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Resumo
INTRODUÇÃO
A Independência do Brasil é uma temática considerada essencial para que se compreenda a história de nosso país, é apontada como um dos principais conteúdos a serem abordados e trabalhados com os estudantes da educação básica. É de grande importância que o estudante compreenda esse processo de independência política, que foi mantido duramente ao longo do século XIX, mediante as questões sociais, econômicas e culturais existentes naquele período. Todo o prelúdio do processo foi marcado por conflitos, levantes e insatisfação da população em sua maioria pobre, um conjunto de situações atrelado a um contexto peculiar, particular, para uma espécie de processo de independência que só existiu aqui em nossa nação.
O estudo da independência traz algumas características que a diferem das declarações de outras colônias, como é o caso da América espanhola e da América do Norte: primeiro, por ter sido proclamada por um membro da própria família real metropolitana, e não um líder revolucionário; segundo, por ser mantido um regime monárquico e não republicano; terceiro, por não ter ocorrido um completo rompimento com a metrópole, e sim uma quebra parcial de contatos, e por fim, pela preservação da unidade territorial, graças ao apoio das elites aristocráticas e de seus diversos interesses. De modo geral, esses fatores têm por objetivo incitar o estudante à abordagem das questões referentes às mudanças e permanências no contexto de um período conhecido pela Historiografia como Primeiro Reinado.
Não se pode esquecer, é claro, da questão de Nação, de pertencimento, ressaltando a inexistência de uma identidade brasileira anterior à independência, pelo fato de que muitos se identificavam mais com a região onde viviam do que com a colônia como um todo, pois naquela época nascer no Brasil não significava pertencer a uma nação brasileira e sim, ter nascido na colônia portuguesa.
Neste contexto, a delimitação do assunto tratado se concentra na forma como o processo de Independência do Brasil é abordado na educação básica, com o objetivo de compreender de que maneira o ensino deste tema contribui para a construção do pensamento crítico e da identidade nacional entre os estudantes. O problema central reside na relevância e complexidade da abordagem desse conteúdo, considerando se há metodologias consolidadas que favoreçam uma compreensão crítica ou se o ensino ainda apresenta lacunas significativas.
Nesse sentido, algumas perguntas norteadoras emergem: Como o processo de Independência do Brasil é ensinado na educação básica? De que forma essa abordagem contribui para a formação da identidade nacional dos estudantes? Quais desafios e possibilidades existem para promover uma compreensão crítica e contextualizada desse tema?
A justificativa da escolha deste tema está na relevância de repensar as práticas pedagógicas no ensino da Independência do Brasil, considerando a complexidade do processo histórico e sua importância para a formação cidadã. A proposta deste estudo se destaca por buscar uma abordagem mais crítica e reflexiva, que vá além da simples memorização de datas e fatos, promovendo a análise de contextos e das múltiplas vozes envolvidas no processo histórico. O diferencial está na intenção de propor soluções aplicáveis ao contexto educacional, contribuindo para um ensino mais dinâmico e significativo. A motivação para o desenvolvimento deste trabalho surge da necessidade de formar cidadãos mais conscientes de sua história e de seu papel na sociedade.
O objetivo geral deste estudo é analisar a abordagem da Independência do Brasil na educação básica, identificando desafios e propondo estratégias para um ensino mais crítico e reflexivo.
Os objetivos específicos incluem: compreender as metodologias atualmente utilizadas no ensino da Independência do Brasil; identificar as principais dificuldades enfrentadas por professores e alunos no processo de ensino-aprendizagem; e sugerir práticas pedagógicas que favoreçam uma compreensão crítica e contextualizada do tema.
Assim, busca-se responder: O que é o ensino da Independência do Brasil na educação básica? Para que serve essa abordagem no processo de formação cidadã? Como funciona o processo de ensino-aprendizagem desse conteúdo nas escolas? Para aprofundar a análise, serão considerados estudos de casos de sucesso que evidenciam boas práticas pedagógicas, bem como pontos negativos e desafios relacionados ao ensino tradicional, muitas vezes limitado a uma perspectiva eurocêntrica e descontextualizada da realidade dos alunos.
INDEPENDÊNCIA DO BRASIL PELA ÓTICA DOS LIVROS DIDÁTICOS
O estudo do processo de nossa emancipação política em sala de aula deve ser um exercício necessário para projetarmos nosso futuro como brasileiros e cidadãos. Compreender as origens do Brasil independente, seus personagens, conflitos e desafios históricos é essencial para formar indivíduos conscientes de seu papel na sociedade. Conforme Rezzutti:
Algo nos falta, como cidadãos, quando não valorizamos nosso patrimônio material e imaterial. Muitas vezes, determinados elementos são menosprezados por se ligarem a certas pautas políticas ou ideológicas. Ainda assim, são parte de uma história em comum e que não pode ser esquecida, devendo ser protegidos contra a destruição causada pelo esquecimento (Rezzutti, 2022, P. 13).
Dessa forma, a narrativa do processo de Independência do Brasil deve seguir nos livros didáticos, no formato de uma abordagem significativa e bastante condizente com sua importância para a história da formação do nosso país. A preservação dessa memória histórica é fundamental para a construção de uma identidade nacional sólida e consciente.
As obras analisadas pertencem a diversas coleções editoriais e projetos atuais como: FTD e Moderna, todas pertencentes ao Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD 2024). Ao examinar os materiais utilizados nas escolas, é possível identificar lacunas no conhecimento que necessitam de maior ênfase, especialmente no que diz respeito à crítica histórica e à análise de múltiplos pontos de vista sobre os eventos da Independência.
A primeira obra analisada foi o projeto Araribá Conecta, editora Moderna, da autora Maria Clara Antonelli. A partir da análise do capítulo abordado, que se intitula “A Independência do Brasil e o Primeiro Reinado”, observa-se que, grosso modo, a autora aborda o conteúdo de uma forma histórica narrativa, não condizente com as preocupações da problematização da história ou da criticidade dos alunos. Além disso, Antonelli junta dois temas em um mesmo capítulo, que na maioria das obras encontram-se em capítulos diferentes. A falta de uma abordagem crítica, que permita ao aluno refletir sobre os processos históricos e suas implicações no presente, é uma das lacunas mais evidentes na obra. Já na capa do capítulo, observa-se três pinturas que podem confundir a interpretação individual, pois uma delas representa a coroação de Dom Pedro I, e a segunda, uma obra com o título “Pano de boca executado para a representação extraordinária dada no teatro da corte por ocasião da coroação de Dom Pedro I, imperador do Brasil” do artista Jean-Baptiste Debret, que poderia gerar um desconforto coletivo pelo não entendimento e relação das duas pinturas. E a terceira, “Entrada do exército libertador”, de Presciliano Silva, acompanhada por um texto enfadonho. Essa falta de clareza e conexão entre as imagens e seus significados compromete a compreensão do processo histórico pelos estudantes.
Nesta obra, a autora contempla os alunos com várias abordagens que marcaram o período pré-independência, muito antes da chegada da família real portuguesa ao Brasil, apontando eventos históricos como o Tratado de Methuen, a crise portuguesa, a Conjuração Mineira e a Baiana, tornando o capítulo mais denso e maçante. A densidade do conteúdo acaba por afastar o estudante do aprendizado crítico, ao invés de estimulá-lo a refletir sobre as diversas dimensões que envolveram o processo de independência, como as relações sociais, culturais e políticas. Mesmo com a presença de uma seção denominada “Em Debate”, que trata de um bate-papo sobre a história de Tiradentes, nota-se bastante regular a questão da problematização histórica, apesar do uso de dois textos e uma imagem. A crítica aos eventos históricos e suas repercussões na formação do Brasil, bem como a falta de uma análise das categorias fundamentais, como sujeito histórico e poder, prejudicam a apropriação crítica do conhecimento histórico. Essas lacunas precisam ser superadas, para que os alunos compreendam como esses elementos se articulam para a construção do contexto histórico.
Um dos pontos positivos da obra é a presença de textos “boxe”, ampliando o conhecimento a respeito de tópicos e enunciados importantes dentro do texto. A coleção oferta ao longo do capítulo várias citações de referências, muitos livros de especialistas nos mais variados tópicos. No entanto, o grande problema está relacionado à realidade dos estudantes de escolas públicas, que muitas vezes não têm condições ou interesse em pesquisar sobre obras e autores. Nesse caso, o melhor para esse tipo de ferramenta de pesquisa didática seria a inclusão de links e sites que pudessem, de fato, enfatizar o conteúdo trabalhado de forma mais condizente com a realidade dos jovens imersos na “Era digital”.
Sobre isso, Saviani (2009) e Libânio (2009) discutem essas questões, destacando dois desafios: tornar acessíveis as tecnologias voltadas à aprendizagem ativa e considerar uma abordagem crítica na seleção dos conteúdos compartilhados com as futuras gerações. Dessa forma, a adoção de tecnologias educacionais e ideias inovadoras em escolas geram impactos tanto nos elementos humanos (visão e competência) quanto nos técnicos (recursos digitais e infraestrutura), possibilitando uma aprendizagem mais significativa e contextualizada.
Outro ponto positivo da obra diz respeito a uma análise aprofundada sobre o famoso quadro Independência ou Morte, também conhecido como O Grito do Ipiranga, do pintor paraibano Pedro Américo, destacando as diversas interpretações e curiosidades sobre esta icônica pintura. No entanto, a autora falha ao não utilizar links digitais que poderiam auxiliar na execução e resolução das questões propostas. Apesar disso, a obra consegue destacar a criticidade e reflexão dentro do contexto estudado, o que é positivo. No entanto, a coleção não destaca no texto os personagens, suas nuances e importâncias para o desdobramento desse conteúdo, sobretudo a crucial participação de Dona Leopoldina, primeira Imperatriz do Brasil, nas decisões e na constituição do Primeiro Império Brasileiro. Essa lacuna na obra revela uma visão incompleta da história da Independência, negligenciando figuras femininas fundamentais que desempenharam papéis essenciais no processo de emancipação.
A segunda coleção analisada foi desenvolvida por Leandro Karnal, Felipe de Paula Góis Vieira, Luiz Estevam de Oliveira Fernandes, Isabela Backx e Marcelo Abreu; produzida também pela editora Moderna.
O primeiro ponto positivo da obra está presente na preocupação de conceitos basilares da ciência historiográfica, espaço e tempo. São consideradas categorias essenciais para as ciências humanas, sobretudo para a história, pois compõem os principais eixos por meio dos quais se compreendem os eventos, os fenômenos e os processos históricos. Conforme a BNCC:
O raciocínio espaço-temporal baseia-se na ideia de que o ser humano produz o espaço em que vive, apropriando-se dele em determinada circunstância histórica. A capacidade de identificação dessa circunstância impõe-se como condição para que o ser humano compreenda, interprete e avalie os significados das ações realizadas no passado ou no presente, o que o torna responsável tanto pelo saber produzido quanto pelo controle dos fenômenos naturais e históricos dos quais é agente. A abordagem das relações espaciais e o consequente desenvolvimento do raciocínio espaço-temporal no ensino de Ciências Humanas devem favorecer a compreensão, pelos alunos, dos tempos sociais e da natureza e de suas relações com os espaços. A exploração das noções de espaço e tempo deve se dar por meio de diferentes linguagens, de forma a permitir que os alunos se tornem produtores e leitores de mapas dos mais variados lugares vividos, concebidos e percebidos (Brasil, 2018. p. 353).
Outro fator positivo da obra de Karnal e seus respectivos autores, esta na superação de antigas práticas pautadas na ideia de que os estudantes são meros receptores e reprodutores de informações, pois são utilizadas metodologias ativas visando à formação de sujeitos críticos, autônomos e protagonistas do mundo em que vivem. Percebe-se por meio da análise aprofundada desta coleção que o professor deixa o papel de único detentor dos saberes e assume a posição de facilitador/mediador, cuja função é orientar o desenvolvimento de pesquisas e os debates que lhe são inerentes. Os autores orientam nesta coleção que os conhecimentos adquiridos durante a formação acadêmica devem ser somados à sua experiência em sala de aula, dessa forma, o professor pode estabelecer metas, escolher os melhores caminhos e gerenciar as dificuldades que porventura apareçam, assim como, por exemplo, as indagações dos estudantes a respeito da importância do conhecimento histórico. Ou seja, a formação acadêmica e prática em sala de aula, associadas a uma postura ética e aberta ao diálogo, legitimam a atuação dos docentes em seu relacionamento com os estudantes, sua função como agente histórico e também, com os demais integrantes da comunidade escolar.
Nesta coleção, pode-se observar o esforço dos autores em incentivar a reflexão do alunado por meio de projetos, debates, entre outras estratégias. No capítulo referente à Independência do Brasil, a presença de um box sobre a pintura Independência ou morte, de Pedro Américo, enfatiza a necessidade da análise da obra baseando-se na sua concepção, ocorrida quase setenta anos depois do evento histórico, além de dois questionamentos fundamentais para a introdução da temática. Nas primeiras páginas do capítulo referentes à transferência da Corte portuguesa para o Brasil, outro box é utilizado para ressaltar o painel de Portinari, denominado a chegada de dom João VI à Bahia, de 1952. Ao longo da obra, nota-se a preocupação de utilizar imagens inerentes ao conteúdo como as gravuras de Johann Moritz Rugendas e Jean-Baptiste Debret e vários quadrinhos que explicam por meio de uma visão social e populacional a cidade do Rio de Janeiro no início do século XIX. Ademais, os autores buscam também uma reflexão sobre a exclusão de alguns grupos sociais como negros e mestiços, e os mecanismos de controle utilizados para isso.
Outro ponto positivo desta coleção diz respeito à Revolução Pernambucana de 1817, pois, diferente de outras obras e autores que trazem apenas grandes nomes e figuras masculinas, além de resumos insignificantes, Karnal desenvolve uma narrativa interessante e bastante intrigante sobre a história de Bárbara de Alencar, a icônica dona Bárbara do Crato, Ceará, a inimiga do rei. Isso demonstra uma quebra de paradigmas tradicionais e por vezes machistas. Infelizmente, a obra peca em não expor outras importantes personagens que tiveram importantes papéis e decisões no desfecho da independência, dona Leopoldina e José Bonifácio.
No tópico que diz respeito à proclamação da independência, foi utilizada de forma eficaz uma tirinha de Alexandre Beck, 2019, cujo personagem denomina-se Armandinho que ironiza a exploração do Brasil não somente por Portugal, mas também pela Inglaterra e outras nações. Logo após é adicionado o box “ agora é com você” com três perguntas para os estudantes responderem no caderno. Os autores também utilizam comparações entre as duas principais obras referentes à temática, a pintura Independência ou Morte de Pedro Américo e a representação feita pelo francês François-René Moreaux, a proclamação da independência, a qual expõe dom Pedro como um herói popular, aclamado pelo povo.
As atividades propostas foram desenvolvidas para ampliar o conhecimento e avaliar os educandos. Nota-se uma imensa tendência às discussões socioculturais como o surgimento da capoeira e as principais características da escravidão no Brasil daquele período. São propostos problemas para incentivar os estudantes a trabalhar de modo colaborativo, descobrindo possíveis soluções com base nos conhecimentos adquiridos e nas experiências da vida cotidiana. Nessas atividades, a autonomia dos estudantes é incentivada, pois, para realizá-las, eles precisam tomar decisões e exercitar habilidades como a cooperação, a iniciativa e o pensamento original.
ABORDAGEM TRADICIONAL VERSUS ABORDAGEM INTERDISCIPLINAR
A coleção de Leandro Karnal possui uma abordagem interdisciplinar envolvendo, prioritariamente focada no olhar atento dos docentes para essa perspectiva, aproveitando as oportunidades em sala de aula para demonstrar que determinado objeto necessita do conhecimento de outros componentes. Por exemplo: o livro tenta articular, além de textos e contextos baseados em periodização, passado e presente, tempo e espaço, contempla leituras e interpretações de gráficos que vão requerer a mobilização de conhecimentos de matemática; para elaborar textos de diversos gêneros, entrevistas ou para interpretar fontes históricas escritas de variadas tipologias, os estudantes podem recorrer aos conhecimentos que têm de língua portuguesa. Nesta coleção, os boxes “Se liga no espaço!” e “Imagens em contexto!” envolvem, respectivamente, o saber cartográfico da geografia e o saber iconográfico das artes plásticas. Dessa forma, os boxes são utilizados com o objetivo pedagógico de direcionar a atenção dos estudantes para os elementos mais significativos das imagens apresentadas, favorecendo assim, uma abordagem mais completa dos conteúdos apresentados e integrada a outros componentes curriculares. Ou seja, “conteúdos específicos são ensinados com um método comum a todas as disciplinas” (Bittencourt, 2008, p. 255-256).
Além disso, a interdisciplinaridade presente nesta coleção não apenas enriquece o conteúdo, mas também propicia uma formação mais holística para os estudantes. Ao trabalhar diferentes linguagens e contextos, os alunos conseguem perceber a história como algo que transcende o limite da disciplina de História, conectando-se com as artes, a geografia, e até mesmo com a matemática, proporcionando uma visão mais ampla e integrada do mundo. Isso é fundamental para o desenvolvimento de um pensamento crítico e a construção de uma compreensão mais profunda dos eventos históricos e suas inter-relações com o presente.
Por fim, a temática nesta coleção foi trabalhada de maneira sistemática e eficiente, no entanto, como já foi citado, questões como a importância da Imperatriz dona Leopoldina e de outras personagens da família real não foram citadas e nem exploradas para a exposição geral de suas participações em decisões cruciais para o desenrolar da emancipação política do nosso país. Essa lacuna é importante, pois personagens como Dona Leopoldina tiveram papéis decisivos na política brasileira durante o processo de independência, e sua falta de destaque pode enfraquecer a compreensão dos alunos sobre a complexidade e a diversidade dos protagonistas históricos nesse período.
A produção histórica se faz a partir do intenso diálogo com outras áreas do conhecimento, por meio das quais desenvolve suas teorias e métodos para o estudo de seu objeto, neste caso, o humano no tempo. Por este motivo, as diversas coleções devem estar de acordo com as abordagens interdisciplinares, com a devida noção de que elas não eliminam a identidade dos diferentes componentes curriculares, mas a reforçam ao ampliar os respectivos horizontes de pesquisa, incorporar metodologias e propor temas e problemas a serem abordados. Esse aspecto é essencial para que os estudantes se sintam estimulados a buscar conhecimento de maneira mais abrangente e crítica, envolvendo múltiplas dimensões de análise.
A terceira e última obra analisada diz respeito à coleção História, Sociedade e Cidadania, de Alfredo Boulos Júnior, da editora FTD Educação. Como principais características, o autor emite em suas obras visivelmente um rigor conceitual, atualização historiográfica e uma eficiente e real comunicação com os estudantes. A partir de uma análise mais aprofundada da obra, pode-se notar uma adesão à corrente historiográfica da Nova História, que atribui grande importância à História Social e Cultural, além de enfatizar uma constituição do passado por meio do presente e de considerar toda a ação e participação humana como agentes constituintes e formadores da História.
Esse viés histórico, focado na perspectiva social e cultural, também contribui para a conscientização dos alunos sobre a importância de compreender o passado não apenas como um conjunto de fatos isolados, mas como uma rede de interações e influências que formaram a sociedade como a conhecemos. A proposta de resgatar a historicidade e as múltiplas temporalidades presentes nos eventos históricos também reflete a necessidade de tornar o ensino mais dinâmico e adaptado às realidades dos alunos, o que é essencial em tempos de constante mudança.
Algumas preocupações são bastante perceptíveis, como se as novas gerações estivessem mergulhadas em uma espécie de presente contínuo, uma realidade de laços rompidos com o passado, e que esse “novo”, principal marca da sociedade atual, forjasse tudo ao efêmero envelhecimento. Ou seja, as gerações encontram-se absurdamente em uma dimensão hiper veloz e pronta para ser superada, substituída. O autor procura tratar de temas para o ensino de história, como a questão da historicidade e das múltiplas temporalidades baseadas no viés social e cultural, e, por fim, tenta ressaltar a importante necessidade de alterações nos livros didáticos, sobretudo, graças à era digital. As novas tecnologias oferecem ferramentas que possibilitam a aproximação dos alunos com diferentes fontes de conhecimento, tornando o ensino mais interativo e alinhado às formas contemporâneas de aprendizagem.
Nesse sentido, a adaptação dos livros didáticos à era digital é um ponto crucial, pois, ao incorporar tecnologias e novas abordagens metodológicas, os professores conseguem proporcionar um ensino mais envolvente e dinâmico, capaz de despertar a curiosidade e o pensamento crítico dos alunos. A proposta de Boulos Júnior é clara ao apontar que o ensino de História precisa acompanhar as transformações da sociedade e utilizar as ferramentas disponíveis para que os estudantes possam compreender de maneira mais completa e contextualizada os eventos históricos que moldaram o Brasil. Isso, por sua vez, reforça a importância do estudo da emancipação política e da formação do país, pois é necessário que os alunos se apropriem dessa história para poder refletir sobre o presente e projetar um futuro mais consciente e participativo.
Percebem-se ao longo da análise algumas questões que nos permitem fazer as seguintes considerações: o autor tenta fazer uma renovação com algumas mudanças nos veículos facilitadores da aprendizagem, como imagens, mapas e atividades, a fim de proporcionar aulas estimulantes. Por exemplo, no capítulo sobre a independência, utiliza-se de alguns boxes com questionamentos para o estudante, baseados em contradições das pinturas expostas. Sua obra não pode ser vista como uma perspectiva de historiografia tradicional, pois o autor utiliza-se de artifícios e atividades que buscam a reflexão do aluno, estimulando-o a pensar criticamente sobre os eventos históricos e suas múltiplas interpretações.
Boulos Júnior utiliza alguns boxes denominados “#dica”, com links para serem acessados pelos estudantes via internet, no ambiente escolar ou na própria casa. Essas conexões entre livro impresso e as facetas da era digital possibilitam uma melhor abordagem e desempenho do alunado, se comparado com outras coleções que não possuem esse tipo de ferramenta. Além disso, a existência de alguns quesitos com a utilização da literatura, fotos e charges enriquece a didática em sala de aula, tornando o processo de ensino-aprendizagem mais dinâmico e alinhado com os avanços tecnológicos atuais. Esses recursos são fundamentais para aproximar os alunos de uma realidade mais conectada, permitindo-lhes explorar o conteúdo de forma mais interativa e atualizada.
No entanto, a coleção falha em alguns pontos da constituição da narrativa. O conteúdo demonstrou-se muito simplificado no que se refere à temática da independência, apesar de ser um dos vícios tradicionais dos livros didáticos no Brasil. Outro fato é que alguns textos didáticos complementares não contribuem de modo satisfatório para o desenvolvimento das habilidades cognitivas do educando. A obra apresenta uma produção em que o autor muda rapidamente o foco de análise sem que o estudante tenha compreendido o conteúdo proposto anteriormente. Por exemplo, ao falar brevemente sobre a proclamação da independência, o autor já aborda um novo conteúdo histórico voltado para um novo contexto, seguindo um raciocínio cronológico, mas deixando a desejar em relação ao aprofundamento do assunto trabalhado anteriormente. Essa falta de continuidade e aprofundamento pode prejudicar a compreensão dos alunos, tornando o aprendizado fragmentado e superficial.
Boulos Júnior cita as classes sociais, baseando-se, sobretudo, nas elites, mas não aborda as classes politicamente vulneráveis, como a questão do povo brasileiro. Em nenhum momento o autor desperta no aluno a possibilidade de que as massas populares no Brasil fossem muito diversificadas, de acordo com suas províncias e regiões, deixando um pouco a desejar nesse aspecto. A ausência de uma análise mais detalhada sobre o papel do povo na independência e em outros eventos históricos importantes resulta em uma visão limitada do processo histórico. Nesse caso, o autor não consegue alcançar um resultado completamente satisfatório ao se analisar a questão referente à constituição textual e narrativa do capítulo, uma vez que ele omite a complexidade social e política do Brasil daquele período.
A linguagem utilizada pelo autor é didática, pois emprega vocábulos simples, na sua maioria constituída de palavras claras e precisas, e faz uso de um glossário para a interpretação daquelas menos utilizadas pelos alunos. De forma geral, os textos abordados, como “para saber mais” e “para refletir”, são de fácil compreensão, com uma linguagem acessível e são permeados por imagens variadas. Porém, algumas dessas imagens, como as gravuras de representações da época e atuais, acabam sendo pouco contextualizadas, o que prejudica sua compreensão. As atividades propostas no capítulo obedecem aos critérios de progressão com clareza e objetividade, mas, em alguns casos, poderiam ser mais desafiadoras para os estudantes, incentivando uma reflexão mais profunda e crítica sobre os conteúdos trabalhados.
Algumas das atividades do livro tentam possibilitar a reflexão crítica dos alunos, uma vez que propõem a construção de respostas pessoais nas questões subjetivas, exigindo dos discentes, na maioria das vezes, uma comparação com outros textos e autores, e uma observação ou explicação do que se pede. A ausência de charges, no entanto, mostrou-se um ponto negativo da coleção. Uma das principais charges utilizadas por diversos autores ao longo dos anos foi a de Miguel Paiva, em que se discutia a tal liberdade política declarada. Mesmo após a independência, permaneceu o predomínio econômico inglês sobre o Brasil. Embora livre de Portugal, a nação estaria sujeita à Inglaterra, e o povo, ausente desse processo, era ignorado, enquanto representantes da aristocracia gritavam “Viva a independência”. A charge seria uma excelente oportunidade para ver a temática de um ponto de vista reflexivo, mas, infelizmente, não é mais utilizada e nem substituída na coleção. Esse tipo de recurso, com seu poder crítico e irônico, poderia enriquecer a discussão sobre a independência e ajudar os alunos a compreenderem a complexidade do processo, especialmente no que diz respeito às relações sociais e econômicas.
Mesmo com pouca informação, outro ponto muito bem referido nas atividades é a comparação entre imagens e textos que representam a chegada da família real, como a citação de obras como “A chegada da família real portuguesa ao Brasil”, de Miranda Júnior, c. 1850, para abordar a concepção de passado e presente do contexto brasileiro a partir do século XIX. A presença dessas comparações oferece uma abordagem mais visual e interligada ao passado, possibilitando que os estudantes analisem como a história é representada e como essas representações podem influenciar a construção do conhecimento histórico.
O livro do professor, por sua vez, contribui de forma insatisfatória, pois deixa muito a desejar nas questões de objetivos, estratégias e orientações. O capítulo sobre a independência do Brasil é composto de uma estrutura bastante resumida, sem novas opções ou possibilidades que possam ser utilizadas pelo professor em sala de aula, como filmes, documentários, obras e sites. As orientações predominantes são aquelas que explicam como o docente pode utilizar as seções, documentos e imagens contidas no capítulo para auxiliar no processo de ensino-aprendizagem dos alunos. No entanto, faltam sugestões mais diversificadas e práticas que incentivem o professor a adotar uma abordagem mais criativa e personalizada. O manual do professor acaba sendo um suporte incompleto, quando comparado com o conjunto de inúmeras possibilidades ofertadas ao docente em outras obras e coleções, limitando o potencial de exploração do conteúdo em sala de aula.
Esse cenário aponta para a necessidade de mais estudos sobre as lacunas presentes nas coleções didáticas, particularmente no que diz respeito à abordagem interdisciplinar e à integração de recursos modernos, como a tecnologia digital, que pode enriquecer e dinamizar o ensino de história. Essas lacunas, ao serem identificadas, justificam a importância de estudos e melhorias contínuas nas metodologias de ensino, visando uma educação mais crítica, reflexiva e condizente com os desafios do mundo contemporâneo.
METODOLOGIA
A metodologia deste artigo baseia-se em uma revisão bibliográfica, caracterizando-se como uma pesquisa de natureza qualitativa, com o objetivo de analisar e compreender as abordagens do processo de Independência do Brasil na educação básica. O delineamento da pesquisa segue uma perspectiva exploratória e descritiva, buscando identificar e interpretar como o tema é tratado em diferentes contextos educacionais, bem como as metodologias aplicadas no ensino deste conteúdo histórico.
O método adotado para esta revisão é o dedutivo, partindo de conceitos teóricos amplos sobre a educação histórica e o ensino da Independência do Brasil para uma análise mais específica das práticas pedagógicas e dos desafios encontrados no contexto da educação básica. O objeto de estudo consiste nas práticas de ensino e nos materiais didáticos utilizados para abordar o tema da Independência do Brasil, considerando o impacto dessas abordagens na formação da identidade nacional dos estudantes.
As estratégias metodológicas envolveram a seleção e análise de artigos científicos, livros, dissertações, teses e documentos oficiais relacionados ao ensino de história, com foco na Independência do Brasil. A pesquisa foi orientada pela análise crítica dos conteúdos, buscando identificar diferentes perspectivas, práticas pedagógicas e desafios enfrentados no ensino desse tema.
Quanto à natureza da pesquisa, trata-se de um estudo qualitativo, que visa compreender as dinâmicas e significados atribuídos ao ensino da Independência do Brasil. Em relação ao problema, a pesquisa é de caráter exploratório, uma vez que busca aprofundar a compreensão sobre as lacunas e potencialidades das práticas pedagógicas existentes. Quanto aos objetivos, a pesquisa é descritiva e analítica, pois descreve o estado atual do ensino da Independência do Brasil e analisa criticamente as abordagens utilizadas.
Em termos de procedimentos técnicos, foi realizada uma revisão bibliográfica sistemática, que permitiu a coleta e a análise de dados secundários provenientes de fontes acadêmicas confiáveis. Não foram formuladas hipóteses específicas, uma vez que o objetivo principal é descritivo e interpretativo, mas o estudo considera variáveis relacionadas às práticas pedagógicas, aos recursos didáticos e aos contextos de ensino.
A técnica utilizada para a coleta de dados foi a pesquisa em bases de dados acadêmicas, como Scielo, Google Acadêmico, CAPES, ERIC e Redalyc. Os descritores utilizados nas buscas incluíram termos como “Independência do Brasil”, “ensino de história”, “educação básica”, “formação da identidade nacional”, “práticas pedagógicas” e “história na educação básica”. A combinação desses descritores permitiu a seleção de materiais relevantes que subsidiaram a análise crítica realizada ao longo do estudo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise da abordagem da Independência do Brasil na educação básica revelou que, embora os livros didáticos atuais busquem incorporar metodologias diversificadas e recursos digitais, ainda há lacunas significativas no tratamento do tema. O objetivo geral deste estudo, que foi compreender como a Independência do Brasil é abordada nas coleções didáticas e sugerir estratégias para um ensino mais crítico, foi atingido ao identificar a simplificação do conteúdo e a falta de problematização histórica, elementos fundamentais para o desenvolvimento do pensamento crítico dos alunos.
Ao longo do estudo, foi possível perceber que, embora as metodologias atuais busquem integrar tecnologias como links, imagens e atividades digitais, elas muitas vezes não conseguem aprofundar a análise histórica de maneira satisfatória. A narrativa sobre a Independência do Brasil, em várias das coleções analisadas, se apresenta de forma fragmentada ou resumida, sem proporcionar uma visão ampla e crítica dos eventos. Além disso, a falta de contextualização social e a ausência de uma reflexão mais profunda sobre as diversas camadas da sociedade brasileira na época prejudicam o entendimento completo dos alunos.
Uma das principais dificuldades encontradas foi a dificuldade de os professores e alunos fazerem conexões entre o passado e o presente, essencial para a construção de um conhecimento mais relevante e engajado com a realidade atual. O ensino da história, particularmente da Independência, exige uma abordagem que vá além dos fatos e que propicie uma reflexão crítica sobre as consequências dessas transformações para a sociedade brasileira.
As práticas pedagógicas analisadas sugerem a importância de utilizar uma abordagem interdisciplinar e de adotar uma variedade de recursos didáticos, como filmes, vídeos, charges e análises de obras de arte, que possam ampliar o entendimento dos estudantes sobre o contexto histórico da Independência. A inclusão de personagens históricos importantes, como Dona Leopoldina e José Bonifácio, e a discussão das diferentes classes sociais também são aspectos fundamentais para uma compreensão mais ampla e profunda.
Para futuras pesquisas, é importante investigar como os professores aplicam essas metodologias no dia a dia da sala de aula e avaliar a eficácia das estratégias propostas. Além disso, estudos sobre a formação continuada dos docentes e a utilização de novas tecnologias educacionais podem contribuir para um ensino da história mais dinâmico e engajado, capacitando os alunos a compreenderem melhor o passado e suas implicações para o presente.
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