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Resumo
INTRODUÇÃO
O estacionamento rotativo, comumente denominado “Zona Azul”, é um sistema implementado em diversas cidades brasileiras com o propósito de regular o uso do espaço público destinado ao estacionamento de veículos. A ideia central é promover a rotatividade das vagas, permitindo que um maior número de pessoas possa utilizá-las ao longo do dia, especialmente em áreas de grande circulação e comércio.
Contudo, a cobrança de uma taxa para utilização desse serviço tem sido objeto de questionamentos judiciais e debates doutrinários. O cerne da controvérsia reside na natureza jurídica dessa cobrança e sua compatibilidade com o ordenamento jurídico brasileiro, especialmente no que tange às normas constitucionais e tributárias.
Este artigo se propõe a analisar a legalidade da cobrança da taxa de estacionamento rotativo, examinando os fundamentos jurídicos que embasam as teses favoráveis e contrárias à sua instituição, bem como as decisões judiciais mais relevantes sobre o tema. Para tanto, serão abordados os seguintes aspectos:
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
NATUREZA JURÍDICA DO ESTACIONAMENTO ROTATIVO
O estacionamento rotativo é um instrumento de gestão do espaço público urbano, implementado com base no poder de polícia administrativa dos municípios. Sua finalidade precípua é ordenar o uso das vias públicas, promovendo a rotatividade de veículos estacionados e, consequentemente, democratizando o acesso às vagas disponíveis.
De acordo com José dos Santos Carvalho Filho (2021, p. 78):
“O estacionamento rotativo constitui uma forma de intervenção do Poder Público na propriedade privada, fundamentada no princípio da função social da propriedade e no poder de polícia administrativa. Sua instituição visa atender ao interesse público, garantindo o uso racional do espaço urbano.”
A implementação do sistema de estacionamento rotativo encontra respaldo no art. 24, X, do Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503/1997), que atribui aos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Municípios a competência para “implantar, manter e operar sistema de estacionamento rotativo pago nas vias”.
PODER DE POLÍCIA ADMINISTRATIVA E REGULAÇÃO DO ESPAÇO URBANO
A competência para instituir o sistema de estacionamento rotativo deriva do poder de polícia administrativa, atribuído aos municípios pelo art. 30, I, da Constituição Federal. Esse poder permite que o ente municipal regule o uso do espaço público, impondo limitações administrativas em prol do interesse coletivo.
Nesse sentido, leciona Hely Lopes Meirelles (2016, p. 145):
“O poder de polícia administrativa confere ao Município a prerrogativa de disciplinar o uso dos bens públicos de uso comum do povo, como as vias públicas, podendo, inclusive, estabelecer condições para seu uso pelos particulares.”
O exercício do poder de polícia no âmbito do estacionamento rotativo se manifesta através da regulamentação dos horários de funcionamento, da delimitação das áreas sujeitas ao sistema, da fixação do tempo máximo de permanência e da fiscalização do cumprimento dessas normas.
DISTINÇÃO ENTRE TAXA E PREÇO PÚBLICO
A controvérsia acerca da legalidade da cobrança pelo estacionamento rotativo reside, em grande parte, na distinção entre taxa e preço público. Enquanto a taxa é uma espécie tributária, sujeita ao regime jurídico-tributário e aos princípios constitucionais da tributação, o preço público é uma contraprestação voluntária por um serviço público não essencial.
Segundo Hugo de Brito Machado (2019, p. 437):
“A taxa é tributo vinculado, cujo fato gerador é uma atuação estatal específica relativa ao contribuinte. Já o preço público é uma contraprestação facultativa por um serviço público não essencial, regido pelo direito privado.”
A distinção entre taxa e preço público é fundamental para a análise da legalidade da cobrança pelo estacionamento rotativo, pois implica em regimes jurídicos distintos. Enquanto a instituição de taxas está sujeita ao princípio da legalidade tributária, exigindo lei em sentido estrito, os preços públicos podem ser fixados por ato do Poder Executivo.
JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS SUPERIORES
A jurisprudência dos tribunais superiores tem se inclinado no sentido de considerar ilegal a cobrança de taxa pelo estacionamento rotativo. O Supremo Tribunal Federal (STF), em decisão proferida no Recurso Extraordinário 665.134/RS, com repercussão geral reconhecida, fixou a tese de que “é inconstitucional a cobrança de taxa para o uso de áreas de estacionamento público nas vias urbanas”.
A fundamentação dessa decisão baseia-se, principalmente, nos seguintes argumentos:
IMPLICAÇÕES PRÁTICAS DA DECLARAÇÃO DE ILEGALIDADE
A declaração de ilegalidade da cobrança de taxa pelo estacionamento rotativo tem implicações significativas para a gestão do espaço urbano. Por um lado, priva os municípios de uma fonte de receita que, muitas vezes, é utilizada para a manutenção e melhoria da infraestrutura viária. Por outro, exige que sejam buscadas alternativas para a regulação do uso das vagas de estacionamento, de modo a garantir a rotatividade e o acesso equitativo ao espaço público.
Alguns dos impactos práticos da declaração de ilegalidade incluem:
ALTERNATIVAS PARA A GESTÃO DO ESTACIONAMENTO EM VIAS PÚBLICAS
Diante da impossibilidade de cobrança de taxa pelo estacionamento rotativo, os municípios têm buscado alternativas para regular o uso das vagas em vias públicas. Algumas das possibilidades incluem:
Essas alternativas visam manter os benefícios do sistema de estacionamento rotativo, como a democratização do uso do espaço público e a promoção da rotatividade, sem incorrer na ilegalidade da cobrança de taxa.
EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS NA REGULAÇÃO DO ESTACIONAMENTO URBANO
A questão da regulação do estacionamento em vias públicas não é exclusiva do Brasil. Diversos países têm adotado diferentes abordagens para lidar com esse desafio urbano. Algumas experiências internacionais relevantes incluem:
Essas experiências demonstram que existem diversas abordagens possíveis para a gestão do estacionamento urbano, que podem servir de inspiração para as cidades brasileiras na busca por soluções legais e eficientes.
O IMPACTO DA TECNOLOGIA NA GESTÃO DO ESTACIONAMENTO ROTATIVO
A evolução tecnológica tem proporcionado novas ferramentas para a gestão do estacionamento rotativo, oferecendo alternativas à cobrança tradicional de taxas. Algumas inovações relevantes incluem:
Essas tecnologias podem contribuir para uma gestão mais eficiente e transparente do estacionamento rotativo, reduzindo custos operacionais e melhorando a experiência dos usuários.
A RELAÇÃO ENTRE ESTACIONAMENTO ROTATIVO E MOBILIDADE URBANA SUSTENTÁVEL
A regulação do estacionamento em vias públicas está intrinsecamente ligada às políticas de mobilidade urbana sustentável. A disponibilidade e o custo do estacionamento influenciam diretamente as escolhas de deslocamento dos cidadãos.
Nesse contexto, a gestão do estacionamento rotativo pode ser utilizada como uma ferramenta para:
A integração da política de estacionamento com outras iniciativas de mobilidade sustentável é fundamental para o desenvolvimento de cidades mais habitáveis e ambientalmente responsáveis.
DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O FUTURO DA REGULAÇÃO DO ESTACIONAMENTO EM VIAS PÚBLICAS
A regulação do estacionamento em vias públicas enfrenta diversos desafios no contexto brasileiro, entre os quais se destacam:
Diante desses desafios, algumas perspectivas para o futuro da regulação do estacionamento em vias públicas incluem:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise empreendida neste artigo permite concluir que, à luz do ordenamento jurídico brasileiro e da jurisprudência consolidada dos tribunais superiores, a cobrança de taxa pelo estacionamento rotativo em vias públicas é ilegal. Essa conclusão se fundamenta nos seguintes aspectos:
Diante desse cenário, faz-se necessário que os municípios busquem alternativas para a regulação do estacionamento em vias públicas, que não envolvam a cobrança de taxas. As experiências internacionais e as inovações tecnológicas oferecem um rico repertório de possibilidades para a gestão eficiente e legal do estacionamento rotativo.
É importante ressaltar que, embora a cobrança de taxa seja considerada ilegal, o poder público municipal mantém a prerrogativa de regular o uso do espaço urbano, podendo estabelecer limitações administrativas e sanções para o descumprimento das normas de estacionamento rotativo. O desafio que se impõe é encontrar um equilíbrio entre a necessidade de ordenação do espaço público, a promoção da mobilidade urbana sustentável e o respeito aos princípios constitucionais e legais que regem a atuação estatal.
Por fim, a questão do estacionamento rotativo deve ser compreendida como parte integrante de uma política mais ampla de mobilidade urbana e gestão do espaço público. Sua regulação deve estar alinhada com os objetivos de desenvolvimento sustentável das cidades, promovendo um uso mais eficiente e equitativo do espaço urbano, incentivando modos de transporte mais sustentáveis e contribuindo para a melhoria da qualidade de vida nas cidades brasileiras.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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SHOUP, Donald C. The High Cost of Free Parking. Chicago: Planners Press, 2005.
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