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Resumo
INTRODUÇÃO
É complexo formular um conceito universal para a expressão reforma administrativa. No entanto, há um entendimento comum entre os especialistas quanto à sua intenção, que é a otimização da administração governamental, ressaltando os obstáculos enfrentados pelo sistema. O objetivo essencial é melhorar os serviços públicos já implementados, assegurando um desempenho eficiente, eficaz e responsável (Araújo, 2000).
A definição ampla fornecida pelas Nações Unidas:
O exercício deliberado de autoridade e influência para aplicar novas iniciativas em um sistema administrativo, com o intuito de modificar suas finalidades, estruturas e processos, visando seu aperfeiçoamento para promover o desenvolvimento (Nações Unidas, 1983, p.1).
Ao abordar a reforma da administração pública, costuma-se contrapor apenas dois paradigmas: a administração burocrática e a gestão gerencial são modelos existentes. No entanto, há outras vertentes, e cada país adapta-se a uma delas, incorporando a teoria às especificidades de sua realidade. Além disso, é comum o uso simultâneo de diferentes modelos para atender às diversas funções (Rocha, 2000).
Como aponta Bilhim (2016), inicialmente destaca-se o modelo de gestão pública tradicional, fundamentado na concepção de uma administração estatal guiada pelos princípios weberianos: o tipo denominado ideal da burocracia, no qual o funcionário público exerce um papel estrutural em um Estado mais fortalecido e bem-organizado.
Posteriormente, como contraponto ao modelo anterior, surge o chamado modelo de nova gestão pública, baseado em ideais liberais que propõem a diminuição da então máquina estatal, promovendo um Estado mais enxuto e eficiente, com foco no mercado. Seus fundamentos teóricos têm origem na Teoria da Escolha Pública, fundamentada nas ideias econômicas formuladas por Adam Smith.
A partir disso, surge o Novo Serviço Público, uma abordagem contemporânea que visa integrar os pontos fortes dos modelos anteriores, elaborando uma versão mais desenvolvida da gestão estatal tradicional.
Seus principais pilares incluem: atender aos cidadãos em vez de tratá-los como meros consumidores, promover o interesse coletivo, fortalecer a cidadania, articular o planejamento estratégico com práticas democráticas, garantir transparência e responsabilização, adotar uma liderança participativa e priorizar o crescimento humano, além de oferecer atenção específica às necessidades dos indivíduos.
Neste estudo, será realizada uma análise crítica da trajetória da reforma da gestão, destacando as limitações do modelo burocrático de Weber que deram origem às propostas da nova gestão pública (Nova Administração Pública e Governança). Em seguida, serão apresentados os caminhos para o desenvolvimento de novos modelos de Governança. Por fim, será dada ênfase ao movimento Pós-Nova Gestão Pública, com destaque ao Novo Serviço Público, elaborado por Robert Denhardt e Janet Denhardt.
ABORDAGEM DA GESTÃO PÚBLICA: CONTEXTO HISTÓRICO
A administração pública representa um campo amplo, dinâmico e em constante transformação. As teorias relacionadas à gestão estatal passaram por mudanças expressivas ao longo dos últimos cem anos, adequando-se às transformações sociais, governamentais e econômicas. As normas são alteradas, valores e fundamentos são atualizados, e todas as formas de atuação estão sujeitas a revisões. Nesse contexto, surge a indagação: qual deveria ser o papel do Estado na sociedade? É possível afirmar que existem respostas distintas, que variam de acordo com o modelo adotado.
O modelo weberiano, também conhecido como administração estatal tradicional, caracteriza-se por uma gestão racional, coerente e eficaz, com uma estrutura altamente hierarquizada, baseada não apenas em regras, mas também em procedimentos voltados à padronização de comportamentos. Além disso, dá ênfase à formalização, à divisão técnica das tarefas e à qualificação profissional para o desempenho das funções. Seu objetivo principal é combater práticas como o nepotismo, o uso indevido da máquina pública para interesses pessoais e o favorecimento de grupos específicos. Esse modelo está relacionado ao surgimento de uma nova visão de Estado, o chamado Estado de bem-estar, em contraste com o Estado Liberal (Bilhim, 2000).
Com o agravamento da crise econômica, começaram a ganhar força teorias de viés alternativas ao modelo do bem-estar social. Pesquisadores passaram a apresentar críticas que fragilizaram esse paradigma, ressaltando, entre outros aspectos: o elevado custo dos gastos governamentais, a contestação dos resultados positivos da intervenção estatal e a impessoalidade da burocracia, esta que acabou se afastando das necessidades da população (Rocha, 2000).
Como resposta à insatisfação popular em relação ao papel exercido pelo Estado e aos excessos do modelo do Estado de Bem-Estar Social, teve início uma reestruturação da administração pública contemporânea, fundamentada em duas vertentes teóricas principais: a Teoria da Escolha Pública e a Teoria da Escolha Racional.
De maneira geral, essas linhas de pensamento defendem a hegemonia da nova gestão governamental em comparação ao modelo tradicional de administração, sugerindo a superação de ineficiências e falhas por meio da implementação de métodos e práticas originadas da gestão empresarial. A proposta era substituir a “burocracia ineficaz” por um sistema sustentado na meritocracia, no desempenho e na qualificação dos serviços oferecidos à população, reduzindo, assim, a intervenção do Estado (Rocha, 2000; Bilhim, 2013; Araújo, 2000).
A partir da década de 1980, o mundo passou por uma significativa transformação nos modelos de governança, alterando as formas de interação entre a população e o governo, assim como entre os setores público e empresarial. O novo enfoque voltou-se para uma administração pública mais eficaz e efetiva, centrada no cidadão e na excelência dos serviços oferecidos. De forma geral, buscava-se uma reforma que atualizasse e otimizasse as estruturas governamentais (Correia, Mendes e Freire, 2019).
Essas correntes deram origem à Nova Administração Pública e à chamada Governança Reestruturada, aplicadas em países membros da OCDE. É relevante destacar que o modelo do Estado de Bem-Estar Social não foi eliminado, mas passou por uma transformação para reduzir sua abrangência e operar de modo mais eficaz: agir menos para obter melhores resultados. Foram implementadas três diretrizes centrais: a) promover a participação do setor privado nas atividades do Estado; b) desburocratizar e diminuir a atuação estatal; c) fomentar competitividade e parcerias com empresas privadas (Bilhim, 2013; Araújo, 2000).
Entretanto, surgiram ressalvas, pois estudiosos indicaram que os setores público e privado são estruturalmente distintos e que a adoção de práticas empresariais na administração pública pode gerar consequências imprevisíveis. O setor público lida com restrições normativas mais severas, enquanto a iniciativa privada possui maior flexibilidade e capacidade de adaptação (Bilhim, 2013).
A implementação da Nova Administração Pública no setor público fundamentou-se em conceitos como fragmentação, competitividade e incentivos por desempenho. Essa abordagem trouxe entraves e resultados limitados (Dunleavy et al., 2005). Apesar dos progressos inegáveis, como a ampliação da flexibilidade e da responsabilização diante do cidadão, os impactos negativos também foram notáveis: as medidas baseadas em princípios de mercado nem sempre apresentaram bons resultados, e a eliminação de mecanismos de controle gerou aumento de despesas públicas e, além disso, o modelo gerencial afetou negativamente o ambiente de trabalho e o engajamento dos servidores.
Ficou evidente que a administração pública precisa ser revista, pois ela não pode ser substituída completamente pela lógica da gestão privada, considerando que seus princípios, valores e objetivos são consideravelmente distintos; afinal, a população não deve, sob nenhuma hipótese, ser tratada como um consumidor (Rocha, 2000).
TEORIAS E CONCEITOS DE GOVERNANCE
Temos como concepção contemporânea de gestão pública fundamenta-se em um modelo estatal que por sua vez não se alinha mais ao Estado de Bem-Estar Social, mas tampouco se enquadra nos moldes do Estado Liberal (Rocha, 2000). Trata-se de uma novíssima etapa da reforma gerencial, ainda em processo inicial. Após as críticas dirigidas à Nova Gestão Pública e à Governança Reinventiva, emergiram debates em torno da ideia de Governança. O Estado vivenciou um processo acentuado de descentralização, repassando suas atribuições ao setor privado, o que resultou em um esvaziamento institucional, alterando tanto os métodos operacionais quanto a natureza real da administração pública (Bilhim, 2013; Correia et al., 2016).
Definir esse conceito não é uma tarefa simples, pois a Governança é apresentada mais como um reconhecimento de mudanças do que como um modelo teórico bem estruturado e sistematizado (Frederickson et al., 2012). Durante o desenvolvimento de estudos acadêmicos, uma das principais dificuldades enfrentadas é a imprecisão conceitual, algo que também atinge o termo Governança. Seu uso tornou-se amplamente difundido, sendo aplicado muitas vezes sem critérios bem definidos. A complexidade do conceito decorre de sua origem e das diversas interpretações atribuídas a ele, que variam conforme o ponto de vista de cada pesquisador (Carrapato, Correia & Correia, 2019).
Segundo Frederickson (2012, p. 235), “Governança refere-se às relações horizontais e interinstitucionais no âmbito da administração, considerando o enfraquecimento da soberania, a redução das fronteiras entre jurisdições e uma estrutura institucional mais fragmentada no geral.”
Bilhim (2013, pp. 54 e 55), ao reunir diferentes perspectivas acadêmicas, define: “a governança é o conjunto de normas legais, diretrizes administrativas, procedimentos e limitações, normas e capacidades que viabilizam a atuação do Estado enquanto agente legítimo para produzir e distribuir serviços e bens públicos.”
Sob outro ponto de vista, a Governança também é compreendida como equivalente à Nova Gestão Pública, sendo concebida como uma nova forma de interação entre governo e cidadãos, com ênfase no bem coletivo. Os fundamentos dessa vertente estão apoiados na eficiência, no uso de ferramentas de mercado, foco nas necessidades da população, descentralização administrativa, clareza nas ações, transparência nos resultados e combate à corrupção.
Essa mudança na administração pública baseia-se no conceito de governança eficaz. Esse termo é interpretado como um referencial teórico que abrange interações colaborativas entre instituições, com a redução da relevância das divisões legais tradicionais e o crescimento da fragmentação estrutural. Segundo Rhodes (1996), a governança, mesmo com ampla disseminação, ainda falta de exatidão conceitual. O autor propõe: “a governança diz respeito a redes de interações entre órgãos autônomos, que atuam em conjunto com mercados e hierarquias como formas de organização para gerir recursos e exercer controle e coordenação” (Rhodes, 1996, p. 652).
Dessa forma, Rhodes (1996) aponta seis abordagens distintas para compreender esse novo conceito: Governança como Estado reduzido, o que sugere uma reorganização do papel do poder público, com uso de instrumentos mercadológicos e arranjos similares para ofertar serviços estatais. Essa visão pode ser resumida na afirmação de Stoker (1998, p. 23): “a governança é a forma aceitável de limitação de despesas públicas.” Nesse contexto, é possível identificar uma clara retração do Estado por meio da privatização e contenção dos gastos sociais.
Governança Corporativa: refere-se ao conjunto de práticas e sistemas pelos quais as instituições são dirigidas, organizadas e as decisões são tomadas estrategicamente.
Governança como Nova Gestão Pública: sustenta que a modernização do setor público depende de “menos intervenção governamental” e “mais governança”. Dentro dessa perspectiva, destacam-se os princípios propostos por Osborne e Gaebler para instaurar uma gestão com enfoque empresarial: gestão catalisadora, focada na comunidade, baseada na competição, orientada por propósitos, direcionada a resultados, voltada ao usuário, com abordagem empresarial, proativa, descentralizada e com forte influência das dinâmicas de mercado (Bilhim, 2013).
Boa Governança (Good Governance): surge este conceito inovador, relacionado à transparência, prestação de contas, Estado de Direito, participação cidadã ativa, responsabilidade e busca por consenso.
Governança como Sistema Sociocibernético: conforme Kooiman (1994), a governança pode ser compreendida como uma estrutura inserida em um sistema sociopolítico, resultado de diversos tipos de atuação provenientes de todos os agentes envolvidos. Dessa forma, as decisões políticas surgem dos próprios envolvidos, e não exclusivamente do Estado central.
Governança como Rede de Auto-organização: essa por sua vez é caracterizada como a gestão de redes conectadas, compreendida como uma modalidade de articulação social e interações interorganizacionais, marcada pela capacidade de autogestão, autonomia e independência administrativa. Para Rhodes (1996), essa nova abordagem baseada em redes conectadas superava o modelo tradicional de comando governamental, moldando suas políticas e definindo seus próprios contextos.
Segundo Rhodes (1996), após apresentar diferentes formas de entender a governança, o autor destaca os elementos compartilhados por essa noção: Conectividade entre entidades governamentais e não governamentais, com uma transformação na forma de perceber os limites entre esses domínios; Ligações entre os membros das redes, impulsionadas pela necessidade de repartir recursos e alcançar objetivos comuns; Laços fundamentados na credibilidade mútua e guiados por normas estabelecidas pelos próprios participantes; Autonomia nas deliberações com relação ao poder estatal.
Ao examinar as múltiplas visões de estudiosos, abordagens e interpretações sobre o tema, vale reforçar que isso não representa uma novidade para o gerenciamento governamental. O que se observa é uma convergência entre pensamentos que destacam a importância de incluir os envolvidos no processo, tanto no setor público quanto no privado, para garantir um atendimento de padrão elevado, justo e mais eficaz para a população (Correia e Vergueiro, 2018).
Gradativamente, as administrações públicas tornam-se menos centralizadas, mais distribuídas e mais propensas a transferir responsabilidades à esfera privada. É nesse cenário que despontam novas propostas conceituais, como: Governança Pública, Nova Gestão Pública e Neoweberianismo. À luz desse arcabouço teórico e de uma análise crítica da modernização gerencial, será discutido um dos paradigmas que sucede a Nova Gestão Pública: a Nova Administração Pública.
A NOVA GESTÃO PÚBLICA
Conforme Janet V. Denhardt e Robert B. Denhardt, a administração pública deve ser participativa, com servidores públicos voltados ao bem comum e à cidadania, adotando novas abordagens na formulação de decisões políticas e conquistando maior legitimidade perante a sociedade; essa postura aprimora a qualidade dos serviços e a proximidade com a população, enquanto os gestores compreendem que é mais produtivo “escutar” e “atender” do que “impor” e “controlar” (Denhardt e Denhardt, 2007).
Dar prioridade ao indivíduo é essencial, e a modernização da administração deve contemplá-lo, pois sua contribuição direta é indispensável para o bem-estar coletivo; dessa maneira, a gestão contemporânea precisa unir responsabilidade, parceria e envolvimento social (Vigoda, 2002). O Novo Serviço Público baseia-se em correntes teóricas como a Democracia Participativa, os Modelos de Comunidade e de Sociedade Civil, o Humanismo nas Organizações, a Nova Gestão Pública e a abordagem Pós-Moderna.
As correntes da Democracia Participativa destacam a importância de uma população mais ativa, ampliando seus direitos e deveres, incentivando igualdade, participação conjunta e diálogo, o que reforça seu engajamento e o desenvolvimento social (Denhardt e Denhardt, 2007). Já por sua vez, os Modelos de Comunidade e de Sociedade Civil ressaltam a credibilidade, o trabalho colaborativo e a troca eficiente como fundamentos para enfrentar o descontentamento político, exigindo que os gestores estabeleçam canais de interação para reforçar a vinculação entre a sociedade e o Estado e gerar uma atuação mais dinâmica (Denhardt e Denhardt, 2007).
Valorizar a pessoa é essencial, e a reformulação da gestão administrativa deve englobá-la, pois sua atuação ativa é essencial para o bem coletivo; por esse motivo, a administração pública atual precisa agregar responsabilidade, cooperação e participação cidadã (Vigoda, 2002). O Novo Modelo de Serviço Público baseia-se em abordagens como a Democracia Participativa, propostas comunitárias e da Sociedade Civil, Gestão centrada nas pessoas, Nova Governança Pública e a perspectiva Pós-Moderna.
As vertentes da Democracia Participativa enfatizam a importância de um cidadão ativo, ampliando suas liberdades e deveres, incentivando a justiça, envolvimento com a coletividade e diálogo, o que fortalece seu comprometimento e o desenvolvimento social (Denhardt e Denhardt, 2007). Já as propostas Comunitárias e da Sociedade Civil reforçam a credibilidade, a cooperação e a comunicação eficaz como fundamentos para enfrentar a insatisfação política, exigindo que os líderes formem redes colaborativas para fortalecer a proximidade entre a população e o Estado, fomentando uma atuação mais engajada (Denhardt e Denhardt, 2007).
Simultaneamente, a gestão com foco no ser humano e a Nova Governança Pública priorizam responder às necessidades dos trabalhadores, questionando o modelo burocrático tradicional baseado no controle (Denhardt e Denhardt, 2007). Por último, a perspectiva Pós-Moderna propõe que as ciências humanas utilizem métodos científicos para melhor compreender e analisar o comportamento humano, formulando novas ideias e interpretações (Denhardt e Denhardt, 2007).
Um dos pontos essenciais é que cada cidadão tem um papel a desempenhar na sociedade, mas a cidadania só se realiza em um propósito coletivo, voltado ao bem-estar de todos. Esse envolvimento do cidadão ao participar das decisões sociais torna-se um dever permanente em sua trajetória de vida. Ao mesmo tempo, o servidor público sente-se pertencente, engajado e com maior motivação, destacando-se o seu papel de servir ao bem coletivo. Nesse contexto, devem ser intensificados os esforços para estabelecer vínculos de credibilidade e colaboração entre os diversos membros da sociedade.
Na perspectiva da Nova Gestão Pública, o cidadão era tratado como um consumidor que busca maximizar seus benefícios, criando uma divisão entre os cidadãos e a administração pública. Já na abordagem atual, o cidadão é mais do que um consumidor, é um indivíduo com direitos e responsabilidades em uma sociedade ampla, com o propósito de promover o interesse público, enquanto consumidores não compartilham um objetivo coletivo, mas apenas interesses pessoais. O Novo Serviço Público estimula o cidadão a assumir suas obrigações e, em contrapartida, a administração pública reconhecerá sua participação e seu protagonismo.
Em seguida, destaca-se o princípio de “buscar o interesse comum”. Nas palavras de Denhardt (2007, p. 67):
Os administradores públicos devem contribuir para a formação de uma visão compartilhada e coletiva do interesse público. O intuito não é encontrar soluções imediatas baseadas em escolhas individuais. Pelo contrário, trata-se da criação de interesses e responsabilidades compartilhados em Denhardt (2007, P. 67).
A importância do bem coletivo é central nesse novo paradigma, embora seu significado seja amplo e mutável, pois depende da visão individual e se transforma com o passar do tempo. A forma como percebemos a administração pública e o bem comum afeta nossos comportamentos e atitudes, já que diferentes visões resultam em ações distintas. Os administradores públicos devem estimular o diálogo entre os membros da sociedade para alinhar valores comuns e construir uma compreensão coletiva acerca dos interesses da comunidade.
Há duas linhas principais de pensamento: o modelo tradicional normativo, que se baseia em princípios éticos e morais para orientar decisões; e o modelo libertário, que rejeita o bem comum se não puder ser mensurado, priorizando as preferências individuais; e ainda o modelo político-processual, que entende o interesse da coletividade como fruto do equilíbrio entre diversas demandas e opiniões. Este último é o alicerce do Novo Modelo de Serviço Público, que reconhece o papel dos servidores públicos no fortalecimento da cidadania e nas deliberações pautadas no bem coletivo.
Os adeptos do Novo Modelo de Serviço Público reforçam que o bem comum não é uma entidade fixa ou tão simples quanto interesses individuais; seu objetivo maior é ir além das vontades particulares para reconhecer aquilo que representa o melhor para todos. Nesse sentido, o papel dos servidores públicos é essencial para fomentar o diálogo entre os cidadãos sobre o bem coletivo, assegurando que os princípios e valores democráticos sejam devidamente respeitados.
O terceiro ponto fundamental é: priorizar a cidadania em lugar do consumismo? Segundo Denhardt (2007, p. 83): “O bem coletivo é promovido de forma mais eficaz por servidores públicos e cidadãos comprometidos em contribuir ativamente para uma sociedade na qual os gestores públicos e políticas públicas sejam encarados como um patrimônio da coletividade.”
Hoje, as políticas públicas surgem de uma relação complexa entre diferentes setores sociais, com demandas diversificadas, e, no cenário atual, o Estado já não detém sozinho o controle. As autoridades governamentais atuam em articulação com diversos setores sociais, como associações, ONGs e movimentos sociais, no esforço de encontrar saídas mais eficazes para os desafios coletivos. Assim, as soluções propostas são mais legítimas e os indivíduos envolvidos se sentem mais integrados ao processo decisório.
No novo modelo de gestão pública, o cidadão ocupa posição central. Ele precisa ser ouvido atentamente e considerado em todo o processo de formulação de políticas. Uma cidadania ativa traz benefícios ao processo público, pois a colaboração cidadã permite que o cidadão se veja representado nas ações do Estado e que suas expectativas sejam consideradas na formulação das ações públicas, contribuindo para a sua execução eficaz. Quando o indivíduo está genuinamente engajado nos resultados, isso gera maior responsabilidade e, como consequência, fortalece a credibilidade nos governantes.
Segundo a OCDE (2001), existem três etapas da cidadania participativa:
a) o acesso à informação, que estabelece uma relação unilateral, em que o governo fornece dados informativos ao cidadão; b) a consulta pública, caracterizada por uma comunicação bidirecional, em que o cidadão fornece retorno ao Estado; e c) a participação ativa, baseada em uma relação cooperativa com as autoridades, na qual o indivíduo participa diretamente das decisões e ações governamentais. A meta é promover o diálogo e o envolvimento em direção a uma gestão verdadeiramente democrática.
A administração pautada na liderança pública estimula uma cidadania participativa e consciente, desde que o governo seja transparente e disponível. O fortalecimento da autonomia do cidadão é essencial, pois ao se engajar nas decisões, ele passa a ser um agente de mudança, comprometido com o bem comum.
Entender que responsabilidade não é algo simplório constitui o quinto princípio destacado.
Segundo Denhardt (2007, p. 119): “Os servidores públicos devem ir além da lógica do mercado; é fundamental considerar os direitos garantidos pela Constituição, os valores sociais, as normas institucionais e os padrões éticos de atuação, bem como os anseios da população.”
Na concepção do Novo Modelo de Serviço Público, a responsabilidade (accountability) é vista como uma obrigação ética e legal de quem presta serviços. Mais do que uma questão técnica de entrega, trata-se de assegurar que os recursos públicos sejam usados com ética, eficiência e responsabilidade, permitindo que os servidores públicos disponibilizem informações que auxiliem os cidadãos a entender as decisões. Uma gestão eficaz exige clareza; se isso não for garantido, será necessário repensar os formatos de gestão e estimular transformações na cultura organizacional (Catarino, 2016).
A transparência e a responsabilidade na gestão pública são temas complexos. O Novo Modelo de Serviço Público questiona a visão de que os cidadãos seriam apenas consumidores e que os servidores atuariam apenas em função de resultados. Ao contrário, sustenta-se que a verdadeira responsabilização surge do fortalecimento da participação ativa do cidadão na administração pública. A responsabilidade no novo modelo de gestão pública vai além do cumprimento de normas, leis ou metas corporativas ou pessoais. Ela está fundamentada na ética, confiança e transparência. Com isso, o Novo Serviço Público propõe uma nova perspectiva de cidadania.
O sexto princípio destacado está intimamente ligado a essa concepção.
Segundo Denhardt:
Torna-se cada vez mais relevante que os servidores públicos exerçam uma liderança compartilhada baseada em princípios para ajudar os cidadãos a refletir e dar respostas a seus interesses comuns, ao invés de tentar controlar ou conduzir a sociedade em determinados rumos (Denhardt, 2007, p. 139).
Destaca-se a necessidade de ter um novo paradigma de liderança, sendo este um modelo renovado de líder público que apoie a comunidade, levando a compreender suas necessidades e potencial, integrando sua visão e atuando como impulsionador da ação. No Novo Serviço Público, a liderança tem de se fundamentar em princípios e ser compartilhada por toda a organização e comunidade.
Isso exige que o servidor público compreenda não apenas as demandas e os recursos de seus programas, mas também envolve o cidadão de maneira clara e participativa, buscando uma distribuição de poder com liderança baseada em comprometimento e honestidade. O sétimo princípio, “Dar prioridade às pessoas e não apenas aos resultados”, reforça que instituições públicas alcançam melhores resultados quando atuam com base na colaboração e na liderança compartilhada, respeitando todos.
Para esse modelo, valores como dignidade, ética, confiança, empatia e cidadania são indispensáveis, indo além do foco exclusivo na eficiência. Espera-se que os gestores respeitem uns aos outros e aos cidadãos, mas também sejam reconhecidos e valorizados, com estratégias participativas que promovem cidadania, fortalecem a confiança e incentivam uma prática democrática voltada ao envolvimento do cidadão.
APLICAÇÕES E PERSPECTIVAS DA NOVA GESTÃO
Os elementos fundamentais para a transformação do modelo vigente são a comunicação, as conexões colaborativas e a habilidade de organização. Quando um coletivo de indivíduos se encontra em situações de equidade, com o propósito de dialogar com respeito e agir em prol do interesse comum da sociedade, ocorre uma verdadeira transformação.
Por meio desse intercâmbio, os cidadãos conseguem expor novas propostas, diferentes percepções e, consequentemente, solucionar questões compartilhadas. Esse processo conjunto estabelece vínculos que aproximam os diversos envolvidos, fortalecendo a confiança recíproca.
Por meio dessa rede de cooperação, a capacidade institucional se expande, incluindo a aprendizagem conjunta, o envolvimento intelectual e ideológico, e tende a crescer continuamente. Com a ampliação dessa competência e sua difusão na sociedade, o cidadão passa a se comprometer mais com a participação pública, possibilitando ações com maior impacto transformador (Invdes e Booher, 2004).
O engajamento cívico deve ser entendido como uma rede de interações sociais, na qual cidadãos e autoridades atuam em conjunto para enfrentar desafios sociais, buscando soluções mais justas e equilibradas. Atualmente, a administração pública já não se restringe exclusivamente ao Estado, mas sim envolve uma partilha mais equitativa de poder entre os diversos participantes.
A presença ativa da sociedade, por meio da colaboração e da tomada de decisões conjuntas, ou seja, mecanismos de decisão compartilhados, é crucial para reconhecer que muitos dos impasses não são solucionados com deliberações isoladas de gestores. Antes de propor soluções, é necessário examinar os obstáculos e os motivos que geram os conflitos (Innves e Booher, 2004).
Com o objetivo de garantir uma implementação eficaz no futuro, é essencial revisar os métodos e estruturas administrativas, criando um contexto favorável, alicerçado em princípios democráticos, cidadania ativa e bem-estar público, que permita a participação da sociedade em todas as etapas do processo decisório do governo (Denhardt e Denhardt, 2007).
Em um cenário de cidadania engajada, os profissionais do setor público vão além da simples prestação de serviços, atuando como mediadores e articuladores, ampliando a habilidade de resposta pautada na ética e no compromisso. Com isso, emergem novas funções e competências para a mediação de conflitos, que são essenciais na busca por transformação (Denhardt e Denhardt, 2003).
O Novo Serviço Público tem sido discutido em âmbito internacional, desde os Estados Unidos até o Brasil, bem como em países da Europa, tais como Holanda, Itália e Suécia. Os temas abordados são bastante similares, buscando alternativas inovadoras para fortalecer a participação cidadã e promover a formação de comunidades com base em princípios compartilhados e diálogo participativo. Uma ilustração prática dessa perspectiva é a iniciativa “Cidadãos em Primeiro Lugar?”, que busca aproximar os agentes públicos da população, atendendo às demandas reais da comunidade mais vulnerável, enquanto o governo deve se mostrar receptivo às necessidades da sociedade, ouvindo e acolhendo suas solicitações.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise da evolução da administração pública, especialmente no contexto das reformas gerenciais e do movimento Pós-Nova Administração Pública, destaca a relevância de uma abordagem mais voltada ao indivíduo e à colaboração. O Novo Serviço Público, como paradigma debatido, valoriza princípios como respeito à dignidade, ética e autonomia, que são fundamentais para o desenvolvimento de um serviço estatal mais conectado com a sociedade. A mudança de um modelo burocrático para um que estimule o engajamento e a liderança compartilhada é essencial para lidar com os desafios atuais da gestão governamental.
Além disso, a importância de repensar as práticas administrativas, como já mencionado, não deve se restringir à adoção de tecnologias ou ao aumento da produtividade, mas sim à criação de vínculos mais empáticos com os cidadãos, tratando-os como colaboradores e incentivando o engajamento direto como eixo estruturante. A comunicação, o respeito mútuo e a cooperação são princípios essenciais para uma governança mais democrática.
Portanto, a transformação administrativa deve adotar uma lógica mais adaptável, inclusiva e moderna, que não vise apenas eficiência, mas também justiça, inclusão e sensibilidade social, levando em conta as verdadeiras carências da população. A atuação da gestão pública precisa ser no sentido de promover o bem comum, considerando as exigências da coletividade de forma mais empática e humanizada. Assim, a inserção social, a valorização do ser humano, a escuta ativa da população e a mobilização de diversos setores da sociedade são aspectos essenciais para o fortalecimento da administração pública e para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa e democrática, baseada em vínculos de confiança, cooperação e justiça social.
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