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Resumo
INTRODUÇÃO
O Benefício de Prestação Continuada (BPC), assegurado pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), constitui um importante instrumento de proteção social no Brasil. No entanto, sua concessão enfrenta diversos entraves, especialmente no que se refere às pessoas com deficiência, que frequentemente lidam com processos burocráticos complexos, critérios de avaliação excludentes e barreiras no acesso à informação. Este estudo tem como objetivo investigar e analisar os critérios de acesso ao BPC e suas implicações sociais, além de identificar os principais desafios enfrentados por idosos e pessoas com deficiência na solicitação e manutenção do benefício. Por fim, busca-se propor reflexões sobre como o BPC pode de fato, atuar como um mecanismo efetivo de inclusão social (Brasil, 1993).
A realização desta pesquisa justifica-se pela relevância social do Benefício de Prestação Continuada (BPC) enquanto benefício de proteção social voltado às pessoas em situação de vulnerabilidade, especialmente idosos e pessoas com deficiência. Apesar de sua importância no enfrentamento das desigualdades e na promoção da dignidade humana, persistem entraves significativos no acesso e na manutenção do benefício, relacionados a critérios restritivos, burocracia excessiva e fragilidades na articulação entre as políticas públicas. Nesse contexto, torna-se necessário aprofundar a compreensão sobre os mecanismos que regulam o BPC, suas limitações práticas e os impactos sobre os sujeitos que dele dependem. A pesquisa busca, portanto, contribuir para o debate técnico e político acerca do aprimoramento dessa política pública, oferecendo subsídios para sua maior efetividade e alcance. O BPC é uma política pública essencial para garantir dignidade e inclusão social a pessoas em situação de extrema vulnerabilidade.
O objetivo é assegurar o mínimo existencial a milhares de brasileiros que, por limitações físicas, idade avançada ou condições socioeconômicas, não conseguem se manter com independência financeira. (Brasil, 1993).
A estrutura deste artigo está organizada em diferentes seções principais, além desta introdução. A primeira consiste no referencial teórico, que aborda o histórico, os objetivos e os instrumentos operacionais do Benefício de Prestação Continuada (BPC). Em seguida, apresenta-se a metodologia, com a descrição dos procedimentos adotados para a coleta e análise dos dados. Na sequência, são expostos e discutidos os resultados, fundamentados em evidências empíricas e em literatura especializada atual. Por fim, são apresentadas as considerações finais, que sintetizam os achados do estudo e indicam recomendações voltadas ao aprimoramento e fortalecimento da política pública analisada.
REFERENCIAL TEÓRICO
IMPORTÂNCIA SOCIAL DO BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA – BPC
O Benefício de Prestação Continuada (BPC), previsto na Constituição Federal de 1988 e regulamentado pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS – Lei nº 8.742/1993), garante um salário mínimo mensal a pessoas idosas com 65 anos ou mais e a pessoas com deficiência de qualquer idade que possuam impedimentos de longo prazo e cuja renda familiar per capita seja inferior a 1/4 do salário mínimo. Trata-se de um benefício assistencial, não contributivo, que não dá direito ao 13º salário, não gera pensão por morte e é pessoal e intransferível (Brasil, 1993; Brasil, 1998).
O BPC tem como objetivo garantir um mínimo vital de dignidade a pessoas em situação de vulnerabilidade social extrema, por meio do repasse mensal de um salário mínimo a idosos com 65 anos ou mais e a pessoas com deficiência de qualquer idade, desde que não possam prover a própria subsistência nem contar com apoio familiar. Previsto na Constituição de 1988 e regulamentado pela LOAS (Lei nº 8.742/1993), o BPC integra a Proteção Social Básica do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) (Brasil, 1988; Brasil, 1993).
Segundo o Boletim Estatístico da Previdência Social (BEPS), em novembro de 2024, havia aproximadamente 6,3 milhões de beneficiários do Benefício de Prestação Continuada (BPC) no Brasil, abrangendo tanto idosos quanto pessoas com deficiência. Este número reflete a importância do BPC como um instrumento de proteção social para populações em situação de vulnerabilidade (Brasil, 2024a). Durante o mesmo período, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) concedeu 803.964 novos benefícios assistenciais, sendo 434.500 destinados a pessoas com deficiência e 369.400 a idosos, representando um aumento de 16,4% em relação a 2022. Esse crescimento demonstra uma ampliação do acesso ao benefício, embora desafios ainda persistam (Agência Gov, 2024), no âmbito do público atendido pela Assistência Social (SUAS), conforme previsto na Constituição Federal de 1988 e na Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS (Brasil, 1988; Brasil, 1993).
A Constituição Federal de 1988 reconhece o direito à assistência social como dever do Estado, independentemente de contribuição à Previdência. A assistência social é um direito do cidadão e dever do Estado, constituindo-se como uma política pública de seguridade social não contributiva, que visa garantir mínimos sociais e promover a proteção social àqueles que dela necessitam, conforme estabelece a Política Nacional de Assistência Social – PNAS (Brasil, 2004).
A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, ratificada pelo Brasil com status de emenda constitucional por meio do Decreto nº 6.949/2009, estabelece o modelo biopsicossocial da deficiência, que considera não apenas as limitações individuais, mas também os obstáculos impostos pelo meio social, físico e atitudinal, (Brasil, 2009).
A concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC) à pessoa com deficiência requer avaliação médica e social realizada pelo INSS. No entanto, essa avaliação tem sido amplamente criticada por adotar, na prática, uma abordagem predominantemente biomédica, focada na limitação funcional do indivíduo. Tal perspectiva desconsidera fatores sociais, econômicos e ambientais que afetam a qualidade de vida dos requerentes, contrariando os princípios do modelo social da deficiência, consagrados na legislação brasileira e em marcos internacionais (Rodrigues; Osterne, 2015).
No entanto, pesquisadores e especialistas da área apontam que a não aplicação efetiva do modelo social da deficiência nas avaliações para a concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC) pode comprometer significativamente o acesso a esse direito, perpetuando exclusões e desconsiderando o real contexto de vulnerabilidade enfrentado pelas pessoas com deficiência (Rodrigues; Osterne, 2015).
O processo para requerer o Benefício de Prestação Continuada (BPC) envolve diversas etapas, incluindo a inscrição no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico), a apresentação de documentos comprobatórios da renda familiar e a realização de avaliações médica e social, conduzidas pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Para muitas famílias, especialmente aquelas residentes em áreas rurais ou em comunidades com infraestrutura precária e de difícil acesso, essas exigências representam entraves significativos ao acesso ao benefício (Mendes et al., 2020).
Conforme discutido por Silva e Andrade (2021), a crescente digitalização dos serviços públicos, como o uso do aplicativo “Meu INSS” para acompanhamento e solicitação de benefícios, embora tenha aprimorado a eficiência do sistema para parte da população, tem aprofundado as desigualdades no acesso aos direitos assistenciais. A chamada “pobreza digital” — caracterizada pela falta de acesso a dispositivos tecnológicos, internet de qualidade e conhecimentos técnicos — dificulta o atendimento de grande parte da população vulnerável, como apontam estudos sobre exclusão digital e acesso às políticas públicas.
INCLUSÃO SOCIAL OU APENAS SOBREVIVÊNCIA
Embora o Benefício de Prestação Continuada (BPC) represente um avanço significativo ao garantir uma renda mínima para pessoas com deficiência e idosos com 65 anos ou mais em situação de vulnerabilidade, ele não assegura, por si só, a inclusão plena desses indivíduos na sociedade. Persistem desafios estruturais, como a exclusão do mercado de trabalho, barreiras de acessibilidade, estigmatização e a ausência de políticas públicas articuladas que promovam efetivamente a autonomia e a participação social.
Um aspecto frequentemente criticado é a incompatibilidade do BPC com o exercício de qualquer atividade remunerada, o que acaba por inibir iniciativas de inserção profissional mesmo quando a deficiência não impede o desempenho de determinadas funções. Essa limitação, imposta pela legislação vigente, reforça o ciclo de dependência econômica e marginalização, conforme apontam estudos sobre inclusão e trabalho de pessoas com deficiência (Nogueira e Lima, 2020).
Ainda que o BPC seja um benefício relevante de proteção social, há controvérsias quanto à sua efetividade na garantia dos mínimos sociais, entendidos como os direitos básicos necessários à dignidade humana, tais como saúde, alimentação, moradia e participação social. Um dos principais pontos críticos refere-se ao valor do benefício, equivalente a um salário mínimo, que muitas vezes se mostra insuficiente para cobrir os gastos cotidianos de pessoas com deficiência ou idosos, especialmente diante de despesas com medicamentos, transporte, alimentação especial e cuidadores (Silva e Almeida, 2020).
Além disso, o BPC não assegura o acesso automático a outros direitos fundamentais, como inclusão no mercado de trabalho, educação adaptada ou políticas de habitação, o que limita seu impacto na promoção da autonomia e da cidadania. Segundo estudos sobre a efetividade das políticas assistenciais no Brasil, embora o BPC contribua significativamente para a redução da pobreza extrema, ainda é insuficiente para garantir, de forma plena, os mínimos sociais estabelecidos pela Constituição (Silva e Almeida, 2020).
CAMINHOS PARA SUPERAR OS DESAFIOS
A superação dos obstáculos que ainda limitam o pleno acesso ao Benefício de Prestação Continuada (BPC) exige a adoção de medidas integradas, alinhadas aos princípios da equidade e da inclusão social. Uma das principais demandas é a revisão dos critérios de renda familiar per capita, atualmente bastante restritivos, a fim de considerar os custos adicionais relacionados à deficiência, como medicamentos, tratamentos contínuos e adaptações no ambiente doméstico (Mendes e Carvalho, 2022).
Além disso, é fundamental ampliar o acesso à informação e à orientação qualificada sobre o benefício, especialmente para populações em situação de vulnerabilidade digital, social e geográfica. A capacitação dos profissionais responsáveis pelas avaliações médica e social, com ênfase na aplicação do modelo biopsicossocial da deficiência, também é estratégica para garantir análises mais justas e o efetivo respeito aos direitos das pessoas com deficiência.
Outro ponto relevante é a necessidade de assegurar acessibilidade digital e física aos serviços do INSS, de modo que o processo de solicitação e manutenção do benefício não exclui justamente aqueles que mais precisam dele. Por fim, é essencial articular o BPC com outras políticas públicas, como saúde, educação, habitação e qualificação profissional promovendo, assim, a autonomia e a inclusão social de seus beneficiários (Mendes e Carvalho, 2022).
METODOLOGIA
A metodologia de uma pesquisa científica define o caminho teórico e técnico percorrido para alcançar os objetivos propostos, garantindo a confiabilidade, a transparência e a replicabilidade do estudo. No presente trabalho, adotou-se uma abordagem qualitativa, com natureza descritiva e exploratória, visando compreender, de forma aprofundada, os desafios enfrentados por pessoas idosas e com deficiência no processo de solicitação, concessão e manutenção do Benefício de Prestação Continuada (BPC).
Foram empregados dois procedimentos metodológicos complementares: a revisão bibliográfica, com análise crítica de 23 obras entre 2020 e 2025, e a pesquisa de campo, por meio de entrevistas semiestruturadas.
A etapa bibliográfica teve como objetivo examinar criticamente a produção científica e institucional sobre o BPC, incluindo aspectos legais, operacionais e sociais. Foram selecionadas obras que tratam da legislação vigente, da atuação do SUAS, das barreiras de acesso e da exclusão digital. As fontes foram localizadas em bases como SciELO, Google Acadêmico, CAPES e periódicos indexados. A seleção seguiu os critérios de relevância temática, atualidade, confiabilidade e alinhamento com os objetivos da pesquisa.
Quadro 1 – Amostra de obras analisadas na revisão bibliográfica
Fonte: Elaboração própria com base na revisão bibliográfica da pesquisa (2025)
A pesquisa de campo consistiu na realização de entrevistas semiestruturadas com assistentes sociais, trabalhadores do SUAS e beneficiários do BPC, selecionados intencionalmente com base na experiência direta com o processo de solicitação do benefício. O instrumento utilizado foi um roteiro de perguntas abertas, organizadas por eixos temáticos: acesso, avaliação, atendimento institucional e percepções subjetivas.
As entrevistas foram conduzidas de forma ética, garantindo o anonimato e a privacidade dos participantes, conforme os preceitos da Resolução nº 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde.
A entrevista semiestruturada, conforme Lüdke e André (1986), é um recurso metodológico amplamente utilizado em estudos qualitativos, por combinar perguntas pré-definidas com flexibilidade para aprofundar temas emergentes durante o diálogo. Minayo (2014) destaca sua eficácia na coleta de dados que revelam significados, crenças e experiências vivenciadas. Campos (2005) e Paiva (2017) apontam que essa técnica é essencial para o campo do Serviço Social, pois respeita a singularidade dos sujeitos e contribui para diagnósticos mais precisos.
Os dados oriundos das entrevistas foram organizados e interpretados por meio da técnica de análise de conteúdo, conforme proposta por Bardin (2011). Essa abordagem permitiu identificar categorias temáticas, como: barreiras burocráticas, exclusão digital, critérios restritivos, e fragilidade na articulação intersetorial. Os achados empíricos foram confrontados com os dados da revisão bibliográfica, possibilitando uma discussão articulada entre teoria e prática.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A análise dos dados referentes ao Benefício de Prestação Continuada (BPC) permite compreender com maior profundidade os avanços e os desafios enfrentados na efetivação deste direito no Brasil. A partir de informações quantitativas e qualitativas, é possível observar não apenas a evolução no número de beneficiários ao longo dos anos, mas também as desigualdades nacionais, os obstáculos no processo de acesso ao benefício e as fragilidades estruturais que ainda comprometem sua plena efetividade. Essa discussão é fundamental para identificar lacunas nas políticas públicas, avaliar a compatibilidade entre a legislação vigente e a realidade vivenciada pelos beneficiários, bem como propor caminhos para a ampliação da proteção social voltada às pessoas com deficiência e aos idosos em situação de vulnerabilidade.
O BPC), garantido pela Constituição Federal de 1988 e regulamentado pela Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), é uma das principais políticas de proteção social no Brasil, destinada a pessoas idosas com 65 anos ou mais e a pessoas com deficiência de qualquer idade, que se encontram em situação de extrema vulnerabilidade. Para solicitar o BPC, o beneficiário deve possuir inscrição no Cadastro Único (CadÚnico) e documentação atualizada (Brasil, 1993). A solicitação pode ser feita pelo site Meu INSS, aplicativo ou pelo telefone 135. Para a concessão do BPC, os idosos devem comprovar idade mínima de 65 anos e renda familiar per capita de até ¼ do salário-mínimo. Já as pessoas com deficiência precisam submeter-se à avaliação médica e social realizadas pelo INSS, além de comprovar renda e apresentar laudos médicos (Brasil, 1993).
Embora o BPC represente uma importante política pública voltada à redução da pobreza e à promoção da dignidade de pessoas idosas e com deficiência, seu processo de concessão ainda enfrenta entraves burocráticos relevantes. A exigência de documentação extensa, a inscrição no CadÚnico e a atualização periódica dos dados, aliadas ao uso de plataformas digitais, dificultam o acesso ao benefício pela população vulnerável. Entre os idosos, destaca-se a falta de informação e o desconhecimento dos meios digitais, o que reforça a necessidade de programas de inclusão digital e ações de orientação, especialmente em áreas rurais e de difícil acesso (Lima; Rocha, 2021; Carvalho; Nascimento, 2022).
Em outubro de 2024, aproximadamente 304.722 benefícios foram bloqueados devido à ausência de inscrição no CadÚnico. Até 13 de novembro, 194.870 desses benefícios foram desbloqueados, evidenciando a importância da regularização cadastral para a continuidade do recebimento, (Brasil, 2024b). Os dados levantados nesta pesquisa evidenciam que, apesar de o Benefício de Prestação Continuada (BPC) representar um avanço significativo na proteção social de idosos e pessoas com deficiência em situação de vulnerabilidade, sua concessão ainda enfrenta uma série de entraves estruturais, burocráticos e sociais. Essas barreiras são especialmente críticas entre pessoas com deficiência, que frequentemente não contam com apoio técnico, familiar ou comunitário para lidar com os recursos digitais exigidos. Tal realidade evidencia a necessidade de revisão dos procedimentos e da ampliação de políticas públicas que considerem as desigualdades estruturais no acesso à informação, tecnologia e assistência, (Brasil, 2024).
Profissionais do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) relatam que muitos beneficiários do BPC enfrentam dificuldades para acessar o aplicativo “Meu INSS”. Essas dificuldades são frequentemente atribuídas à falta de informações sobre o uso da plataforma e à limitação no domínio de tecnologias digitais. Muitos desses beneficiários, especialmente os pertencentes a grupos em situação de vulnerabilidade social, têm pouca familiaridade com dispositivos móveis e com o uso da internet, o que compromete o processo de solicitação e acompanhamento do benefício. Essa realidade aprofunda as desigualdades no acesso aos direitos assistenciais, uma vez que a digitalização do sistema, embora eficiente para parte da população, exclui aqueles que não possuem os conhecimentos ou recursos necessários para utilizar essas ferramentas (Marco Zero Conteúdo, 2023).
Além disso, muitos beneficiários do BPC recorrem a terceiros para dar entrada no benefício, sendo que, em muitos casos, esses intermediários cobram valores exorbitantes pelos serviços prestados. Essa situação agrava a exclusão digital e coloca em risco o direito dos beneficiários, que, em vez de acessarem o benefício de forma simples e gratuita, acabam pagando preços abusivos por ajuda que poderia ser fornecida de maneira pública e acessível (Brasil, 2023).
Conforme apontado por autores que analisam a exclusão digital no âmbito da proteção social, a digitalização, embora eficiente para alguns, pode ampliar a desigualdade de acesso se não for acompanhada de medidas de inclusão efetiva (Lima e Rocha, 2021).
Conforme destacam Silva e Moura (2022), a exclusão digital é um fator de agravamento da desigualdade no acesso aos direitos assistenciais, sobretudo entre a população idosa e com deficiência, que necessita de maior acompanhamento e acolhimento no atendimento público. Além disso, muitas famílias têm dificuldade em comprovar a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo, critério que tem sido alvo de críticas por não refletir a realidade de muitas famílias brasileiras que vivem em condições precárias, mesmo superando levemente esse limite.
Embora, outro ponto crítico seja a avaliação da deficiência para concessão do BPC no Brasil é amplamente criticada por ainda adotar uma abordagem biomédica, centrada nas limitações funcionais, desconsiderando aspectos sociais, econômicos e ambientais. Essa prática contraria o modelo biopsicossocial previsto na Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Decreto nº 6.949/2009) e resulta em decisões muitas vezes injustas. A ausência de padronização nos procedimentos e a falta de capacitação dos profissionais envolvidos também comprometem a equidade no acesso ao benefício (Rodrigues; Osterne, 2015; Ferreira; Rodrigues, 2021).
Contudo, os relatos colhidos pelos os beneficiários, durante a pesquisa de campo indicam que a burocracia e os critérios restritivos de acesso continuam sendo os principais obstáculos. O critério de renda familiar per capita inferior a 1/4 do salário mínimo, por exemplo, é frequentemente criticado por não refletir a realidade econômica de muitas famílias que, apesar de ultrapassarem ligeiramente esse limite, ainda vivem em extrema vulnerabilidade (Silva; Oliveira, 2021).
Diversos estudos apontam que indivíduos em condições de pobreza e exclusão social são frequentemente excluídos do acesso ao benefício por não se enquadrarem estritamente nos critérios formais, ainda que vivenciem situações precárias de vida. A rigidez desses critérios ignora fatores como gastos com medicamentos, tratamentos contínuos e demais custos relacionados à deficiência ou ao envelhecimento, o que compromete a efetividade da política pública (Mendes; Carvalho, 2022).
A análise das entrevistas com assistentes sociais revelou uma sobrecarga nos serviços dos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), comprometendo tanto o acompanhamento das famílias quanto o apoio técnico durante o processo de requerimento do BPC. A falta de estrutura, aliada ao aumento da demanda, contribui para a morosidade no atendimento e dificulta a efetivação de um direito constitucional. Essa situação é ainda agravada pela escassez de recursos humanos, em especial de assistentes sociais, o que prejudica a qualidade dos serviços prestados e a garantia de direitos (Cfess, 2022; Cress-Ba, 2021).
Para concluir esta discussão referencial sobre o BPC, destacam-se os seguintes pontos: embora o programa represente um avanço na garantia de um mínimo de subsistência para idosos e pessoas com deficiência, sua efetividade esbarra em barreiras estruturais e critérios de elegibilidade restritivos que desconsideram custos adicionais de saúde (Mendes; Carvalho, 2022), avaliações biomédicas pouco sensíveis ao contexto social (Rodrigues; Osterne, 2015), morosidade imposta pela sobrecarga dos CRAS (CFESS, 2022; CRESS-BA, 2021) e exclusão de parcela significativa da população pela digitalização dos serviços (Carvalho; Nascimento, 2022). Fica claro que, para que o BPC deixe de cumprir apenas um papel residual de combate à pobreza e alcance seu potencial transformador, é imprescindível: Revisar os critérios de renda per capita, incluindo custos com medicamentos e cuidados continuados; Capacitar os profissionais do INSS para aplicação do modelo biopsicossocial de deficiência; Fortalecer a estrutura e o quadro técnico dos CRAS; Promover a inclusão digital e o apoio presencial às populações vulneráveis; Integrar o BPC a políticas de saúde, educação, trabalho e habitação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Benefício de Prestação Continuada (BPC) constitui um avanço significativo no arcabouço de proteção social brasileiro, ao garantir renda mínima a idosos e pessoas com deficiência em situação de extrema vulnerabilidade. Contudo, sua plena efetividade esbarra em entraves que se estendem desde critérios de elegibilidade excessivamente restritivos até procedimentos avaliativos ainda centrados no modelo biomédico e na burocracia digital. A exigência de comprovação de renda per capita, aliada à rigidez dos processos de avaliação médica e social e à dificuldade de uso de plataformas digitais, impede que parcela expressiva dos potenciais beneficiários acesse o direito constitucional que lhe cabe.
Além disso, a falta de articulação com políticas setoriais de saúde, educação, transporte e qualificação profissional limita o alcance dos beneficiários do BPC na promoção da autonomia e da inclusão social. Para superar esses desafios, mostrou-se essencial: Revisão dos critérios de elegibilidade, incorporando aos cálculos de renda os custos adicionais relacionados à deficiência; Aperfeiçoamento das avaliações, com capacitação de profissionais para aplicação consistente do modelo biopsicossocial; Ampliação da inclusão digital, por meio de programas de formação e de oferta de canais de atendimento assistido, sobretudo para idosos e populações rurais; Fortalecimento da rede de assistência social nos municípios, ampliando a estrutura e o quadro de assistentes sociais nos CRAS; Integração intersetorial, garantindo a articulação do BPC com políticas de habitação, transporte acessível, saúde e educação adaptada.
Somente por meio de medidas integradas e pautadas na equidade será possível garantir que o BPC deixe de funcionar meramente como um instrumento residual de sobrevivência e se consolide como um promotor efetivo da cidadania e da inclusão social. Embora assegure um mínimo de subsistência, o benefício continua concebido e implementado para atender apenas às “sobras” das demandas sociais, em vez de se integrar a uma estratégia mais ampla de promoção de direitos e participação social.
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