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Resumo
INTRODUÇÃO
Estamos em um momento particularmente interessante para entender a educação – um tempo de rápidas mudanças na tecnologia e de múltiplos modos de comunicação. Esta nova realidade não apenas transforma a maneira como o conhecimento é produzido e consumido, mas também provoca uma reavaliação crítica por parte de escolas e professores sobre suas práticas de ensino atuais. O conceito de leitura e escrita, que anteriormente englobava apenas a alfabetização tradicional, agora precisa incluir uma variedade de linguagens – que vão desde imagens e sons até formas híbridas que emergem nos espaços digitais contemporâneos. Sob este lema, a expansão da alfabetização e o desenvolvimento de múltiplas literacias passaram a ser percebidos como um requisito urgente e inadiável para socializar os jovens em um tempo caracterizado por complexidade e diversidade.
Neste contexto, autores como Rojo (2012) sugerem que não estamos mais vivendo no mundo do antigo paradigma educacional. A cultura digital impõe uma reconfiguração nos paradigmas educacionais, exigindo que os professores reconsiderem métodos, modos de ser e procedimentos, interação em sala de aula, autoridade escolar, organização escolar e práticas pedagógicas que são repensadas para hoje (Rojo, 2012). Esta citação encapsula tanto o ímpeto de se reimaginar a educação quanto encoraja a noção de que a transformação digital vai além da simples adição de novas tecnologias; trata-se, na verdade, da transformação dos espaços de aprendizagem em ambientes dinâmicos de construção colaborativa de conhecimento.
Esta linha de argumentação é complementada por Lévy (1999), que ressalta que: A ‘Cibertecnologia’ inaugura uma nova época, na qual o conhecimento, que anteriormente era concentrado, é criado junto, através da interatividade e redes de comunicação (Lévy, 1999, p. 24). Esta noção reforça a ideia de que nosso ambiente digital atual oferece múltiplas conexões, onde o conhecimento se torna dinâmico e compartilhável, desafiando a natureza linear do ensino tradicional, que se baseia em uma transmissão unidimensional de informações.
Além disso, segundo Kalantzis e Cope (2000), mais do que uma amálgama de decodificação de sinais, na verdade, é mais do que a alfabetização em si: é texto mediado, ou um superconjunto dele, através dos meios digitais. Como afirmam, a alfabetização digital envolve mais do que o mero domínio técnico da ciência: é sobre outras maneiras de ser por outros meios de criação de sentido (Kalantzis & Cope, 2000, p. 15). Esta última posição destaca que o trabalho do educador não é apenas transmitir conhecimento, mas sim atuar como mediador de uma experiência compartilhada de criação de conhecimento, preparando os alunos para uma sociedade cada vez mais conectada e dinâmica.
Em um cenário tão desafiador e ao mesmo tempo promissor, fica claro que é necessário repensar os próprios conceitos de alfabetização e ensino nas escolas governamentais. A escola de jornada ampliada também emerge como um espaço de experimentação de inovações, pois pode harmonizar o conhecimento formal com a prática diária vivenciada pelos alunos em seu cotidiano no mundo digital. Essa articulação não apenas amplia horizontes de aprendizagem, mas também promove autonomia, liderança juvenil e habilidades de formação cidadã. Assim, surge a questão: quais são os alvos dessas novas práticas de alfabetização e para onde devem ser direcionadas as literacias expandidas? Portanto, a presente investigação tem por objetivo abordar as relações entre os paradigmas da expansão da alfabetização e o advento de novas tecnologias, com ênfase na prática pedagógica que se coloca em contato com a cultura digital, sem perder de vista a formação ética e inclusiva de seus cidadãos.
JUSTIFICATIVA
A educação pública brasileira, inserida em contextos difíceis e marcada por uma história de desigualdades profundas, está enfrentando uma nova revolução digital que não pode ser ignorada. Essa mudança, que se entrelaça com o surgimento da cibercultura, nos obriga a reconsiderar as antigas formas de ensino, que eram predominantemente baseadas na simples distribuição de conteúdo. Rojo (2012, p. 72) e o New London Group (1996, p. 64) nos incentivam a refletir: a verdadeira revolução na educação é ser capaz de promover diversos modos de expressão da era digital na prática pedagógica, para que sejam os alunos os protagonistas na construção de seu próprio conhecimento.
A expansão da alfabetização – ou polialfabetização – vai muito além da explicação clássica e causal, ao reconhecer que, na contemporaneidade, nossa comunicação não se restringe apenas ao texto impresso. Ela abrange imagens, vídeos, sons e outras multimedialidades que compõem o nosso cotidiano. Kalantzis e Cope (2000) apoiam esta argumentação ao afirmar que, devido à sua diversidade em termos de mídias e códigos, as formas atuais de comunicação demandam uma transformação abrangente dos processos pedagógicos e didáticos. Acredito firmemente que a jornada ampliada representa uma grande janela de oportunidade para aproximar o conteúdo formal do universo digital dos alunos, transformando desafios em caminhos para uma aprendizagem mais participativa e crítica.
METODOLOGIA
A opção metodológica deste trabalho está alinhada com a necessidade de uma abordagem aprofundada e situada dos processos pedagógicos que envolvem práticas digitais no CoSa, o período escolar ampliado. Optamos por uma abordagem qualitativa, exploratória e analítica que nos permita apreender os significados e experiências desse processo no domínio escolar em toda a sua complexidade, buscando alcançar uma imersão profunda e detalhada nos desafios e conquistas que permeiam esse processo de inovação.
DESENHO DA PESQUISA
O estudo foi desenhado como um estudo de caso, uma abordagem altamente útil para explorar casos individuais em seu contexto real. Para este propósito, escolhemos uma escola pública urbana de ensino fundamental, onde são implementadas atividades extracurriculares que utilizam tecnologia digital. A escolha foi feita com base em diretrizes pré-estabelecidas, como o acesso ao campo, a viabilidade para monitoramento contínuo através de avaliações objetivas, bem como a disponibilidade de registros pedagógicos que correspondam à inovação em um contexto de educação em tempo integral.
PROCEDIMENTOS DE COLETA DE DADOS
Para melhor captar o fenômeno em estudo, utilizamos a triangulação de métodos – combinando diferentes métodos de coleta de dados – o que melhora a validade dos resultados obtidos:
OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE
Realizei um acompanhamento prolongado das atividades do dia escolar ampliado, documentando não apenas a relação entre alunos e professores, mas também o enquadramento dos modos digitais utilizados nas práticas pedagógicas. Essa exposição em primeira mão me permitiu discernir sutilezas comportamentais e dinâmicas que provavelmente seriam perdidas por outros métodos. O objetivo era observar como a tecnologia se entrelaça nas práticas de ensino, permitindo assim uma compreensão mais abrangente da mudança no espaço pedagógico.
ENTREVISTAS SEMIESTRUTURADA
Entrevistas foram realizadas com professores, diretores e coordenadores envolvidos com práticas digitais. Utilizei um roteiro aberto que facilitou a exploração aprofundada de crenças individuais e coletivas sobre barreiras, facilitadores e estratégias para a integração de tecnologias nas práticas diárias da escola. Os resultados das entrevistas trouxeram informações de valor significativo, como a necessidade de formação contínua e a importância de manter uma atitude crítica em relação ao uso de recursos digitais.
GRUPOS DE FOCO COM ALUNOS
Para captar de maneira mais precisa a perspectiva dos alunos que participam diretamente dessas práticas, organizei grupos de foco com estudantes. Essas discussões foram essenciais para capturar suas percepções e emoções sobre a tecnologia, revelando suas práticas digitais e como elas afetam sua aprendizagem e compreensão. A interação entre os alunos nas discussões indicou uma mudança de pensamento que pode ser evocada ao se trabalhar de maneira transdisciplinar e participativa.
ANÁLISE DE DOCUMENTOS
Analisamos planos de aula, produções dos alunos, registros fotográficos e outros materiais digitalizados vinculados às atividades desenvolvidas. Isso permitiu a identificação de padrões pedagógicos, temas recorrentes e estratégias aplicadas na compreensão da informação tecnológica. Essa análise foi crucial para conectar o que foi praticado com as orientações teóricas que informam a “educação digital”.
A proposta deste método é resumida por Xavier (2005, p. 53), que afirma: A tecnologia se torna parte da ecologia de uma sala de aula, mudando como os alunos aprendem e interagem uns com os outros. Esta citação destaca a necessidade de uma estrutura metodológica que valorize não apenas a teoria, mas, principalmente, a prática vivida dentro do ambiente escolar.
ANÁLISE DE DADOS
Os dados coletados foram agrupados, codificados e analisados utilizando a análise de conteúdo, onde categorias foram identificadas e os fenômenos estudados foram interpretados. Por meio dessa abordagem analítica, tivemos a oportunidade de agrupar dados por temas consistentes com as questões identificadas, como os desafios na formação, o impacto das tecnologias na implementação das pedagogias e como a amostra superou as barreiras encontradas. A triangulação dos métodos de coleta para a validação dos dados levou a um relato sincrético mais holístico do fenômeno em estudo.
CONSIDERAÇÕES ÉTICAS
Todo o processo de pesquisa foi conduzido com rigor ético, garantindo o consentimento livre e esclarecido dos participantes, além de assegurar a confidencialidade e anonimato na coleta de dados. Os procedimentos adotados ao longo do estudo observaram as recomendações descritas na Resolução nº 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde, de forma que todos os direitos dos participantes foram salvaguardados. Uma postura ética deste tipo é crucial ao investigar fenômenos que emergem como produtos das vivências de professores e alunos, promovendo um clima de confiança, autenticidade e respeito mútuo.
Dessa forma, a pesquisa não apenas busca compreender as práticas pedagógicas em evolução, mas também se propõe a contribuir para uma reflexão mais ampla sobre as transformações necessárias na educação no contexto contemporâneo.
DISCUSSÃO E ANÁLISE
O uso da tecnologia digital na prática escolar torna-se tanto um desafio quanto uma oportunidade para reavaliar processos de ensino e aprendizagem. Os resultados de nossa análise de dados sugerem que, se bem planejadas, as práticas de letramento digital (ou multiletramentos) podem potencialmente levar a um aumento da criatividade, autonomia e pensamento crítico dos alunos.
MUDANÇA DE COMUNICAÇÃO
A combinação de recursos visuais, auditivos e textuais permite que as escolas ofereçam mais do que o ensino convencional. Rojo (2012, p. 95) nos alerta:
O processo de construção de sentido em ambientes digitais fomenta a criatividade e encoraja os alunos a adotarem uma postura ativa e crítica no mundo da informação.
Em consonância com isso, o New London Group (1996, p. 64) destaca:
Os desafios da pedagogia dos multiletramentos exigem a transformação da aprendizagem de um consumo passivo de conhecimento para uma situação em que os alunos são coprodutores ativos de conhecimento.
Como Programas Após as Aulas Podem Ser Transformadores:
Atividades fora do horário escolar têm sido um terreno fértil para a inovação. Testemunhos de participantes indicam que os alunos participam mais e desenvolvem uma visão mais crítica e autônoma do mundo através da interatividade e multimodalidade. De acordo com Kalantzis e Cope (2000, p. 21):
Os recursos de interatividade e multimodalidade podem aprimorar o repertório linguístico dos alunos, mas também promover a construção de uma identidade digital ativa e reflexiva.
DESAFIOS PERSISTENTES
Também devemos reconhecer que, embora tenhamos feito progressos, ainda há grandes obstáculos no caminho. A falta de formação tecnológica de professores, a falta de recursos e a escassez de políticas públicas integradas são obstáculos que precisam ser superados. Como destaca Lemke (2010, 67):
As tecnologias por si sós não levarão naturalmente à inovação pedagógica: é necessário investir na formação de professores e no fomento de contextos de aprendizagem colaborativos e críticos.
Este é um fato que sublinha a urgência de políticas educacionais que sejam atualizadas diante das mudanças tecnológicas e preparem os profissionais da educação para aproveitar plenamente as novas ferramentas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo deste estudo foi examinar práticas pedagógicas digitais em programas escolares após o horário de aulas, dentro de uma estrutura de multiletramentos e cibercultura. A reflexão teórica que foi alimentada pela análise feita sugere que as escolas têm de redesenhar suas práticas de letramento no contexto de mudanças sociais e tecnológicas inerentes à integração de multilínguas, tecnologias e novas formas de significação.
Atividades de leitura e escrita multimodalistas e ciberculturais fazem contribuições importantes para forjar uma educação marginalizada e orientada para a democracia diante das condições de vida dos alunos. O programa após a escola, com seu currículo flexível e aberto, surge como um espaço potencialmente estratégico para o trabalho inovador em letramento digital que enfatiza a autoria, criatividade e voz dos alunos.
Mas é importante abordar os desafios estruturais e formativos que restringem o uso pedagógico das TIC nas escolas públicas. Desenvolvimento contínuo de formação profissional para professores, desenvolvimento de infraestrutura física e desenvolvimento de políticas que reconheçam programas após as aulas como espaços legítimos de aprendizagem são necessários para que essas práticas se tornem institucionalizadas.
As análises do letramento digital em outros campos educacionais (Xavier, 2005; Lemke, 2010) mostram que, bem direcionadas, essas tecnologias podem estimular a criatividade, liderança e pensamento crítico dos alunos. O meu estudo expõe que os recursos tecnológicos por si só não garantem inovação pedagógica, planejamento intencional, formação de professores e sensibilidade são necessários para mediar, de forma crítica, ética e emancipatória, o uso da mídia.
Concluímos, então, que a reflexão teórica indica que o programa após a escola, se mediado por princípios de amplo letramento e uma perspectiva cibercultural, se configura como um espaço transformador. Para que isso ocorra, as práticas criadas devem ser mais do que recreativas ou compensatórias, e sim redirecionadas para um compromisso de gerar um acesso significativo à cultura digital, ao pensamento crítico e à expressão multimodal dos alunos.
Assim, é que a articulação entre multiletramentos, cibercultura e o programa após a escola pode contribuir para o desenvolvimento das práticas de leitura e escrita dos alunos nas escolas públicas. Trata-se, além de aprender ferramentas digitais, de formar indivíduos críticos e criativos que sejam capazes de agir na complexidade do mundo atual.
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