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Resumo
INTRODUÇÃO
O presente trabalho apresenta considerações acerca da presença dos jogos e brincadeiras como recursos pedagógicos de grande relevância, que contribuem significativamente para o desenvolvimento das habilidades sociais e cognitivas das crianças.
Nas últimas décadas, nos debates entre educadores, esteve presente a concepção de construção de conhecimento fundamentada nas considerações feitas por Jean Piaget (1990), Lev S. Vygotsky (1996), Ana Teberosky (1979), Paulo Freire (1968), dentre outros. Preconizando a ação do sujeito e o papel da interação social, colocou-se em evidência o processo de desenvolvimento da criança e trouxe à tona uma série de publicações que buscam retratar esse embasamento teórico sob a forma de práticas educacionais dinâmicas.
Assim se tornou comum e de fácil acesso, materiais que visam subsidiar os profissionais da educação para que suas aulas sejam dinâmicas e promovam o desenvolvimento integral do educando. Portanto, a questão da contribuição do lúdico se firmou entre um dos pontos de grande importância para o desenvolvimento infantil.
Por outro lado, a grande divulgação sobre o assunto – não considerando o valor qualitativo de todas – não garante que, na prática, o lúdico venha contribuindo como o esperado e nem mesmo que este esteja presente no cotidiano da escola.
É importante considerar que a educação infantil passou ao longo de sua história por lentas modificações, decorrentes das concepções de determinado momento histórico. Na verdade, as brincadeiras infantis só foram admitidas quando se considerou a visão romântica da infância.
Veremos então que a preocupação com as necessidades educacionais da infância é algo bem recente e que, ainda hoje, necessita de identidade própria apesar do progresso teórico dos estudos na área.
A ludicidade é uma ferramenta pedagógica capaz de promover uma aprendizagem mais dinâmica e eficaz, contribuindo para uma melhor assimilação da criança com dificuldades, por proporcionar maior interação da criança, envolvendo o jogo, o brinquedo, a música e a brincadeira, atrelados ao processo de ensino, tornando a aprendizagem mais atrativa e qualitativa.
Essa falta de identidade própria da educação infantil, de uma política bem definida, que atenda eficientemente às necessidades de nossas crianças se reflete nos projetos pedagógicos que acabam por não se adaptar aos reais interesses do seu público alvo, bem como na prática dos profissionais de educação infantil, que despreparados ou mal preparados, deixam de estimular momentos importantes para o desenvolvimento da criança.
O presente estudo considerou, portanto, as produções teóricas referentes ao valor do lúdico na alfabetização e sua influência positiva no processo de aprendizagem.
DESENVOLVIMENTO
As Dificuldades de Aprendizagem são identificadas em uma série de fenômenos que podem afetar negativamente o aprendizado. Envolvem problemas de aprendizagem, quando se relacionam ao aluno, e problemas escolares, quando se relacionam à maneira em que a escola lida com o processo de ensino e aprendizagem (Ciasca, 2003).
Portanto, a maioria das dificuldades de aprendizagem está relacionada a problemas educativos, e não por causas orgânicas. Algumas estratégias ineficientes de ensino podem prejudicar o desempenho das crianças na realização de tarefas, gerando falta de autoconfiança e efeitos negativos sobre a aprendizagem. O ambiente familiar e determinadas experiências podem comprometer aspectos como a coordenação motora, segundo Dockell e Mcshane (1997).
As dificuldades de aprendizagem possuem aspectos secundários, que são alterações estruturais, mentais, emocionais ou neurológicas, que interferem na construção e desenvolvimento das funções cognitivas. O processo cognitivo é a junção do aprendiz e o professor. É onde ocorre a aprendizagem propriamente dita, através de diversos métodos.
Para Ana Teberosky (2005), quando uma criança não é alfabetizada a culpa é de todo o sistema (professores e escola). Para ela, as crianças são máquinas de aprender com exceção de alguns casos de patologias, maus tratos, ou algo parecido. Querer acreditar que o aluno pode aprender é a melhor atitude de um professor. A autora enfatiza a importância do registro inicial, das conquistas em determinados períodos e a autoavaliação do profissional de educação.
Assim, o aprendiz tem como dever, descobrir e transformar o conhecimento em aprendizagem. Por outro lado, o educador tem como papel fundamental avaliar seus alunos individualmente a fim de descobrir seus talentos próprios.
Do mesmo modo, o professor deve usar diferentes estratégias, até mudar o método de ensino se necessário, para promover uma melhoria na aprendizagem do aluno. Não é o aluno que necessita se adaptar à apreensão do conhecimento, mas o sistema escolar necessita se moldar ao problema, buscando, juntamente com os pais, diferentes meios para que se objetive o processo de ensino e aprendizagem.
Neste contexto, as discussões sobre dificuldades de aprendizagem têm mostrado que muitos educadores frequentemente atribuem o fracasso escolar à estrutura familiar e a problemas sociais, sem analisar as dificuldades individuais dos alunos. Conforme apontado por Vygotsky (1991), o desenvolvimento cognitivo da criança está intimamente ligado às interações sociais e ao ambiente de aprendizagem, o que evidencia a necessidade de um olhar mais atento para os processos pedagógicos. Ferreiro e Teberosky (1985) destacam a importância de considerar as hipóteses infantis sobre a leitura e a escrita, evitando uma abordagem reducionista que responsabilize exclusivamente fatores externos pelas dificuldades de aprendizagem dos alunos. Deixam, muitas vezes, de rever os métodos de ensino utilizados e de se empenhar na melhoria de suas práticas educativas, o que compromete a identificação e a análise das intervenções necessárias para superar tais dificuldades. Essa postura desconsidera que não existe apenas uma forma de aprender e que é fundamental oferecer múltiplas possibilidades para que cada aluno construa seu próprio percurso de aprendizagem. Para isso, é necessário que o processo de ensino contemple a motivação e o desejo de aprender, criando condições favoráveis para que a aprendizagem ocorra de forma significativa. Cabe ao educador, portanto, promover um ambiente que estimule a curiosidade, a participação ativa e o envolvimento dos alunos com o conhecimento.
A preocupação em identificar as dificuldades de aprendizagem está relacionada à constatação de diferenças significativas entre aos resultados escolares esperados e aqueles efetivamente alcançados pelo aluno.
De modo que, definir uma criança com dificuldades de aprendizagem é muito complexo, pois envolve uma variedade de conceitos, dados, modelos, hipóteses e depende de uma série de condutas e comportamentos específicos, sendo os mais comuns a hiperatividade, problemas psicomotores, desordens da atenção, impulsividade, dificuldades específicas de aprendizagem, problemas perceptivos (principalmente os visuais e auditivos, revelando as dificuldades em identificar, discriminar e interpretar estímulos), sinais neurológicos irregulares e desordens na memória e na cognição (Fonseca, 1995).
Dessa forma, compreende-se que o processo de alfabetização vai além da simples transmissão de conteúdos, exigindo do professor uma postura investigativa, sensível e comprometida com o desenvolvimento integral de cada criança. A perspectiva de Ana Teberosky (2005) reforça a ideia de que todo educador deve acreditar no potencial de aprendizagem dos seus alunos, respeitando seus tempos e trajetórias, e assumindo a responsabilidade coletiva pelo sucesso educacional. O registro contínuo das evoluções, a autoavaliação docente e a busca por estratégias pedagógicas diversificadas são elementos fundamentais para garantir uma prática inclusiva e eficaz. Cabe à escola, portanto, abandonar modelos engessados e promover ações que considerem as especificidades de cada aprendiz, transformando desafios em oportunidades de crescimento e construção de saberes.
Nesse sentido, crianças com limitações e dificuldades reais necessitam de eficiente mediação no processo de interação e comunicação, bem como de adaptações no currículo e no ambiente escolar, como forma de compensar dificuldades e minimizar defasagens. Através das atividades lúdicas o professor consegue tornar interessante uma tarefa que não é atrativa, estimulando a criança com dificuldades a se interessar mais pelas atividades no processo de ensino e aprendizagem.
Portanto, os educadores devem incentivar a utilização do movimento corporal como ferramenta de ensino, pois incentivar uma relação saudável com o próprio corpo e o uso dele na aprendizagem são práticas que deveriam ser cultivadas por toda a escolaridade. Através do movimento corporal a criança conhece mais a si mesma, sobre o outro e aprende a se relacionar, uma vez que contribui para a construção da sua autonomia e identidade. Ajuda também a desenvolver sua percepção e sensações e proporciona um aprendizado mais efetivo. A liberdade proporcionada pelos jogos e pelas brincadeiras é fundamental para o desenvolvimento da criança, pois trabalha tanto o lado psicomotor quanto o lado emocional, permitindo um melhor aprendizado.
No que diz respeito ao convívio social, as brincadeiras ensinam as crianças a participar, “(…) a compartilhar momentos bons e ruins, a fazer amigos, a ter tolerância e respeito, enfim, a criança desenvolve a sociabilidade.” (Ribeiro, 2002, p. 56).
Trabalhando com objetivos do romantismo, o positivismo constroi as possibilidades biológicas e sociais do jogo.
Por sua vez, Piaget (1971) também considera a contribuição do jogo para o desenvolvimento cognitivo infantil. Inicialmente caracteriza três tipos de jogos: a) jogo de exercício é o primeiro a aparecer na criança. São ações motivadas pelo simples prazer de executá-las. Os jogos de exercício não suscitam uma problemática que tornem necessárias acomodações; b) jogo simbólico surge por volta dos dois anos e implica a representação fictícia do objeto. Enquanto que no jogo do exercício ocorre a assimilação funcional e trabalha apenas com o esquema sensório-motor, o jogo simbólico tem sua fonte na assimilação simbólica (representativo da realidade) e acopla ao esquema sensório motor, os esquemas simbólicos. A partilha do simbolismo no jogo coletivo favorece o surgimento do jogo de regras; c) jogo de regra surge por volta dos quatro a sete anos, supõe necessariamente relações sociais e caracteriza-se por regras cuja violação representa uma falta.
Assim, Piaget (1971) coloca o jogo como um meio que a criança dispõe para enfrentar a realidade e compreendê-la. O jogo trabalha o símbolo que é o instrumento para o desenvolvimento da inteligência.
Por explorar pouco o desenvolvimento infantil numa dimensão sociocultural, os estudos de Vygotsky contribuem com uma exploração maior e mais detalhada sobre o assunto.
Para Vygotsky (1996) o brinquedo constitui o incentivo fundamental ao desenvolvimento infantil. Quando a criança é muito pequena o significado das coisas está ligado meramente à sua percepção visual. Na idade pré-escolar já consegue essa separação e sua ação surge do significado que atribui e não à coisa propriamente dita. Essa transição é favorecida pelo brinquedo, mudando a estrutura de percepção da realidade.
É no brinquedo que a criança aprende a controlar seus impulsos imediatos e aprende a conviver com conflitos quando podem advir das regras do jogo.
“Dessa maneira, as maiores aquisições de uma criança são conseguidas no brinquedo, aquisições que no futuro tornar-se-ão seu nível básico de ação real e moralidade.” (Vygotsky, 1996, p. 131).
A situação imaginária contida no brincar favorece à criança a possibilidade de ser e agir de forma além do convencional. Sendo assim, o brincar estimula a formação de habilidades e atitudes necessárias à sua participação social, além de favorecer a criação da zona de desenvolvimento proximal da criança, fornecendo-lhe a estrutura básica para mudanças em suas necessidades e na consciência. Em suma,
[…] o brinquedo contém todas as tendências do desenvolvimento sob forma condensada, sendo, ele mesmo, uma grande fonte de desenvolvimento […] tudo aparece no brinquedo, que se constitui, assim no mais alto nível de desenvolvimento pré-escolar […] neste sentido o brinquedo pode ser considerado uma atividade condutora que determina o desenvolvimento da criança. (Vygotsky, 1996, p. 135).
Quando brincam, as crianças desenvolvem suas habilidades de criação, a autonomia e o raciocínio. “(…) o brinquedo ensina qualquer coisa que complete o indivíduo em seu saber, seus conhecimentos e sua apreensão do mundo.” (Kishimoto, 2003, p. 37).
Diz ainda Kishimoto (1994, p. 28): “(…) a teoria froebeliana proporciona subsídios para a compreensão da brincadeira como ação livre da criança e os brinquedos (dons) aparecem como suporte para a ação docente, destinados à apropriação de habilidades e conhecimentos.”
Desse modo, “o brinquedo faz parte da vida da criança, simboliza a relação pensamento-ação e torna possível o uso da fala, do pensamento e da imaginação.” (Almeida, 2003, p. 37 e 38).
Os jogos e brincadeiras permitem que as crianças libertem seu modo de se expressar, as aproximam do mundo que as rodeia, pois propicia uma melhor comunicação com o mesmo. Segundo Moran (1998), para se obter um bom aprendizado se requer uma boa comunicação entre os agentes desse processo.
Mesmo com o reconhecimento, sob diversos pontos de vista, do valor do lúdico para o desenvolvimento infantil, nas práticas legitimadas esse reconhecimento não se traduz. “O jogo é marginalizado ainda que exaltado no discurso.” (Brougère, 1998, p. 157).
Brougère (1998) ressalta a incerteza quanto aos resultados, a ausência de consequências e o favorecimento da iniciativa da criança como características da brincadeira. Propiciar atividades lúdicas é favorecer a iniciativa infantil, é valorizar a descoberta. Além disso, o jogo coloca a criança em contato com o conhecimento que ainda não domina e que lhe são passados de maneira informal, através das relações sociais favorecidas pelo jogo.
Muitos autores defendem o valor lúdico dentro da escola por ser um meio de estimular a ação da criança e seu desenvolvimento sem pressões, uma vez que o jogo possui um aspecto de “não sério”. Além disso, a ação lúdica estimula a reflexão, a descoberta, a moralidade e o interesse. O jogo seria então, uma forma de aprendizagem espontânea onde através da interação com o ambiente a criança aprende sem constrangimentos.
Em suma, respeitada sua natureza lúdica todo jogo é educativo o que faz de sua utilização pedagógica um ato coerente. Mas na realidade de nossas escolas o processo de aquisição de conhecimento está ritualizado. É necessário, portanto, que esse quadro mude através do respeito ao processo de construção do pensamento da criança.
A ludicidade pode influenciar positivamente no processo de aprendizagem da escrita e da leitura, pois ajuda a transformar um processo que pode ser visto apenas como um ato de codificação e decodificação em uma visão simples e natural, por parte da criança, de transformar sua linguagem oral em uma forma escrita, expressando seus pensamentos e facilitando o desenvolvimento do indivíduo e sua relação com o mundo.
Segundo Freire (1986), a leitura é um ato que não deve ser entendido apenas como decodificação da linguagem escrita, mas como compreensão do mundo. “A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto.” (Freire, 1986, p. 12).
Sendo assim, a leitura de frases, de palavras não significam a ruptura com a leitura do mundo. A compreensão errônea do ato de ler faz com que muitos professores norteiam sua prática pela quantidade de leitura que propiciam aos alunos, deixando de lado a compreensão, a significação e a relação com o mundo. Tal visão precisa ser superada. A própria alfabetização não pode ser considerada um processo mecânico de ensino alienado de letras e sílabas, é a expressão escrita da linguagem oral que por sua vez, já é domínio do educando. E da mesma forma como o educando se apropriou, um dia, da linguagem oral deverá se apropriar da linguagem escrita – como sujeito de todo o processo.
Nas palavras de Freire (1986, p. 22): “(…) a leitura do mundo precede sempre a leitura da palavra e a leitura desta implica a continuidade daquele.”.
Um processo crítico de alfabetização parte da leitura de mundo dos sujeitos envolvidos e contribui para sua “releitura” de forma mais crítica.
Freire ressalta, portanto, que estar alfabetizado não significa estar familiarizado com símbolos gráficos, saber decodifica-los mecanicamente, mas sim apropriar-se da linguagem escrita para com ela compreender melhor o mundo e agir criticamente.
Nesse sentido poderíamos associar a aprendizagem da escrita com o desenvolvimento individual do sujeito e afirmar que o processo de alfabetização não se limita ao espaço da escola com apresentação de letras pelo professor, se inicia muito antes e perdura por toda a vida.
Essa associação da aprendizagem da escrita com o desenvolvimento do indivíduo também foi considerada nas abordagens referentes ao assunto por Ferreiro (1988a).
Sob influência teórica de Piaget, Ferreiro (1988b) defende que o domínio do sistema de escrita está relacionado à ação do sujeito e do seu desenvolvimento cognitivo, através de assimilações cada vez mais complexas que promovem reestruturações de hipóteses construídas em relação a esta forma de representação. Da mesma forma, Vygotsky (1996) acredita que a linguagem escrita não é uma técnica que se aprende com métodos adequados, mas uma evolução de registros usados pela criança no processo de apropriação dessa forma social de linguagem.
Assim, a contribuição maior dos dois trabalhos para a prática escolar é a de subsidiar a reflexão sobre a necessidade de interação entre o conhecimento espontâneo, acumulado fora da escola, com o sistemático, organizado dentro da escola.
Desse modo, Ferreiro (1988b) critica a forma como a escola trabalha o sistema de escrita, como se ensinasse um processo de codificação. Se por escrita se entende a simples transcrição de unidades sonoras, o trabalho se orienta pela discriminação visual e auditiva dissociando assim, significante do significado. Consequentemente se ensina uma técnica. Mas se a compreensão da escrita é de um sistema de representação, o domínio correto de discriminações não é o bastante, pois não garante a compreensão da natureza desse sistema. Sua aprendizagem significa uma apropriação de um novo objeto de conhecimento. Apresenta o desenvolvimento da leitura e da escrita sob forma de evoluções de hipóteses como, por exemplo, na escrita, seu desenvolvimento se dá dos rabiscos icônicos que reproduzem a forma do objeto que se pretende representar aos grafismos que não se prendem mais a essas formas. As crianças adotam as letras da sociedade e empregam grande esforço intelectual para a produção da escrita que vai evoluindo de acordo com as hipóteses que formulam a respeito.
Desse modo, o processo de conhecimento do sistema de escrita é um processo de tomada de consciência: “O chegar a ser consciente de certos processos implica sempre uma reconstrução deste conhecimento em outro nível e cada reconstrução toma tempo, porque implica um grande esforço cognitivo para superar as perturbações que devem ser compensadas.” (Ferreiro, 1988a, p. 15).
A criança utiliza uma hipótese silábica que se torna cada vez mais rigorosa até obter total domínio na resolução dos problemas de correspondência quantitativa envolvidos. Sendo assim, percebemos que para a aprendizagem como um todo e especificamente para o desenvolvimento da escrita, a ludicidade tem papel muito importante. Jogos, brincadeiras, movimentos corporais são grandes facilitadores e influenciam positivamente no processo de alfabetização.
Para Ferreiro (1998 a) toda informação recebida do meio lhe é perturbadora. A influência do meio tanto pode ser positiva, quando promove desequilíbrio ou oferece observáveis facilmente assimiláveis, como pode ser negativa quando é inibitória.
É importante, portanto, compreender o tipo de interação e suas consequências. Sob essa perspectiva, as discussões quanto ao melhor método a ser utilizado como se fosse uma solução mágica, perde o sentido. A criança não é depósito de informações e o que se deve levar em conta é a concepção que já possuem sobre o sistema de escrita para determinarmos a intervenção adequada.
Assim, a alfabetização se desenvolve num ambiente social que oferece informações às crianças, que por sua vez, não as recebe pacificamente, mas que através da assimilação as transforma e as registra.
Na perspectiva de Vygotsky (1996) quanto ao processo de desenvolvimento com base nas zonas de desenvolvimento proximal (ZDP), a linguagem mantém um importante papel como instrumento de mediação.
Assim, alfabetizar na visão da autora, não significa o ensino do código gráfico. A aprendizagem da leitura e escrita envolve uma dimensão simbólica que deve ser favorecida pelo educador através de atividades que propiciem formas de expressão e representação infantil para que tenham, mais tarde, subsídios para compreenderem o significado da leitura e da escrita. Dessa forma, leva-se em conta como a criança aprende e o para que da alfabetização.
Quanto à polêmica de se alfabetizar ou não na pré-escola, cito novamente Ferreiro (1988b). Para ela essa questão foi mal colocada, pois uma vez que se acredita que a alfabetização deve iniciar na pré-escola ela corre o risco de assemelhar-se a primeira série, com exercícios maçantes e descabidos, e se por outro lado se compreende que não convém iniciar o processo de alfabetização na pré-escola, o ambiente desta pode se tornar totalmente desprovido da comunicação escrita. Portanto, nas duas concepções é o adulto quem decide quando se iniciará o processo, como se fosse possível controlar o acesso da criança à escrita, negando o contato social já existente, desconsiderando as informações que já trazem sobre ela.
Nesta perspectiva a educação infantil não tem por que negar esse contato, muito pelo contrário, deve-se favorecê-lo.
O contato constante com a linguagem escrita é mais importante que se limitar a trabalhar com “exercícios de prontidão”.
Não se trata de mantê-las assepticamente isolados da linguagem escrita. Também não se trata de ensinar-lhes nas classes pré-escolares o modo de sonorizar as letras, nem de introduzir exercícios de repetição em coro. É necessário imaginação pedagógica para dar às crianças oportunidades ricas e variadas de interagir com a linguagem escrita. É necessário formação psicológica para compreender as perguntas e as respostas das crianças. É necessário entender que a aprendizagem de um código de transcrição: é a construção de um sistema de representação. (Ferreiro, 1988b, p. 102).
Da mesma forma, Lima (1986) acredita que a alfabetização não tem compromisso com determinada idade. O professor não deve se preocupar em alfabetizar, mas em ampliar o campo de ação da criança.
As problematizações propostas devem estar de acordo com o desenvolvimento da criança para que as experiências oferecidas estejam adequadas.
Ela ainda sugere que a ampliação do universo da criança na leitura e escrita e até mesmo na matemática pode ser feita em brincadeiras de trocas, compra, pareamento entre outros, sendo que o professor deve procurar conhecer as hipóteses das crianças frente a determinada situação para que planeje a melhor forma de intervir.
Pontos de vista semelhantes foram considerados por Bertoldo e Ruschel (2000). Para elas, pesquisadores como Piaget e Vygotsky buscaram compreender o ato de brincar da criança e oferecem, através de suas teorias, subsídios para os profissionais de educação acerca da importância do brincar no cotidiano da criança, contribuindo para, desse modo, para pensar e repensar a prática escolar.
Em situações lúdicas, as crianças constroem conhecimento, encontram suas próprias soluções, aprendem a competir, cooperar e conviver como ser social, representam o contexto em que estão inseridas apropriando-se da cultura, enfim, a criança age e se comunica através do brincar, desenvolvendo-se de forma integral.
Também seguindo uma mesma linha teórica, o Referencial curricular nacional para a educação infantil (1998) aponta a linguagem oral e escrita como eixo básico para a educação infantil por sua importância para a formação da criança, como meio de interação, construção do conhecimento e desenvolvimento do pensamento. Chama atenção, no entanto, para práticas que acreditam no valor da intervenção do adulto na aprendizagem, mas acabam por limitarem todas as experiências das crianças às situações totalmente artificiais onde são trabalhadas as habilidades consideradas necessárias à alfabetização de forma mecânica, basicamente sob a forma de exercícios de prontidão. Desse modo, compreende-se por alfabetização um processo de codificação onde as crianças devem associar sons a símbolos,
Por outro lado, práticas que consideram as crianças como sujeitos de sua própria aprendizagem compreendem de forma totalmente diferente a maneira como ocorre a apropriação da linguagem oral e escrita. Nesse contexto apenas as situações significativas são realmente produtivas.
Sendo assim, reconhece-se que principalmente no meio urbano a criança mesmo antes de entrar na escola já estabelece o contato com a linguagem escrita em sua funcionalidade social. Desse modo, esse processo de letramento já proporciona às crianças meios para iniciarem a construção de suas hipóteses no que concerne ao sistema de escrita. É interessante, portanto, preservar essa funcionalidade da escrita na escola, fato que dependerá da importância atribuída à escrita e da qualidade e frequência e das interações que as crianças experimentam. Esse contexto considera a aprendizagem da leitura e escrita como um longo processo e a relaciona com a participação em práticas sociais de leitura e escrita. Tal concepção de alfabetização deve orientar o trabalho nas instituições de educação infantil voltando suas preocupações para a formação de um ambiente rico em estímulos e interações ao invés de limitar-se a organização de atividades para treino de habilidades. Nesse sentido, a efetiva promoção de momentos lúdicos que estimulem o contato da criança com diversas formas de comunicação escrita e que, consequentemente, estimulam o pensamento e autonomia infantil, seriam extremamente coerentes em substituição às atividades desprovidas de significação e interesse.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A falta de um conhecimento específico sobre teorias pedagógicas e psicológicas ou seu conhecimento parcial acaba sendo fator de desvalorização da criança e suas brincadeiras. Nesse caso, a formação profissional contínua ajuda a identificar e analisar constantemente estilos e práticas, conferindo ao professor maior segurança para sua atuação. O conhecimento de diferentes teorias ajuda a elucidar a prioridade do brincar no meio escolar, favorecendo competências imaginativas e organizacionais, podendo assim, o planejamento de um ambiente propício às brincadeiras ser articulado ao trabalho escolar. Mas, nota-se no profissional de educação uma certa insegurança no que se refere à permissão da brincadeira no meio escolar. Mesmo nos momentos em que são permitidas, as brincadeiras acabam por não serem exploradas, facilitadas ou estimuladas apropriadamente.
A importância de se respeitar a autonomia e iniciativa da criança oportunizando momentos lúdicos não significa que as atividades sistematizadas não terão mais lugar na escola. Uma proposta pedagógica que tem o lúdico como eixo de trabalho deve tomar cuidado para não ser parcial ou ingênua, correndo o risco de tender a extremos como na realização de um trabalho totalmente desprovido de orientação ou planejamento por parte do professor ou, por outro lado, utilizando jogos e brincadeiras de forma rigidamente controlada. Portanto, deve esclarecer a função do lúdico enquanto proposta educativa, elucidando suas possibilidades como meio de estimular e favorecer a socialização, autonomia e imaginação. Não exclui, dessa forma, as atividades sistematizadas da educação, apenas atenta-se ao fato de que os momentos lúdicos são importantes para o desenvolvimento infantil e ajudam a enfrentar as dificuldades de aprendizagem e como tal, devem ter espaço privilegiado na escola.
Para isso, é preciso que o professor saiba utilizar os jogos e as brincadeiras como suporte de seu trabalho sabendo estimulá-las e adequá-las ao nível de desenvolvimento e interesse das crianças e ao grau de dificuldade de aprendizagem apresentado.
Esse tipo de proposta educacional que incentiva a iniciativa infantil é perfeitamente compatível à concepção de alfabetização como processo de apropriação e atuação no mundo, como Paulo Freire (1986) defendeu. As brincadeiras permitem o contato das crianças com a linguagem oral, bem como com a linguagem escrita, permitindo que, ao invés de ser colocada perante o objeto da aprendizagem, a criança seja colocada sobre ele – o que Benjamin (1986) já propunha como forma de se educar a criança preservando-lhe a autonomia e participação em seu meio.
Portanto, a aprendizagem depende de um conjunto de fatores quando submetido a um trabalho sistematizado e depende de estímulo, de orientação, de direção e controle. E está relacionada a todos os atos da existência, promovendo a modificação na conduta, na personalidade e nas atitudes.
Sendo assim, as dificuldades de aprendizagem devem ser vistas e analisadas em todas as esferas em que o aluno participa, como a família, a escola e a sociedade.
Em suma, o brincar é uma necessidade da criança, que como constatado nesta pesquisa encontrará espaço na escola mesmo quando não prestigiado. Cabe, portanto, aos educadores que direta ou indiretamente atuam na educação, aceitarem e compreenderem essa necessidade, reconhecerem a influência positiva do brincar frente às dificuldades de aprendizagem, adotando uma postura coerente quanto a presença de jogos e brincadeiras na sala de aula, usufruindo assim, de todos os seus benefícios.
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