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Resumo
INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas, o campo da Educação tem sido atravessado por transformações significativas decorrentes da inserção das tecnologias digitais nos processos de ensino e aprendizagem. No interior desse movimento, a gamificação tem se consolidado como uma estratégia metodológica inovadora, ao incorporar elementos típicos dos jogos — como metas, desafios, níveis, recompensas e feedback — a contextos educativos formais. Mais do que uma técnica de engajamento, a gamificação possibilita a criação de ambientes de aprendizagem dinâmicos, participativos e capazes de estimular o pensamento lógico, a criatividade e a resolução de problemas complexos.
No caso da matemática, esse debate ganha contornos ainda mais relevantes. O ensino da disciplina tem enfrentado, historicamente, uma série de desafios relacionados à sua abordagem tradicional, centrada na repetição de procedimentos e na memorização de fórmulas, o que contribui para o desinteresse, a ansiedade e a evasão cognitiva por parte dos estudantes. O raciocínio lógico, embora esteja no cerne da matemática, muitas vezes é ofuscado por práticas pedagógicas descontextualizadas que dificultam a construção de significados e a aplicação prática dos conhecimentos.
Nesse cenário, torna-se urgente pensar em estratégias que ressignifiquem a relação dos estudantes com a matemática e que promovam uma aprendizagem mais significativa e alinhada às demandas do século XXI. A gamificação, por sua natureza interativa e desafiadora, oferece um caminho promissor, especialmente quando associada a propostas que valorizam o protagonismo do aluno e o uso criativo das tecnologias. Como destaca Seymour Papert:
Qualquer coisa é fácil se você puder assimilá-la ao seu conjunto de modelos. Se você não puder, qualquer coisa pode ser dolorosamente difícil. […] A compreensão da aprendizagem deve ser genética. Deve referir-se à gênese do conhecimento. O que um indivíduo pode aprender, e como ele aprende, depende dos modelos que tem disponíveis. Isso levanta, de forma recursiva, a questão de como ele aprendeu esses modelos. Assim, as ‘leis da aprendizagem’ devem tratar de como estruturas intelectuais crescem a partir umas das outras e de como, nesse processo, elas adquirem forma lógica e emocional (Papert, 1980, p. 7).
A escolha por investigar a relação entre gamificação e desenvolvimento do raciocínio lógico-matemático no Ensino Fundamental justifica-se, portanto, pela necessidade de repensar as práticas pedagógicas na matemática escolar e de valorizar propostas que promovam a compreensão conceitual, o pensamento crítico e a autonomia intelectual dos estudantes. Tais competências são essenciais não apenas para o desempenho acadêmico, mas para a formação de sujeitos aptos a interpretar, modelar e intervir no mundo contemporâneo.
Diante disso, o objetivo deste artigo é analisar, a partir de uma revisão de literatura, como a gamificação pode contribuir para o desenvolvimento do raciocínio lógico-matemático no Ensino Fundamental, reunindo contribuições teóricas e relatos de práticas exitosas que evidenciem os potenciais e os limites dessa estratégia.
GAMIFICAÇÃO NO CONTEXTO EDUCACIONAL
A emergência da gamificação como estratégia pedagógica está profundamente associada às transformações contemporâneas nos modos de ensinar e aprender, especialmente no contexto das tecnologias digitais. A noção de gamificação refere-se à aplicação de elementos estruturais e estéticos dos jogos — tais como metas, recompensas, níveis e feedback imediato — em ambientes não lúdicos, com o propósito de tornar a experiência do aprendiz mais motivadora, desafiadora e significativa.
Essa abordagem não deve ser confundida com o simples uso de jogos prontos em sala de aula. Trata-se de uma forma estruturada de repensar a experiência educacional, buscando promover o engajamento ativo e a construção do conhecimento por meio da participação e da ludicidade. Como afirmam Malagueta et al. (2023), “a gamificação surgiu como uma estratégia inovadora para tornar a educação mais envolvente e promover a autonomia e o domínio dos alunos no seu próprio desenvolvimento intelectual”.
Os elementos centrais da gamificação, quando articulados pedagogicamente, são capazes de transformar a percepção do estudante em relação ao conteúdo. Toda et al. (2019) destacam, a partir de uma análise empírica com 733 participantes, que os elementos mais eficazes para promover engajamento são os objetivos bem definidos, a progressão por níveis, o sistema de recompensas e a oferta de escolhas. A depender do perfil dos estudantes, esses elementos podem ser combinados de formas distintas para maximizar o impacto na aprendizagem.
Nesse cenário, é impossível deixar de considerar as contribuições de Seymour Papert, pioneiro ao propor uma educação mediada por tecnologias digitais com potencial transformador. Em sua obra clássica Mindstorms (1980), Papert defende a ideia de que o computador pode ser uma ferramenta epistemológica de apropriação do conhecimento e formação do pensamento matemático. Em suas palavras:
Quando essa comunicação ocorre, as crianças aprendem matemática como uma linguagem viva. Além disso, a comunicação matemática e a comunicação alfabética são assim transformadas, de coisas estranhas e, portanto, difíceis para a maioria das crianças, em algo natural e, portanto, fácil. A ideia de ‘falar matemática’ com o computador pode ser generalizada para uma visão de aprendizagem matemática em uma ‘Terra da Matemática’ (Mathland); ou seja, em um contexto que é para a aprendizagem da matemática o que viver na França é para aprender francês (Papert, 1980, p. 6).
A metáfora de Mathland, apresentada por Papert, evidencia a importância de se criar contextos imersivos, nos quais o estudante interaja com os conceitos matemáticos de forma viva, autêntica e significativa. Essa concepção dialoga diretamente com os princípios da gamificação, ao propor ambientes de aprendizagem que simulem situações-problema reais ou fictícias, mas que exigem raciocínio, criatividade e tomada de decisão — elementos centrais para o desenvolvimento lógico-matemático.
Assim, a gamificação, quando fundamentada por uma perspectiva construtivista e crítica, tem o potencial de superar o ensino mecanizado da matemática, ao transformar a experiência educacional em um processo de construção ativa de sentidos. A articulação entre as tecnologias digitais, os elementos de jogos e as teorias do aprender permite consolidar ambientes mais inclusivos, desafiadores e formadores de pensamento autônomo e lógico.
O ENSINO DE MATEMÁTICA E O DESENVOLVIMENTO DO RACIOCÍNIO LÓGICO
A matemática, enquanto linguagem simbólica e estrutural, desempenha papel central na constituição do pensamento lógico, oferecendo aos estudantes um repertório de operações mentais que os capacita a resolver problemas, tomar decisões, estabelecer relações entre ideias e generalizar conceitos. O raciocínio lógico-matemático, por sua vez, vai além da resolução de cálculos: ele representa a capacidade de compreender padrões, construir inferências, formular hipóteses e validar conclusões com base em critérios objetivos. Nesse sentido, o ensino da matemática no Ensino Fundamental deveria assumir, prioritariamente, uma função formativa e não meramente operacional.
Contudo, essa concepção nem sempre se efetiva nas práticas pedagógicas cotidianas. O ensino tradicional da matemática tende a priorizar a memorização de fórmulas e a repetição de procedimentos, em detrimento da exploração do raciocínio e da resolução de problemas contextualizados. Isso produz uma cisão entre o saber escolar e a vida cotidiana dos estudantes, contribuindo para o desinteresse, a ansiedade e, por vezes, a rejeição à disciplina.
Nesse cenário, as dificuldades enfrentadas no ensino da matemática são recorrentes e têm sido objeto de diversas pesquisas. Um dos estudos analisados afirma que:
A Matemática vem sendo considerada na opinião de muitos alunos como uma disciplina difícil, complicada, os quais apresentam dificuldade de associar com algo prático relacionado ao seu dia a dia. […] A maioria apresenta aversão e insatisfação no aprendizado da Matemática. O conteúdo de ensino de frações da grade curricular da Matemática, por exemplo, apresenta complicadores porque os professores utilizam de práticas formais no processo de ensino das frações (Camargo et al., 2022, p. 2).
Essa constatação revela que a fragmentação do ensino, aliada à descontextualização dos conteúdos e à ausência de estratégias pedagógicas significativas, prejudica diretamente o desenvolvimento do pensamento lógico. A matemática, quando reduzida a exercícios mecânicos e desprovidos de sentido, torna-se um obstáculo cognitivo, em vez de um instrumento de emancipação intelectual.
Além disso, estudos recentes indicam que o raciocínio lógico, para ser desenvolvido de forma efetiva, necessita ser trabalhado por meio de metodologias ativas, que estimulem a construção coletiva do conhecimento e o enfrentamento de situações-problema. O uso de estratégias como a gamificação, nesse contexto, surge como uma possibilidade concreta de romper com a lógica transmissiva e de oferecer ao estudante oportunidades reais de experimentação e tomada de decisões.
Autoras como Santos et al. (2024), ao analisarem a implementação de ambientes gamificados, afirmam que tais estratégias são eficazes para estimular a personalização da aprendizagem e favorecer o desenvolvimento lógico-matemático em contextos colaborativos, principalmente quando se utilizam desafios e missões que demandam a formulação de estratégias por parte dos alunos.
Portanto, é imperativo que o ensino de matemática assuma uma abordagem crítica, reflexiva e ativa, centrada no desenvolvimento do raciocínio lógico como competência transversal. Tal perspectiva não apenas contribui para o sucesso acadêmico dos estudantes, como também os prepara para exercerem uma cidadania plena, capazes de interpretar dados, fazer escolhas fundamentadas e compreender o mundo de forma estruturada e significativa.
GAMIFICAÇÃO COMO ESTRATÉGIA PARA O ENSINO DE MATEMÁTICA
A integração da gamificação ao ensino da matemática tem se mostrado uma estratégia pedagógica promissora, especialmente quando vinculada ao desenvolvimento de competências lógico-matemáticas. A utilização de jogos digitais, plataformas interativas e desafios gamificados pode estimular o engajamento, promover a aprendizagem ativa e, sobretudo, tornar o conteúdo matemático mais acessível e significativo aos estudantes da Educação Básica.
A literatura especializada aponta diversas experiências bem-sucedidas nesse campo. Um exemplo marcante é o ambiente virtual ClassTiger, desenvolvido como produto educacional do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Matemática da UEPA. O aplicativo incorpora elementos de gamificação como missões, rankings, desafios colaborativos e feedback em tempo real, possibilitando que os estudantes assumam um papel mais ativo na construção de saberes. Como destacam Santos, Silva e Pereira (2024):
Os resultados iniciais sugerem que o ClassTiger pode favorecer a personalização das atividades pelos professores e promover o trabalho colaborativo dos alunos, utilizando missões e desafios que auxiliam no desenvolvimento do raciocínio lógico e na construção coletiva do conhecimento matemático (Santos; Silva; Pereira, 2024, p. 6).
Outra experiência relevante é a do Game das Frações, um framework lúdico aplicado com estudantes do 9º ano do Ensino Fundamental. Baseado em cartas com operações matemáticas, o jogo foi estruturado em três fases progressivas e revelou-se eficaz para superar dificuldades específicas no aprendizado de frações. O uso de plataformas digitais como o Kahoot também foi integrado à proposta, ampliando as possibilidades de avaliação diagnóstica e engajamento inicial dos alunos. Segundo Camargo et al. (2022), após a aplicação das dinâmicas, conclui-se que os alunos apresentaram dificuldades nas operações com frações e demonstraram não as conhecer como parte de um todo, no entanto, depois de aplicada a dinâmica, essas dificuldades puderam ser contornadas.
A combinação entre o ambiente físico e o digital no ensino de matemática também tem se expandido por meio de propostas phygitais, como no estudo de Sun et al. (2023), que desenvolveu um sistema com manipulativos físicos (tiles geométricos) e reconhecimento por IA via câmera frontal em tablets educacionais. O sistema proporciona feedback audiovisual imediato e promove a construção de conceitos geométricos por meio da composição e decomposição de formas. A proposta não apenas estimula o raciocínio espacial, como também amplia as possibilidades de interação e imersão dos estudantes com os objetos matemáticos.
Essas experiências indicam que a gamificação, quando bem planejada e articulada aos objetivos pedagógicos, pode atuar como mediadora de uma aprendizagem significativa. Sua eficácia está vinculada à adoção de metodologias ativas, que descentralizam a figura do professor como único detentor do saber e posicionam o estudante como sujeito ativo e reflexivo no processo de aprendizagem. Ao transformar o erro em oportunidade de aprendizado e o desafio em estímulo, a gamificação cria condições para o desenvolvimento da autonomia, da criatividade e do raciocínio lógico.
Dessa forma, a adoção de jogos, plataformas e dispositivos gamificados no ensino da matemática não deve ser compreendida como substitutiva de métodos tradicionais, mas sim como complementar e potencializadora, contribuindo para diversificar estratégias, alcançar diferentes perfis de aprendizagem e, sobretudo, fortalecer a relação dos estudantes com a matemática enquanto linguagem estruturante do pensamento.
METODOLOGIA
Este estudo caracteriza-se como uma pesquisa qualitativa de natureza bibliográfica, cujo objetivo é analisar a produção científica existente sobre a gamificação no ensino de matemática, com ênfase no desenvolvimento do raciocínio lógico-matemático no Ensino Fundamental. Conforme Lakatos e Marconi (2017), a pesquisa bibliográfica “é elaborada com base em material já publicado, constituído principalmente de livros, artigos de periódicos e atualmente com material disponibilizado na internet” (p. 151), e tem por finalidade oferecer uma análise crítica e interpretativa sobre determinado campo de conhecimento.
A abordagem qualitativa justifica-se pela natureza interpretativa do objeto investigado, centrando-se na compreensão das contribuições teóricas e práticas que os estudos analisados apresentam quanto à eficácia da gamificação como ferramenta pedagógica. Segundo Bogdan e Biklen (1994), a pesquisa qualitativa é “desenvolvida em um ambiente natural, interpretando os fenômenos conforme os significados que as pessoas lhes atribuem”, o que é coerente com a proposta de refletir sobre práticas educacionais a partir da produção científica especializada.
Para a seleção do corpus, foram considerados artigos científicos publicados entre os anos de 1980 e 2024, contemplando tanto autores clássicos quanto estudos contemporâneos que dialogam com a temática em questão. O período escolhido justifica-se por marcar, em 1980, o lançamento da obra Mindstorms, de Seymour Papert, considerado um marco teórico na articulação entre tecnologia e ensino de matemática. A partir de então, verifica-se o crescimento das discussões sobre gamificação, especialmente com o advento das tecnologias digitais e sua inserção nos ambientes escolares.
Os documentos selecionados foram obtidos em bases de dados reconhecidas e de acesso científico, tais como: Scielo, arXiv, Redalyc, Google Scholar e revistas indexadas como REASE, Scientia e REDOC. Também foram incluídas produções acadêmicas disponíveis em repositórios de universidades e eventos científicos da área de Educação e Ensino de Matemática.
Os critérios de inclusão envolveram:
Para a análise dos dados, adotou-se a técnica de análise de conteúdo, conforme proposta por Bardin (2011), que permite a categorização e interpretação dos dados com base em unidades de significado. Essa técnica favorece a construção de um panorama interpretativo das tendências, convergências e lacunas na produção acadêmica sobre o tema, possibilitando a elaboração de inferências sustentadas teoricamente.
Dessa forma, esta metodologia permite não apenas sistematizar os principais achados sobre a gamificação no ensino de matemática, mas também evidenciar os caminhos teóricos e práticos que sustentam sua aplicação pedagógica, sobretudo no desenvolvimento do raciocínio lógico no Ensino Fundamental.
BENEFÍCIOS DA GAMIFICAÇÃO PARA O RACIOCÍNIO LÓGICO
A utilização da gamificação no ensino de matemática tem sido amplamente associada a benefícios que extrapolam o simples entretenimento em sala de aula. Diversos estudos apontam que a inserção de elementos lúdicos e interativos promove não apenas o aumento do engajamento, mas também o desenvolvimento da autonomia, da motivação intrínseca e de habilidades cognitivas complexas, como o raciocínio lógico, a criatividade e a resolução de problemas.
Esses benefícios decorrem da natureza da própria gamificação, que mobiliza mecanismos de recompensa, superação de desafios, tomada de decisão e feedback imediato. Ao transformar o erro em parte do processo de aprendizagem — e não em sinal de fracasso —, os jogos educacionais permitem que os estudantes experimentem, testem hipóteses e refinem estratégias de resolução. A autonomia é potencializada à medida que os alunos avançam nos níveis, fazem escolhas e percebem sua progressão, o que também impacta positivamente sua autoestima e percepção de autoeficácia.
Estudo conduzido por Camargo et al. (2022), ao aplicar o Game das Frações, revela que a gamificação, quando bem estruturada, atua diretamente no estímulo ao pensamento lógico-matemático:
A Gamificação traz a vantagem de tornar o conhecimento do discente mais produtivo, possibilitando assim, o engajamento destes em atividades e conteúdos matemáticos que não são de fácil compreensão, e que de certa forma, eram complicados. […] Entretanto, é preciso tomar alguns cuidados na utilização da Gamificação, não se deve usar o jogo por usar, o jogo por si só não vai resolver o problema, precisa estar vinculado a um propósito muito bem definido (Camargo et al., 2022, p. 591).
Além de engajar cognitivamente, os ambientes gamificados despertam a curiosidade dos estudantes e criam situações-problema que exigem raciocínio estratégico, favorecendo o desenvolvimento de competências como análise, síntese, classificação, inferência e generalização, indispensáveis à lógica matemática. Essa abordagem converge com a ideia de “aprendizagem significativa” defendida por Papert (1980), para quem o conhecimento deve emergir de contextos ricos em exploração, criatividade e autoria intelectual.
Outro exemplo evidente está na proposta ClassTiger (Santos; Silva ; Pereira, 2024), que estrutura desafios e missões de forma progressiva, articulando o uso de tecnologias digitais com atividades colaborativas. Ao resolver problemas matemáticos em grupo, os estudantes constroem soluções de forma conjunta, refletindo, debatendo e exercitando o raciocínio lógico em sua dimensão social e dialógica.
Nesse sentido, observa-se que os benefícios da gamificação não se restringem ao campo da motivação, mas estendem-se à formação integral do pensamento matemático, oferecendo condições didáticas e metodológicas favoráveis para que os estudantes se envolvam cognitivamente com os conteúdos. A ludicidade, aliada à estrutura dos jogos, proporciona uma experiência de aprendizagem rica, desafiadora e formadora de sujeitos ativos, reflexivos e criativos.
DESAFIOS E LIMITAÇÕES DA GAMIFICAÇÃO
Apesar dos avanços e benefícios atribuídos à gamificação no ensino de matemática, sua implementação enfrenta obstáculos que comprometem sua eficácia em contextos escolares diversos. Esses desafios não se restringem à aplicação técnica de plataformas ou jogos, mas envolvem questões estruturais, pedagógicas e formativas que exigem análise cuidadosa.
Um dos principais entraves está relacionado à formação docente. Muitos professores ainda demonstram resistência ao uso de metodologias inovadoras, seja por desconhecimento das ferramentas, seja pela insegurança diante de abordagens que rompem com o modelo tradicional de ensino. Como destacam Alves, Carneiro e Carneiro (2022), “a gamificação exige do professor uma postura ativa, investigativa e aberta ao novo, o que requer formação continuada, suporte institucional e tempo para o planejamento de atividades coerentes com os objetivos de aprendizagem”.
Além disso, a elaboração de sequências gamificadas exige tempo de planejamento significativo, especialmente para garantir que os elementos do jogo estejam alinhados às competências previstas no currículo. A utilização de jogos digitais ou físicos demanda preparação prévia, mediação atenta e constante avaliação dos efeitos da atividade sobre o processo de aprendizagem. Em muitos contextos escolares, marcados pela sobrecarga de trabalho docente e por estruturas rígidas de organização curricular, essa demanda representa um desafio prático.
Outro ponto crítico é a falta de estrutura tecnológica em muitas escolas públicas. A ausência de equipamentos, conexão estável com a internet ou mesmo espaços adequados para o uso de recursos digitais compromete a viabilidade de propostas gamificadas mais complexas. Mesmo diante dessas limitações, estratégias híbridas e de baixo custo têm sido exploradas, como o uso de jogos de cartas, dados ou tabuleiros — como no Game das Frações —, mostrando que a inovação não depende exclusivamente de tecnologia digital, mas sim de intencionalidade pedagógica.
Essa preocupação também é enfatizada por Malagueta et al. (2023), que observam:
Apesar dos potenciais benefícios, é necessária uma investigação mais aprofundada sobre a eficácia da gamificação, especialmente na primeira série do ensino fundamental. […] A gamificação torna-se uma ferramenta valiosa para desenvolver estudantes motivados e autossuficientes, preparados para enfrentar os desafios do século XXI. Contudo, isso só será possível mediante a superação de barreiras estruturais e formativas no ambiente escolar (Malagueta et al., 2023, p. 263-264).
É importante ressaltar que o êxito da gamificação no ensino da matemática depende da combinação entre intencionalidade pedagógica, infraestrutura mínima, apoio institucional e, sobretudo, do envolvimento do professor como mediador crítico e criador de experiências significativas. Para que a gamificação se consolide como uma prática efetiva e não como uma tendência passageira, é necessário investir na formação docente contínua, na democratização do acesso a tecnologias e na flexibilização dos currículos escolares.
ESTUDOS DE CASO E PRÁTICAS EXITOSAS
A efetividade da gamificação no ensino da matemática tem sido confirmada por diversos estudos de caso que demonstram seu impacto positivo sobre o engajamento, o desempenho e o desenvolvimento do raciocínio lógico dos alunos do Ensino Fundamental. As experiências relatadas em contextos reais revelam que, quando bem planejada e adequadamente mediada, a gamificação pode favorecer aprendizagens profundas e duradouras, mesmo em turmas que historicamente enfrentam dificuldades com a disciplina.
Entre as práticas mais relevantes, destaca-se a aplicação do Game das Frações, uma proposta desenvolvida com alunos do 9º ano do Ensino Fundamental da Escola Tupã, em Rondônia. A atividade consistiu em uma sequência gamificada com cartas matemáticas contendo as quatro operações, associadas aos naipes tradicionais. A dinâmica foi dividida em três fases, com rodadas acumulativas de pontuação. O estudo observou melhora significativa na compreensão dos alunos sobre frações, especialmente na identificação de frações como parte de um todo. Como destacam Camargo et al. (2022): “Conclui-se que os alunos têm dificuldades nas operações com frações e demonstraram não conhecê-las como parte de um todo, no entanto, depois de aplicada a dinâmica, essas dificuldades puderam ser contornadas” (Camargo et al., 2022, p. 591).
Além dos jogos físicos adaptados, o uso de plataformas digitais tem ganhado espaço em ambientes escolares. Ferramentas como o Kahoot e o Wordwall são frequentemente utilizadas para reforço de conteúdos, avaliações diagnósticas e atividades colaborativas. A interface intuitiva, o feedback imediato e o caráter competitivo dessas plataformas contribuem para a participação ativa dos estudantes e para o fortalecimento do vínculo com os conteúdos trabalhados em sala.
Outro exemplo de prática exitosa é o ClassTiger, ambiente virtual gamificado que permite a personalização das atividades pelos professores, ao mesmo tempo que oferece aos alunos uma experiência lúdica baseada em missões, rankings e recompensas. Essa proposta foi aplicada no contexto do Mestrado Profissional em Ensino de Matemática (PPGEM/UEPA), sendo reconhecida como um recurso eficaz para estimular o raciocínio lógico e o trabalho colaborativo: “O ClassTiger pode favorecer a personalização das atividades pelos professores e promover o trabalho colaborativo dos alunos, utilizando missões e desafios que auxiliam no desenvolvimento do raciocínio lógico e na construção coletiva do conhecimento matemático” (Santos; Silva; Pereira, 2024, p. 6).
No campo da tecnologia educacional mais avançada, destaca-se ainda a proposta de Sun et al. (2023), que utilizaram manipulativos físicos em formato de peças geométricas (tiles) combinadas com inteligência artificial embarcada em tablets. Essa abordagem phygital (física + digital) possibilitou o reconhecimento automático das formas manipuladas pelos alunos, oferecendo feedback em tempo real e promovendo o raciocínio espacial e geométrico em estudantes de 5 a 8 anos.
Essas experiências comprovam que os resultados positivos da gamificação estão atrelados a sua implementação consciente, com objetivos pedagógicos bem definidos, avaliação contínua e alinhamento com o perfil da turma. Em comum, os estudos apontam ganhos no desempenho escolar, maior envolvimento dos alunos com as aulas e melhoria na autoestima em relação à aprendizagem matemática.
Dessa forma, os casos analisados reforçam que a gamificação, para além de uma tendência, representa uma estratégia metodológica potente e adaptável a diferentes realidades escolares, desde que aplicada com intencionalidade e fundamentação pedagógica.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente revisão bibliográfica evidenciou que a gamificação representa uma estratégia metodológica promissora para o ensino da matemática no Ensino Fundamental, sobretudo no que se refere ao desenvolvimento do raciocínio lógico-matemático. Ao longo do estudo, foram analisadas diferentes abordagens e aplicações práticas, demonstrando que, quando utilizada com intencionalidade pedagógica e fundamentação teórica, a gamificação pode promover o engajamento, a autonomia, a motivação e a construção de competências cognitivas complexas.
A literatura analisada apontou que os elementos centrais da gamificação — como desafios, metas, recompensas e feedback — podem favorecer a aprendizagem ativa, estimular a criatividade e fortalecer a relação dos estudantes com o conhecimento matemático. Casos concretos, como os do Game das Frações, do ambiente ClassTiger e de sistemas com inteligência artificial embarcada, comprovaram que é possível integrar ludicidade, raciocínio lógico e inovação tecnológica de forma eficaz, mesmo em contextos desafiadores.
Contudo, o estudo também revelou limitações importantes. A resistência de parte do corpo docente às metodologias inovadoras, a falta de formação continuada para o uso de recursos digitais e a escassez de infraestrutura tecnológica em muitas escolas públicas são barreiras ainda presentes e que comprometem a ampla implementação da gamificação como prática pedagógica sistematizada.
Diante disso, recomenda-se que futuras pesquisas aprofundem os efeitos da gamificação em diferentes séries e perfis de estudantes, com foco em avaliações de impacto a médio e longo prazo. Além disso, é fundamental que gestores educacionais e instituições formadoras de professores invistam na capacitação docente para o uso pedagógico das tecnologias, fomentando o uso consciente, crítico e criativo das ferramentas gamificadas.
Por fim, reconhece-se que esta revisão apresenta limitações, especialmente por restringir-se à análise de publicações disponíveis em bases acadêmicas e em arquivos previamente definidos. A ausência de dados empíricos próprios e de uma análise de campo também limita a amplitude da generalização dos resultados. No entanto, acredita-se que os achados aqui sistematizados contribuem de forma relevante para a reflexão sobre práticas pedagógicas inovadoras e para a valorização de uma matemática viva, significativa e formadora do pensamento lógico dos estudantes da educação básica.
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