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Resumo
INTRODUÇÃO
A publicação da Lei nº 14.133/2021, conhecida como Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, representa uma mudança significativa nas práticas de aquisição da administração pública brasileira. Esta nova legislação introduz conceitos inovadores e desafios de implementação que merecem uma análise aprofundada, especialmente no que tange aos aspectos de conformidade e transparência.
O presente artigo tem como objetivo analisar as principais inovações trazidas pela Lei nº 14.133/2021, identificar os desafios de sua implementação e discutir as implicações para a prática do compliance na administração pública. Para isso, será realizada uma revisão bibliográfica abrangente, incluindo a análise de obras de renomados autores do Direito Administrativo, bem como a comparação com o ordenamento jurídico anterior.
A relevância deste estudo se justifica pela necessidade de compreender as mudanças introduzidas pela nova legislação e suas possíveis consequências para a gestão pública, contribuindo para uma implementação mais eficaz e alinhada com os princípios de eficiência, transparência e integridade na administração pública.
O artigo está estruturado em quatro tópicos principais: a primeira abordagem dos aspectos inovadores da nova lei; a segunda discute o planejamento das contratações; a terceira analisa os mecanismos de publicidade e controle; e a quarta examina os desafios de implementação e as questões relacionadas ao compliance. Por fim, são apresentadas as considerações finais, sintetizando as principais considerações do estudo.
ASPECTOS INOVADORES DA NOVA LEI
Um dos pilares da Nova Lei de Licitações e Contratos é a simplificação dos procedimentos licitatórios. Conforme Plínio Laidacker(2020), a lei introduz novos tipos de modalidades licitatórias, como o diálogo competitivo e o procedimento de manifestação de interesse, que visam flexibilizar e adaptar o processo à complexidade e especificidade do objeto a ser contratado. O diálogo competitivo, inspirado em práticas de países europeus e mencionado no artigo 37, XXI, da CF/88, permite que os órgãos públicos dialoguem com os licitantes para melhor compreender as soluções disponíveis no mercado antes de definir os termos finais do certame. Essa inovação visa aumentar a eficiência na contratação de serviços especializados e complexos, onde a simples comparação de preços pode não ser suficiente para garantir a melhor contratação(Filho, 2018).
A nova legislação amplia os critérios de julgamento, indo além do tradicional “menor preço” e “melhor técnica”. Agora são incluídos critérios como “maior desconto”, “maior retorno econômico” e “maior viabilidade técnica-operacional”, permitindo uma análise mais abrangente e alinhada com o interesse público, conforme preconizado pela CF/88 no artigo 70. Tais critérios procuram valorizar não apenas o custo imediato, mas também a qualidade, sustentabilidade e eficiência a longo prazo do contrato. Além disso, a nova lei, conforme exposto por Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2019), permite a combinação de dois ou mais critérios de julgamento, dependendo da natureza do objeto a ser contratado, aumentando a possibilidade de customização dos processos licitatórios às necessidades específicas do órgão público.
PLANEJAMENTO DAS CONTRATAÇÕES
Conforme ensina Hely Lopes Meirelles (2016), outro aspecto inovador é o fortalecimento do planejamento das contratações públicas, exigindo a elaboração de um Plano Anual de Contratações (PAC). Este plano deve consolidar todas as necessidades de compras públicas do órgão, integrando-as em um cronograma realista e transparente, como bem enfatiza a CF/88 no caput do artigo 37 sobre planejamento e eficiência. Essa medida não apenas facilita a gestão interna, como também, promove maior previsibilidade e competitividade no mercado fornecedor. Além do PAC, a lei prevê a elaboração de Estudos Técnicos Preliminares (ETP) e Gerenciamento de Riscos para contratações de maior relevância ou complexidade, garantindo que todas as variáveis e possíveis problemas sejam considerados previamente, evitando surpresas durante a execução dos contratos.
PUBLICIDADE E CONTROLE
A transparência é um princípio fundamental da Nova Lei de Licitações e Contratos, conforme o artigo 37 da CF/88. A lei exige que todas as etapas dos processos licitatórios e os respectivos contratos sejam divulgados em plataformas digitais acessíveis ao público, como o Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP). Esta medida, segundo Fernanda Marinela (2021), visa aumentar o controle social e a fiscalização por parte da sociedade civil, promovendo maior accountability e confiança nas ações do governo. Além da obrigatoriedade de publicação em portais oficiais, a nova legislação incentiva a transparência ativa (Guerra, 2020), onde os órgãos públicos não apenas respondem aos pedidos de informação, mas, também, disponibilizam proativamente dados e documentos relevantes.
A lei fortalece os mecanismos de controle interno e externo das contratações públicas, conforme disposto no artigo 74 da CF/88. Conforme orienta Marçal Justen Filho (2018), o controle interno é realizado por unidades específicas dentro dos próprios órgãos públicos, responsáveis por monitorar a conformidade dos processos licitatórios com a legislação e os princípios da administração pública. O controle externo, por sua vez, é exercido principalmente pelos Tribunais de Contas, que ganham maior autonomia e capacidade de atuação para investigar e sancionar irregularidades. A nova legislação prevê a adoção de auditorias contínuas e a realização de inspeções periódicas, permitindo uma atuação mais preventiva do que reativa por parte desses órgãos.
DESAFIOS DA IMPLEMENTAÇÃO
Conforme Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2020), a correta implementação da Nova Lei de Licitações e Contratos dependerá, em grande parte, da capacitação dos agentes públicos envolvidos nos processos licitatórios e de gestão de contratos. A complexidade e as inovações introduzidas pela lei requerem um conhecimento atualizado e específico, demandando investimentos contínuos em treinamento e desenvolvimento profissional, conforme orienta a CF/88 no artigo 39.
Outro desafio significativo é a adaptação cultural e organizacional dos órgãos públicos à nova legislação. As mudanças trazidas pela lei exigem uma revisão das práticas estabelecidas e uma disposição para adotar novas metodologias e ferramentas de gestão. A resistência a mudanças é um obstáculo comum em grandes organizações, e no setor público, essa resistência pode ser ainda mais pronunciada.
A implementação efetiva dos novos requisitos de transparência e controle pressupõe a existência e integração de sistemas tecnológicos eficientes. A criação do Portal Nacional de Contratações Públicas e sua efetiva utilização pelos diversos órgãos públicos dependem de infraestrutura tecnológica robusta e de investimentos em tecnologia da informação (Sundfeld, 2020), que podem variar de acordo com as realidades orçamentárias de cada ente federativo, conforme orienta o artigo 37 da CF/88.
A Nova Lei de Licitações e Contratos estabelece diretrizes gerais que devem ser observadas pelos entes federativos, mas permite uma certa margem de regulamentação própria por parte dos Estados, Municípios e Distrito Federal. Esse cenário, em consonância com a CF/88 no artigo 24, cria a necessidade de harmonização normativa, evitando a fragmentação e a criação de diferentes interpretações e práticas em nível local.
FISCALIZAÇÃO E COMBATE À CORRUPÇÃO
Por fim, apesar dos avanços significativos trazidos pela nova legislação, o combate à corrupção nas contratações públicas continua a ser um desafio constante, conforme Fernanda Marinela (2021). A eficácia das medidas de controle e transparência dependerá não apenas do cumprimento formal das normas, mas, também, de uma cultura de ética e integridade enraizada nas práticas administrativas, conforme preconizado pela CF/88 no artigo 37.
A importância do compliance nas licitações reside em diversos fatores: 1. Prevenção da Corrupção: Um sistema de compliance robusto pode reduzir substancialmente as oportunidades de fraude e corrupção, conforme Sarah Lopes (2021), que são problemas endêmicos em muitas administrações públicas ao redor do mundo. 2. Aumento da Eficiência: Aderir às normas e regulamentos de maneira consistente pode aumentar a eficiência dos processos licitatórios, evitando retrabalhos e garantindo que os prazos sejam cumpridos. 3. Confiança Pública: A transparência e a conformidade com os regulamentos aumentam a confiança da sociedade civil no sistema de licitações e nos órgãos governamentais. 4. Responsabilidade e Accountability: O compliance fortalece a responsabilidade dos gestores públicos, segundo (Di Pietro, 2020), promovendo uma cultura de accountability e transparência que é fundamental para uma administração pública moderna.
CONTROLES SOCIAIS
Os controles sociais envolvem a participação ativa dos cidadãos e da sociedade civil organizada na fiscalização dos processos licitatórios e na gestão dos contratos administrativos. Ferramentas como a Lei de Acesso à Informação permitem que qualquer cidadão solicite dados sobre os processos licitatórios, promovendo maior transparência. Já organizações da sociedade civil podem criar observatórios para monitorar a execução de obras e serviços públicos, bem como o cumprimento dos contratos e dos editais de licitação, conforme Fernanda Marinela(2021). No que tange à participação pública, envolver a sociedade nas fases de planejamento e execução das políticas públicas pode aumentar a eficácia do controle social. Consórcios públicos e audiências públicas são exemplos de métodos de participação ativa.
TRANSPARÊNCIA ATIVA
A transparência ativa refere-se à proatividade dos órgãos públicos em divulgar informações de interesse coletivo, mesmo sem que haja uma solicitação formal. Isso inclui a publicação de relatórios de auditoria, atas de reuniões, pareceres técnicos, entre outros documentos relevantes.
Já a digitalização dos processos licitatórios através de plataformas eletrônicas como o Sistema de Compras do Governo Federal (Comprasnet) não apenas aumenta a transparência, mas também melhora a eficiência e a competitividade, conforme Plínio Laidacker (2020) e CF/88 artigo 37. As licitações eletrônicas reduzem a possibilidade de manipulação e corrupção, visto que todas as etapas são documentadas e auditáveis.
Publicar relatórios periódicos sobre as práticas de compliance adotadas, bem como os resultados alcançados, é uma prática que aumenta a transparência e a confiança pública, conforme Salomão Ribeiro (2020). Esses relatórios devem incluir informações sobre auditorias realizadas, medidas preventivas adotadas e ações corretivas implementadas.
Apesar da importância e dos benefícios dos mecanismos de compliance e transparência nas licitações, a implementação dessas práticas enfrenta alguns desafios significativos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A incorporação de práticas de compliance e mecanismos de controle e transparência nas licitações públicas é essencial para a construção de uma administração pública mais eficiente, ética e confiável. A Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos oferece um marco regulatório robusto para a implementação dessas práticas, mas o sucesso depende do comprometimento de todos os atores envolvidos, desde os gestores públicos até a sociedade civil.
A capacitação contínua dos agentes públicos, a adoção de tecnologias avançadas, a promoção de uma cultura organizacional focada em ética e transparência, e a harmonização de práticas entre diferentes níveis de governo são passos fundamentais para superar os desafios da implementação. Exemplos de boas práticas, como os sistemas de auditoria contínua e os programas de integridade, demonstram que é possível alcançar resultados significativos quando há um esforço coordenado e sustentado.
Em última análise, a promoção de compliance e transparência nas licitações não é apenas uma exigência legal, mas uma necessidade imperativa para garantir que os recursos públicos sejam utilizados de forma eficiente e em benefício de toda a sociedade. A construção de um sistema de licitações públicas que realmente funcione como um instrumento de desenvolvimento e justiça social depende do empenho e da colaboração de todos os stakeholders envolvidos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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