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Resumo
INTRODUÇÃO
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) configura-se como uma condição do neurodesenvolvimento caracterizada por déficits persistentes e precoces na comunicação e na interação social, bem como pela presença de comportamentos repetitivos e padrões restritos de interesse (American Psychiatric Association, 2013). A compreensão do TEA tem evoluído nas últimas décadas, especialmente após as revisões diagnósticas propostas pelo DSM-5, que consolidou a concepção de espectro, englobando diferentes manifestações clínicas, desde quadros mais leves a severos.
Nesse cenário, a avaliação neuropsicológica revela-se ferramenta essencial para analisar os aspectos cognitivos e comportamentais dos indivíduos, permitindo identificar tanto as dificuldades quanto as potencialidades. Essa avaliação engloba a análise de funções cognitivas superiores, tais como atenção, memória, linguagem, praxias, percepção e, particularmente, as Funções Executivas (FE), que são frequentemente comprometidas no TEA. As FE referem-se a um conjunto de processos mentais necessários para a autorregulação, planejamento, organização, flexibilidade cognitiva e controle inibitório, capacidades fundamentais para a adaptação social e escolar (Salles et al., 2016).
Diante da importância do tema, este estudo tem como objetivo geral investigar a relevância da avaliação neuropsicológica no TEA. Os objetivos específicos são: conceituar o TEA, delinear seu perfil neuropsicológico e discutir os principais instrumentos e procedimentos utilizados na avaliação neuropsicológica infantil. Para tanto, foi realizada uma pesquisa bibliográfica baseada em artigos científicos nacionais e internacionais, priorizando produções recentes, visando oferecer uma visão atualizada e crítica.
TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA)
Até a quarta edição revisada do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV-TR), o autismo figurava no grupo dos Transtornos Globais do Desenvolvimento, junto com a Síndrome de Asperger, transtorno desintegrativo da infância, Síndrome de Rett e transtorno global do desenvolvimento sem outra especificação. A partir do DSM-5, em 2013, ocorreram mudanças significativas na classificação: a Síndrome de Rett foi excluída do manual, e a terminologia passou a adotar o termo Transtorno do Espectro Autista (TEA), com critérios diagnósticos centrados na interação e comunicação social prejudicadas e na presença de comportamentos repetitivos e estereotipados (American Psychiatric Association, 2013).
O TEA apresenta maior prevalência em indivíduos do sexo masculino, com uma razão aproximada de 4:1, e afeta cerca de 1% da população mundial (American Psychiatric Association, 2013). Do ponto de vista neuroanatômico, diversas estruturas cerebrais são associadas ao TEA, entre as quais se destacam:
A etiologia do TEA é multifatorial e heterogênea, resultando da interação entre fatores genéticos e ambientais. Em alguns casos, as manifestações decorrem de alterações genéticas, como mutações e anomalias cromossômicas, enquanto em outros, predomina a influência de fatores ambientais, incluindo exposições pré-natais a agentes virais, substâncias tóxicas ou fármacos (Chakrabarti et al., 2015).
PERFIL NEUROPSICOLÓGICO DO TEA
As Funções Executivas (FE) são amplamente afetadas em indivíduos com TEA, apresentando semelhanças com os déficits observados em casos de comprometimento do córtex pré-frontal (Neumann et al., 2016). As FE consistem em processos cognitivos superiores que incluem planejamento, organização, controle inibitório, memória operacional, flexibilidade cognitiva, atenção, autorregulação emocional e tomada de decisões (Diamond, 2013; Salles et al., 2016).
Diversos estudos indicam comprometimentos em habilidades executivas em crianças, adolescentes e adultos com TEA, notadamente no planejamento, inibição de respostas, flexibilidade e memória de trabalho (Jones et al., 2018). Tais déficits contribuem para comportamentos inflexíveis, dificuldades comunicativas e limitações na interação social. Entretanto, há ainda controvérsias quanto a quais componentes das FE são mais comprometidos ou preservados no espectro.
Além das FE, déficits na percepção emocional e na Teoria da Mente (TM) são características marcantes no TEA. A TM refere-se à capacidade de atribuir estados mentais a outras pessoas, compreendendo intenções, crenças e emoções, e é essencial para a interação social (Libero et al., 2014). Indivíduos com TEA apresentam dificuldades em tarefas que envolvem falsas crenças e no reconhecimento de emoções complexas, como tristeza e medo (Wong et al., 2012; Salles et al., 2016).
O processamento de informações sociais e emocionais está associado à ativação do sistema de neurônios-espelho e redes de mentalização. Estudos com adultos jovens no espectro evidenciam alterações na ativação e sincronização dessas redes cerebrais, comprometendo a interpretação de intenções e ações alheias (Libero et al., 2014).
Para interações sociais eficazes, habilidades prévias são necessárias, como contato visual, reconhecimento de expressões faciais e compreensão de gestos. No TEA, padrões atípicos de rastreamento ocular e menor precisão no reconhecimento emocional prejudicam essas competências (Wong et al., 2012).
Portanto, a investigação neuropsicológica do TEA deve contemplar não apenas os déficits, mas também as potencialidades individuais, respeitando a heterogeneidade do espectro.
A NEUROPSICOLOGIA E A AVALIAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA DO TEA
A neuropsicologia é uma área dedicada ao estudo das relações entre o funcionamento cerebral e o comportamento humano, situada na interseção das neurociências (Salles et al., 2016). Na infância, a avaliação neuropsicológica tem o propósito de identificar alterações no desenvolvimento cognitivo e comportamental, especialmente diante da suspeita de transtornos neurológicos ou do neurodesenvolvimento, como o TEA.
Entre as funções cognitivas mais avaliadas destacam-se as Funções Executivas, que englobam processos complexos de autorregulação, atenção seletiva, controle inibitório, planejamento, organização, flexibilidade cognitiva e memória operacional (Barros; Hazin, 2013). Para aferir essas funções, utilizam-se instrumentos padronizados como: Teste de Cancelamento de Cartas de Wisconsin, Subteste de Cubos das Escalas Wechsler, Teste de Stroop, Teste de Trilhas, Figuras Complexas de Rey e Subteste de Função Executiva e Memória de Trabalho do NEUROPSI-INF (Salles et al., 2016).
A avaliação neuropsicológica permite identificar déficits e competências preservadas, fornecendo subsídios para intervenções clínicas e educacionais que promovam o desenvolvimento e autonomia das crianças com TEA (Pereira; Maia, 2015). O processo avaliativo inclui anamnese detalhada, entrevistas com familiares e professores, aplicação de testes e escalas, além da coleta de informações multidisciplinares (Malloy-Diniz et al., 2010).
Contudo, crianças com TEA em níveis mais severos frequentemente apresentam dificuldades que limitam a aplicação de testes neuropsicológicos padronizados, devido a prejuízos na linguagem e na interação social. Nesses casos, são recomendadas técnicas como observação direta e escalas comportamentais (Colombi; Ghaziuddin, 2017). Assim, a avaliação exige planejamento individualizado, baseado no perfil comportamental, nível de compreensão e estágio de desenvolvimento da criança.
IMPLICAÇÕES CLÍNICAS E EDUCACIONAIS
A avaliação neuropsicológica no TEA tem papel fundamental no diagnóstico diferencial, na identificação de comorbidades e no planejamento de intervenções que atendam às necessidades específicas da criança. O conhecimento das áreas comprometidas permite estabelecer estratégias personalizadas que visem à melhoria da comunicação, do controle emocional e da adaptação social (Chakrabarti et al., 2015).
Na escola, os resultados da avaliação auxiliam na elaboração de Programas Educacionais Individualizados (PEI), promovendo a inclusão e o desenvolvimento das habilidades socioemocionais e cognitivas. Além disso, orienta a família e os profissionais sobre as dificuldades e potencialidades, favorecendo a promoção de ambientes mais acolhedores e estruturados (Pereira; Maia, 2015).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este estudo ressaltou a importância da avaliação neuropsicológica no contexto do Transtorno do Espectro Autista, destacando a complexidade e heterogeneidade do perfil neurocognitivo desses indivíduos. As Funções Executivas e a Teoria da Mente emergem como áreas centrais na compreensão das dificuldades sociais e comportamentais características do TEA. A utilização de instrumentos adaptados e a compreensão do contexto individual são imprescindíveis para um diagnóstico preciso e um planejamento eficaz.
O aprofundamento da pesquisa nessa área contribui para a construção de estratégias terapêuticas e educacionais que promovam maior autonomia, inclusão e qualidade de vida para crianças com TEA e suas famílias. Futuras investigações devem priorizar métodos multidisciplinares e longitudinalidade para mapear o desenvolvimento neuropsicológico ao longo da vida.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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SALLES, J. F. et al. Neuropsicologia do desenvolvimento: infância e adolescência. Porto Alegre: Artmed, 2016.
WONG, N. et al. Facial emotion recognition in children with high functioning autism and children with social phobia. Child Psychiatry, v. 43, n. 5, p. 775-794, 2012. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1007/s10578-012-0296-z>. Acesso em: 02 Maio. 2025.
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