícios, a telemedicina não é isenta de desafios. É necessário garantir uma infraestrutura tecnológica adequada, capacitar os profissionais da saúde para o uso das ferramentas digitais e promover a inclusão digital da população. Dessa forma, a telemedicina se consolida como um instrumento valioso no processo de transformação da saúde, alinhando inovação, acessibilidade e eficiência na promoção do bem-estar da população (Santos; Araújo, 2022).
De acordo com Sánchez et al. (2020), a prática da telemedicina deve respeitar integralmente os preceitos do Código de Ética Médica, sendo exigido do profissional o mesmo compromisso ético presente nos atendimentos presenciais. O respeito à confidencialidade e ao sigilo das informações dos pacientes é uma exigência fundamental, devendo o médico escolher plataformas digitais que garantam segurança e integridade dos dados. O atendimento remoto só deve ser realizado quando for tecnicamente viável e em situações nas quais o contato presencial esteja impossibilitado ou implique riscos à saúde do paciente. O médico deve esclarecer, previamente, os limites e as possibilidades da telemedicina, informando ao paciente sobre a excepcionalidade dessa modalidade de atendimento.
É obrigatória a obtenção do consentimento livre e esclarecido do paciente, que pode ser formalizado por escrito ou mediante gravação da concordância. Além disso, todo atendimento deve ser devidamente registrado em prontuário médico, com data, hora, identificação do profissional e a tecnologia utilizada, assegurando rastreabilidade e transparência. A ética médica também exige que o médico atue com autonomia e responsabilidade, decidindo com base na melhor evidência disponível se o atendimento remoto é indicado, podendo, quando julgar necessário, recomendar o retorno ao atendimento presencial. O respeito à dignidade do ato médico, à autonomia profissional e à segurança do paciente são pilares essenciais da conduta ética na telemedicina (Sánchez et al., 2020).
ASPECTOS LEGAIS DA TELEMEDICINA
A regulamentação legal da telemedicina no Brasil foi impulsionada de maneira decisiva durante a pandemia da COVID-19, quando a necessidade de distanciamento social tornou os atendimentos presenciais muitas vezes inviáveis. A promulgação da Lei nº 13.989, de 15 de abril de 2020, autorizou a prática da telemedicina em caráter emergencial, conferindo respaldo jurídico à sua utilização enquanto perdurasse a crise sanitária. Essa lei foi complementada por dispositivos normativos, como a Portaria nº 467, de 20 de março de 2020, do Ministério da Saúde, que definiu diretrizes técnicas para a emissão de documentos médicos em meio eletrônico, como atestados, receitas e solicitações de exames, desde que assinados digitalmente por meio de certificação vinculada à ICP-Brasil (Sánchez et al., 2020).
A regulamentação formal da telemedicina teve início com a Resolução CFM nº 1.643, de 2002, que definiu a prática como um exercício médico mediado por tecnologias audiovisuais e de dados, com foco em assistência, educação e pesquisa (Mafra et al., 2022). Essa resolução impunha limites claros, especialmente no que diz respeito à consulta médica direta, restringindo a prática apenas a contextos educacionais ou a pacientes em regiões remotas (Santos; Araújo, 2022).
Em 2018, o CFM publicou a Resolução nº 2.227, que ampliava o escopo da prática médica remota, autorizando oficialmente a realização de teleconsultas, teletriagens e telediagnósticos (Santos; Araújo, 2022). A Resolução CFM nº 2.227, de 13 de dezembro de 2018, define e disciplina a prestação de serviços através da Telemedicina (Brasil, 2018). No entanto, a repercussão negativa dessa resolução, principalmente entre entidades médicas, levou à sua revogação em 2019, restabelecendo temporariamente a resolução anterior (Carvalho et al., 2024).
A pandemia da COVID-19, em 2020, provocou uma guinada na aceitação da telemedicina, levando à criação da Lei nº 13.989/2020, que autorizou a prática da telemedicina em caráter emergencial (Mafra et al., 2022). Essa lei permitiu não apenas consultas, mas também a emissão digital de receitas e atestados, mesmo sem exame físico presencial, desde que garantida a segurança e o consentimento do paciente (Santos; Araújo, 2022).
A Portaria nº 467/2020 do Ministério da Saúde regulamentou as modalidades de teleatendimento durante a pandemia, como telemonitoramento, teleinterconsulta e teleorientação (Carvalho et al., 2024). E em 2022, o CFM publicou a Resolução nº 2.314, estabelecendo diretrizes atualizadas e definitivas para a prática da telemedicina no Brasil, permitindo inclusive a primeira consulta remota (Santos; Araújo, 2022).
PRINCÍPIOS ÉTICOS ENVOLVIDOS
A ética médica na telemedicina é desafiada por mudanças na dinâmica da relação médico-paciente, principalmente pela ausência do exame físico, tradicionalmente visto como essencial para um diagnóstico preciso (Santos; Araújo, 2022). A Resolução CFM nº 2.314/2022 tentou resolver esse impasse ao permitir a consulta exclusivamente remota, desde que o médico julgue segura essa forma de atendimento (Mafra et al., 2022). Ainda assim, em casos como doenças com manifestações atípicas, o exame físico pode ser indispensável, exigindo que o profissional saiba avaliar os limites éticos dessa ausência (Santos; Araújo, 2022).
A consulta presencial continua sendo obrigatória em um intervalo de até 180 dias para pacientes em acompanhamento prolongado, segundo as diretrizes atuais (Carvalho et al., 2024). O respeito à autonomia do paciente é um dos pilares da prática médica e, na telemedicina, se manifesta no direito de escolher entre a modalidade presencial ou remota (Santos; Araújo, 2022).
O Código de Ética Médica também reforça que o consentimento informado é obrigatório, o que exige clareza quanto às limitações da teleconsulta (Santos; Araújo, 2022). Segundo Beauchamp e Childress (2002), é dever do médico assegurar que o paciente compreenda os riscos e benefícios do atendimento remoto antes de aceitá-lo.
PRIVACIDADE E SEGURANÇA DOS DADOS
Um dos maiores desafios éticos da telemedicina está relacionado à privacidade dos dados sensíveis dos pacientes, especialmente em ambientes digitais (Mafra et al., 2022). A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), em vigor desde 2020, estabeleceu diretrizes rigorosas para o armazenamento, uso e compartilhamento dessas informações (Santos; Araújo, 2022).
A Resolução CFM nº 2.314/2022 determina que os registros das teleconsultas sejam armazenados em plataformas seguras, com certificação digital conforme o padrão ICP-Brasil (Carvalho et al., 2024). O não cumprimento dessas normas pode gerar responsabilização civil e ética dos profissionais e das instituições envolvidas (Santos; Araújo, 2022).
Para além da infraestrutura digital, é essencial orientar o paciente sobre a escolha de um ambiente físico adequado para realizar a consulta, evitando a exposição não autorizada de informações (Santos; Araújo, 2022). A confidencialidade deve ser garantida desde o início do contato até o arquivamento dos dados, protegendo o paciente de acessos indevidos, fraudes ou vazamentos (Mafra et al., 2022).
IMPACTOS E DESAFIOS PRÁTICOS
A telemedicina contribui de forma significativa para o acesso à saúde em áreas remotas, especialmente em um país com desigualdades regionais tão acentuadas como o Brasil. Regiões como o Norte e Nordeste, que concentram menos médicos por habitante, podem se beneficiar da prática remota, que reduz deslocamentos e custos com infraestrutura (Carvalho et al., 2024).
Por outro lado, o analfabetismo digital e a ausência de internet de qualidade são barreiras concretas à implementação plena dessa tecnologia. Um exemplo é a população idosa, que muitas vezes excluída digitalmente, encontra maiores dificuldades em acessar as plataformas de atendimento remoto (Carvalho et al., 2024).
De acordo com Sánchez et al. (2020), a adoção da telemedicina trouxe impactos significativos para a prática médica no Brasil, sobretudo ao ampliar o acesso à saúde em regiões remotas e durante contextos de emergência sanitária, como a pandemia da COVID-19. A tecnologia se mostrou uma aliada importante na manutenção da assistência médica, contribuindo para reduzir o risco de contágio e aliviar a sobrecarga dos serviços de saúde. No entanto, a implementação prática da telemedicina ainda enfrenta desafios relevantes. A ausência de uma regulamentação permanente e abrangente limita a expansão segura e sustentável desse modelo de atendimento.
Outro obstáculo recorrente citado pelo autor, está na infraestrutura tecnológica desigual do país, especialmente nas regiões mais carentes, onde faltam acesso à internet de qualidade, dispositivos adequados e suporte técnico tanto para profissionais quanto para pacientes. Além disso, há a necessidade contínua de capacitação dos profissionais de saúde para o uso ético, técnico e legal das plataformas digitais, bem como o fortalecimento da segurança da informação para proteger os dados sensíveis dos pacientes. A definição clara de critérios clínicos para o uso da telemedicina, a padronização dos prontuários eletrônicos e a integração dos sistemas de saúde também são desafios que precisam ser enfrentados para garantir uma prática eficiente, segura e universalizada (Sanchéz et al. 2020).
Portanto, a formação e o treinamento de profissionais da saúde são necessários para garantir que os atendimentos sejam éticos, eficazes e seguros (Santos; Araújo, 2022). Outro ponto sensível é a remuneração do profissional de saúde que atua via telemedicina, tema ainda pouco definido em legislações específicas (Mafra et al., 2022).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A telemedicina representa um avanço inegável na democratização da saúde, mas exige acompanhamento regulatório contínuo e políticas públicas inclusivas. Mais do que um avanço tecnológico, ela representa uma nova forma de cuidar. Em um país onde muitos ainda enfrentam dificuldades para acessar um posto de saúde, falar com um médico por vídeo ou mensagem pode ser a diferença entre ser atendido ou não. Mas esse cuidado à distância precisa vir acompanhado de responsabilidade, escuta e compromisso com cada pessoa do outro lado da tela.
É verdade que o Brasil tem avançado na regulamentação e no reconhecimento do atendimento remoto como um direito. Mas para que ele funcione de verdade, de forma justa, é preciso mais: é preciso garantir que o uso da tecnologia seja ético, seguro e, acima de tudo, humano. Porque cuidar não é apenas prescrever, diagnosticar ou orientar — é acolher, respeitar e proteger.
Confiança não se constroi apenas com bons equipamentos ou plataformas modernas. Ela nasce no modo como o paciente é tratado em cada etapa: desde o momento em que marca a consulta, passando pelo atendimento, até depois que ela termina. Quando há respeito, clareza e segurança, o vínculo se fortalece — mesmo à distância.
A tecnologia deve ser ponte, nunca muro. Ela tem que aproximar, e não excluir. Por isso, investir em inclusão digital, em formação de profissionais e em garantir que todos possam acessar esses serviços é tão importante quanto desenvolver sistemas ou softwares. Ninguém pode ficar para trás.
O futuro da telemedicina no Brasil depende da nossa capacidade de unir o melhor da inovação com o melhor da nossa humanidade. De fazer da tela um canal de cuidado real, próximo e igualitário. Porque, no fim das contas, saúde é isso: é estar presente, mesmo quando se está longe. Diante disso, conclui-se que, a consolidação da telemedicina no Brasil depende de esforços contínuos para superar essas barreiras, garantindo um atendimento seguro, ético e acessível a toda a população.
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