Autor
Resumo
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS NA EDUCAÇÃO: TEORIAS, DESAFIOS E PERSPECTIVAS
SOCIOEMOTIONAL SKILLS IN EDUCATION: THEORIES, CHALLENGES, AND PERSPECTIVES
HABILIDADES SOCIOEMOCIONALES EN LA EDUCACIÓN: TEORÍAS, DESAFÍOS Y PERSPECTIVAS
Lívia Aparecida Alves
livia.aparecida.alves@alumni.usp.br
http://lattes.cnpq.br/6013545324178142
ALVES, Lívia Aparecida. Habilidades socioemocionais na educação: Teorias, desafios e perspectivas. Revista International Integralize Scientific, Vol.5 n.47, p. – , Maio/2025. ISSN – 2675 – 5203.
Orientador: Prof. Dr. José Ricardo M. Machado – http://lattes.cnpq.br/0276964364879461
RESUMO
Este artigo aborda a importância das habilidades socioemocionais na Educação Infantil, discutindo sua relevância para o desenvolvimento integral das crianças. A educação tem se distanciado da simples entrega de conteúdos acadêmicos, passando a valorizar o processo de aprendizagem, que inclui o desenvolvimento emocional e social. As habilidades socioemocionais são fundamentais para o reconhecimento e gestão das emoções, a construção de relações saudáveis e a tomada de decisões responsáveis. Teóricos como Vygotsky, Piaget, Wallon, Erikson, Goleman e Denham reforçam a importância das interações sociais e emocionais no processo de aprendizagem. A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) também destaca a necessidade de integrar essas habilidades ao currículo escolar. Contudo, a implementação dessas competências enfrenta desafios, como a falta de formação docente específica, a ausência de políticas públicas adequadas e estratégias de avaliação dessas habilidades. Apesar disso, há oportunidades de transformação nos ambientes escolares, com práticas que promovem a aprendizagem socioemocional e, consequentemente, o bem-estar e o sucesso acadêmico dos alunos.
Palavras-chave: habilidades socioemocionais; educação infantil; desenvolvimento integral; interações sociais.
SUMMARY
This article discusses the importance of socioemotional skills in Early Childhood Education, highlighting their relevance for the comprehensive development of children. Education has shifted away from simply delivering academic content to valuing the learning process, which includes emotional and social development. Socioemotional skills are fundamental for recognizing and managing emotions, building healthy relationships, and making responsible decisions. Theories from Vygotsky, Piaget, Wallon, Erikson, Goleman, and Denham reinforce the importance of social and emotional interactions in the learning process. The National Common Curricular Base (BNCC) also emphasizes the need to integrate these skills into the school curriculum. However, the implementation of these competencies faces challenges, such as the lack of specific teacher training, the absence of adequate public policies, and the lack of strategies for assessing these skills. Despite these challenges, there are opportunities for transformation in school environments through practices that promote socioemotional learning and, consequently, the well-being and academic success of students.
Keywords: socioemotional skills; early childhood education; comprehensive development; social interactions.
RESUMEN
Este artículo aborda la importancia de las habilidades socioemocionales en la Educación Infantil, destacando su relevancia para el desarrollo integral de los niños. La educación ha dejado de centrarse únicamente en la entrega de contenidos académicos para valorar el proceso de aprendizaje, que incluye el desarrollo emocional y social. Las habilidades socioemocionales son fundamentales para el reconocimiento y gestión de las emociones, la construcción de relaciones saludables y la toma de decisiones responsables. Teóricos como Vygotsky, Piaget, Wallon, Erikson, Goleman y Denham refuerzan la importancia de las interacciones sociales y emocionales en el proceso de aprendizaje. La Base Nacional Común Curricular (BNCC) también destaca la necesidad de integrar estas habilidades en el currículo escolar. Sin embargo, la implementación de estas competencias enfrenta desafíos, como la falta de formación docente específica, la ausencia de políticas públicas adecuadas y la falta de estrategias para evaluar estas habilidades. A pesar de estos desafíos, existen oportunidades para la transformación de los entornos escolares mediante prácticas que promuevan el aprendizaje socioemocional y, en consecuencia, el bienestar y éxito académico de los estudiantes.
Palabras clave: habilidades socioemocionales; educación infantil; desarrollo integral; interacciones sociales.
INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas, o campo educacional tem vivenciado um movimento crescente em direção à valorização de uma formação mais ampla, que ultrapasse os limites do conteúdo acadêmico tradicional e contemple as múltiplas dimensões do desenvolvimento humano. Nesse contexto, as habilidades socioemocionais têm ganhado destaque como elementos centrais para a construção de uma educação mais integral, capaz de preparar indivíduos não apenas para o desempenho escolar, mas também para a vida em sociedade. O reconhecimento da importância dessas competências, como empatia, autorregulação, colaboração e tomada de decisão responsável, tem motivado pesquisas, políticas públicas e práticas pedagógicas voltadas ao fortalecimento da inteligência emocional desde os primeiros anos de escolarização (Goleman, 1995; Elias, 1997).
A Educação Infantil, por sua vez, desponta como uma fase decisiva para a consolidação dessas habilidades. É nesse período, marcado por intensas transformações cognitivas, afetivas e sociais, que a criança começa a formar sua identidade, a compreender o outro e a regular suas emoções (Vygotsky, 1978). Diversas teorias do desenvolvimento humano, como as de Piaget (1952), Vygotsky (1978), Wallon (2007) e Erikson (1998), reforçam a importância das interações afetivas e sociais na infância, apontando para a necessidade de ambientes educativos que promovam segurança emocional, vínculos significativos e oportunidades de aprendizagem socioemocional. Como observa Wallon (2007), as emoções desempenham um papel crucial na construção da identidade, sendo determinantes para o processo de aprendizagem.
Este artigo propõe uma reflexão aprofundada sobre o conceito e a relevância das habilidades socioemocionais no processo educativo desde a Educação Infantil. A partir de uma abordagem teórica e crítica, discute-se a importância dessas competências para o desenvolvimento integral, os fundamentos que embasam sua inserção no currículo escolar, os desafios enfrentados por educadores e instituições, bem como a avaliação. Ao articular diferentes referenciais teóricos com evidências práticas, busca-se contribuir para a construção de uma pedagogia mais humanizada, consciente e transformadora, alinhada aos princípios da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e às necessidades contemporâneas de formação integral dos alunos.
O QUE SÃO HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS
Durante muito tempo a educação foi vista pelo seu produto, sem se preocupar com o processo da construção da aprendizagem. Sabe-se que hoje, quando a educação foca no “como” se aprende, o ato de aprender se torna mais significativo. Além disso, é preciso considerar que a comunidade escolar em geral é muito heterogênea, apresentando contrastes sociais, econômicos, raciais e culturais, formando assim, uma clientela bastante diversificada. Nesse contexto, surge a necessidade de ir além dos conteúdos curriculares tradicionais e considerar aspectos ligados ao desenvolvimento humano integral. É justamente nesse cenário que se evidenciam as Habilidades Socioemocionais (HS), compreendidas como um conjunto de competências fundamentais para que crianças aprendam a lidar com emoções, estabeleçam relações saudáveis e tomem decisões responsáveis, favorecendo uma aprendizagem mais completa e contextualizada.
Nos primeiros anos de vida, as crianças passam por um processo intenso de aprendizado e desenvolvimento, no qual as habilidades socioemocionais desempenham um papel fundamental. Essas habilidades englobam a capacidade de reconhecer e gerenciar emoções, estabelecer relações saudáveis, tomar decisões responsáveis e lidar com desafios do cotidiano. Segundo Goleman (1995), a inteligência emocional é um fator determinante para o bem-estar e o sucesso ao longo da vida.
Desenvolver as habilidades socioemocionais na educação infantil é fundamental, pois é nesse processo que a criança começa a formar sua identidade, aprende a se relacionar com os outros e descobre maneiras de expressar sentimentos, emoções e ideias. É através dessas vivências que ela constroi vínculos e entende melhor o mundo que a cerca. Vygotsky (1978) enfatiza que o aprendizado ocorre por meio das interações sociais, e que o ambiente educativo deve estimular essas trocas de maneira intencional e estruturada.
Toda função no desenvolvimento cultural da criança aparece duas vezes: primeiro, no nível social, e depois, no nível individual; primeiro entre pessoas (interpsicológica), e depois dentro da criança (intrapsicológica). Isso se aplica igualmente à atenção voluntária, à memória lógica e à formação de conceitos. Todas as funções superiores se originam nas relações reais entre indivíduos.
Com isso, essa perspectiva reforça a importância do ambiente escolar como espaço intencional de trocas significativas e desenvolvimento das habilidades socioemocionais desde a infância possibilitando que a criança cresça com maior autonomia emocional e capacidade de adaptação às demandas sociais.
Assim, as habilidades socioemocionais são um conjunto de competências que permitem aos indivíduos reconhecer e gerenciar emoções, estabelecer relações saudáveis e tomar decisões responsáveis.
ASPECTOS SOCIAIS NO DESENVOLVIMENTO DAS HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS
O desenvolvimento infantil é um processo complexo e multifacetado, influenciado por diversos fatores sociais, econômicos e culturais. Conforme Vygotsky (1984), o meio social desempenha um papel central na formação das funções psicológicas superiores da criança, pois é por meio das interações sociais que ocorre a internalização de conhecimentos e habilidades. Assim, a qualidade das interações familiares, o acesso à educação infantil e a estabilidade econômica da família são elementos fundamentais para o desenvolvimento socioemocional.
A qualidade das interações familiares é essencial para a construção da autoestima, da autonomia e da regulação emocional das crianças. Bronfenbrenner (1996), em sua Teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano, destaca que o ambiente imediato da criança, especialmente as relações familiares, constitui o microssistema mais influente no desenvolvimento. Famílias que proporcionam um ambiente acolhedor, com afeto e diálogo, favorecem o desenvolvimento de habilidades socioemocionais, como empatia, resiliência e cooperação.
Ter acesso a uma educação infantil de qualidade faz toda a diferença na vida das crianças. Heckman (2006) argumenta sobre os impactos de longo prazo do investimento na primeira infância:
As habilidades que promovem o sucesso na vida — cognitivas e não cognitivas — são formadas na primeira infância. Programas de alta qualidade voltados para crianças pequenas geram efeitos positivos duradouros, pois moldam a capacidade de aprender, trabalhar em equipe, persistir diante de desafios e interagir de maneira saudável com os outros. Investir cedo é mais eficaz e econômico do que tentar remediar falhas de desenvolvimento mais tarde.
Essa abordagem evidencia que a promoção das habilidades socioemocionais desde os primeiros anos é uma estratégia poderosa não só para o desenvolvimento individual, mas também para o progresso social e econômico, ou seja, investir nos primeiros anos de vida traz benefícios importantes não só para o indivíduo, mas para toda a sociedade.
Portanto, é preciso considerar que a Educação Infantil, além de estimular o raciocínio e o aprendizado, também é um espaço onde as crianças desenvolvem competências socioemocionais essenciais. Quando elas vivenciam experiências de aprendizagem significativas e têm o apoio de educadores atentos e preparados, aprendem a se comunicar melhor, a lidar com os próprios sentimentos e a encontrar soluções para os desafios do dia a dia.
Além disso, a estabilidade econômica da família impacta diretamente as oportunidades de desenvolvimento infantil. Estudos apontam que crianças que crescem em ambientes economicamente desfavorecidos podem enfrentar maiores desafios no desenvolvimento cognitivo e emocional devido à exposição ao estresse tóxico e à falta de acesso a recursos educacionais adequados (Shonkoff & Phillips, 2000). A insegurança alimentar e a falta de acesso a serviços de saúde são fatores que podem comprometer o desenvolvimento global da criança.
Por conseguinte, garantir condições favoráveis ao desenvolvimento infantil exige um olhar abrangente sobre os aspectos sociais, econômicos e culturais que permeiam a vida das crianças. Políticas públicas que incentivem o acesso à educação infantil de qualidade, o apoio às famílias em situação de vulnerabilidade e a promoção de ambientes familiares saudáveis são fundamentais para proporcionar um desenvolvimento pleno e equilibrado.
HABILIDADES SOCIOEMOCIONAIS NA EDUCAÇÃO
O desenvolvimento das habilidades socioemocionais tem se mostrado fundamental no processo de formação integral do ser humano, especialmente quando iniciado na Educação Infantil. Esse estágio educacional é uma fase privilegiada para a construção de competências que vão além do cognitivo, abrangendo aspectos emocionais, sociais e éticos.
Segundo a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a educação socioemocional deve estar integrada ao currículo escolar, sendo considerada essencial para a formação completa dos estudantes. A BNCC (Brasil, 2017) propõe o desenvolvimento de competências que envolvem o autoconhecimento, a empatia, o pensamento crítico, a cooperação e a responsabilidade, evidenciando a necessidade de práticas pedagógicas que contemplem o desenvolvimento emocional desde os primeiros anos escolares.
A Educação Infantil é o primeiro espaço institucionalizado onde a criança amplia suas relações sociais e passa a conviver com a diversidade de pensamentos, sentimentos e comportamentos. É nesse ambiente que ela começa a desenvolver a autorregulação emocional, a resolução de conflitos e o respeito ao outro. De acordo com Vygotsky (1991), as interações sociais são fundamentais para o desenvolvimento das funções psicológicas superiores, e, nesse sentido, o papel do educador é mediar as relações, promovendo ambientes que favoreçam a aprendizagem emocional.
Além disso, Goleman (1995), um dos principais estudiosos da inteligência emocional, destaca que habilidades como o autocontrole, a motivação, a empatia e a capacidade de se relacionar bem com os outros são tão importantes quanto as habilidades cognitivas para o sucesso na vida pessoal e profissional. O autor reforça que essas competências podem e devem ser ensinadas, especialmente na infância, período em que o cérebro está em intensa formação e mais receptivo ao aprendizado socioemocional.
Em consonância com esses estudos, Wallon (2007) argumenta que a afetividade é indissociável do desenvolvimento cognitivo e motor da criança. Para o autor, emoções e sentimentos constituem a base das aprendizagens, sendo imprescindível que o ambiente escolar reconheça e acolha as expressões emocionais dos alunos como parte do processo educativo.
Incluir as habilidades socioemocionais no dia a dia da Educação Infantil vai muito além de ensinar conteúdos: trata-se de cuidar do bem-estar das crianças, apoiar seu crescimento pessoal e ajudar a criar um ambiente escolar mais acolhedor, colaborativo e inclusivo. Como afirmam Del Prette e Del Prette (2001):
O desenvolvimento das habilidades sociais na infância favorece significativamente o ajustamento escolar, pois contribui para relações mais cooperativas com colegas e professores, reduzindo conflitos e promovendo um ambiente mais propício à aprendizagem. Crianças com repertórios sociais adequados têm mais facilidade para lidar com regras, expressar sentimentos, pedir ajuda, resolver conflitos e participar de atividades coletivas.
Essa compreensão reforça a importância de promover, desde cedo, um ambiente educativo que valorize não apenas o conteúdo acadêmico, mas também a convivência e o desenvolvimento interpessoal. Dessa forma, quando as crianças desenvolvem bem suas habilidades sociais, elas conseguem se relacionar melhor umas com as outras e isso faz toda a diferença tanto na aprendizagem quanto na forma como convivem dentro e fora da escola.
Portanto, investir no desenvolvimento socioemocional desde a Educação Infantil é um caminho promissor para formar indivíduos mais equilibrados, conscientes de si e do outro, preparados para enfrentar os desafios da vida em sociedade. Cabe à escola, como espaço de formação integral, assumir esse compromisso com intencionalidade e sensibilidade, garantindo que a educação vá além da instrução acadêmica e promova a formação humana em sua plenitude.
O QUE DIZEM OS REFERENCIAIS TEÓRICOS
0 a 2 anos: Nos primeiros anos de vida até os dois anos, é fundamental que o bebê receba amor, atenção e cuidados responsivos. Esses elementos fortalecem os vínculos afetivos e proporcionam a base para a confiança e segurança emocional. O contato constante com cuidadores que respondem às suas necessidades ajuda a construir uma base sólida para o desenvolvimento emocional futuro, assim, nesta fase é importante estabelecer vínculos e segurança emocional.
2 a 4 anos: as crianças vivem uma fase marcada pela curiosidade e pelo desejo de explorar tudo ao seu redor. É um momento em que ganham mais autonomia e começam a se envolver de forma mais ativa com o ambiente e com as pessoas. Elas aprendem a brincar juntas, a dividir, a se comunicar com mais clareza e a lidar, aos poucos, com sentimentos e emoções. Nessa etapa, a empatia começa a surgir de maneira mais evidente, assim como a capacidade de resolver pequenos conflitos, habilidades essenciais para construir relações saudáveis e significativas.
4 aos 6 anos: tem-se a auto expressão e regulação emocional, onde o desenvolvimento da linguagem e da autoexpressão se intensifica, permitindo que as crianças compreendam melhor suas emoções e as dos outros. A capacidade de lidar com sentimentos como frustração e ansiedade se torna mais sofisticada. Um ambiente rico em estímulos positivos, no qual a criança se sinta segura para explorar e se expressar, é essencial para o fortalecimento dessas competências.
Assim, as Habilidades Socioemocionais podem ser trabalhadas desde os primeiros meses de vida da criança, uma vez que o bebê, ainda que não domine a linguagem verbal, é profundamente sensível às interações afetivas. As experiências emocionais precoces vividas com os docentes, como o acolhimento, a escuta atenta, o toque carinhoso e a previsibilidade das rotinas, contribuem para o fortalecimento do vínculo afetivo e da segurança emocional. Nesse sentido, Wallon (2007, p. 152) enfatiza que “as emoções constituem a primeira forma de comunicação do ser humano e são determinantes no processo de construção da identidade”. Ainda, conforme aponta Erikson (1998), o primeiro estágio do desenvolvimento psicossocial envolve o desenvolvimento da confiança básica, que só pode ocorrer em ambientes nos quais as necessidades afetivas e físicas do bebê são atendidas de forma sensível e contínua. Dessa forma, ao cuidar de maneira responsiva e promover um ambiente emocionalmente seguro, o educador não apenas acolhe, mas também ensina, favorecendo o desenvolvimento de competências como o apego seguro, a autorregulação e a empatia desde os primeiros anos de vida.
A Educação Infantil é uma fase decisiva, onde se lançam as bases para o desenvolvimento cognitivo, emocional e social das crianças. É nesse período que cada descoberta, cada interação e cada experiência vivida contribui de forma profunda para a construção da identidade, o fortalecimento da autonomia e a aprendizagem de como conviver com os outros. Tudo o que é vivido nessa etapa deixa marcas que acompanham a criança ao longo da vida. Desenvolver habilidades como empatia, autocontrole, cooperação, escuta ativa e resolução de conflitos desde os primeiros anos escolares contribui significativamente para a construção de vínculos positivos e de um ambiente escolar acolhedor e inclusivo. Segundo Durlak et al. (2011), programas que promovem competências socioemocionais desde a infância apresentam efeitos positivos tanto no comportamento quanto no desempenho acadêmico dos alunos. Além disso, ao reconhecer e acolher as emoções, a criança aprende a lidar com frustrações, a expressar seus sentimentos de forma saudável e a desenvolver atitudes de respeito e responsabilidade, aspectos fundamentais para o convívio em sociedade e para o sucesso escolar e pessoal ao longo da vida.
Desta forma, ao relacionar essas diferentes perspectivas teóricas, percebe-se um ponto em comum: o desenvolvimento integral da criança passa necessariamente pela valorização das interações sociais, da afetividade e das competências emocionais. A Educação Infantil, nesse contexto, assume um papel decisivo como espaço de promoção de vínculos, experiências e aprendizagens significativas que impactam toda a trajetória do sujeito.
DESAFIOS E OPORTUNIDADES
A implementação das Habilidades Socioemocionais nas escolas representa um avanço significativo rumo a uma formação mais humanizada, integral e alinhada às demandas do século XXI. No entanto, esse processo ainda enfrenta diversos desafios, exigindo esforços conjuntos de educadores, gestores, famílias e políticas públicas. Por outro lado, também se abrem oportunidades valiosas para transformar positivamente os ambientes escolares e a vida dos estudantes.
Entre os principais obstáculos para a efetivação da educação socioemocional nas instituições de ensino, destaca-se a falta de formação específica dos professores. Muitos docentes não receberam, ao longo de sua formação inicial, subsídios teóricos e práticos sobre como desenvolver essas competências em sala de aula. Além disso, há certa insegurança e resistência quanto ao papel do professor no trabalho com emoções, o que muitas vezes é visto como um tema subjetivo ou secundário em relação aos conteúdos acadêmicos.
Outro desafio é a ausência ou fragilidade de políticas públicas voltadas à educação socioemocional. Embora a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) reconheça a importância dessas competências, ainda há uma lacuna na formulação de diretrizes claras e investimentos concretos para capacitação, acompanhamento e avaliação de programas voltados a essa área. Sem apoio institucional e recursos adequados, muitas escolas ficam limitadas em sua atuação.
Além disso, há um descompasso entre os diferentes atores da comunidade escolar. Em alguns contextos, as famílias desconhecem ou não valorizam a importância da aprendizagem socioemocional, o que pode dificultar o trabalho desenvolvido pelos educadores. Também pode haver resistência por parte de gestores que priorizam resultados acadêmicos mensuráveis, como notas e avaliações externas, em detrimento de aspectos emocionais e sociais, considerados “intangíveis”.
Um dos maiores desafios, portanto, reside justamente na avaliação dessas habilidades. Ao contrário dos conteúdos curriculares tradicionais, que se prestam a instrumentos objetivos e quantitativos, as HS exigem formas de acompanhamento qualitativo, contínuo e contextualizado. A observação sistemática do comportamento infantil em situações reais de convivência, os registros reflexivos do educador, os portfólios de vivências e até mesmo a autoavaliação mediada com as crianças são estratégias possíveis para identificar avanços e necessidades no desenvolvimento emocional e social.
Segundo Del Prette e Del Prette (2017), “avaliar habilidades sociais exige mais do que verificar sua ocorrência: é necessário considerar a funcionalidade da habilidade diante do contexto, a intenção comunicativa da criança e as consequências sociais geradas”. Assim, mais do que “medir” as HS, a proposta é interpretar indícios do desenvolvimento socioemocional a partir da interação da criança com os outros e consigo mesma. Essa avaliação deve ser compreendida como parte do processo formativo, integrando-se ao planejamento pedagógico e servindo de base para o replanejamento de estratégias que favoreçam o desenvolvimento integral. Considerando que as HS influenciam diretamente o desempenho cognitivo (Casel, 2020), acompanhar e promover essas competências deve ser visto não como um desvio da aprendizagem escolar, mas como parte estruturante dela.
EXEMPLOS DE BOAS PRÁTICAS EM INSTITUIÇÕES DE ENSINO
Apesar dos desafios, diversas escolas vêm se destacando por incorporar com sucesso práticas de educação socioemocional em seus projetos pedagógicos. Instituições que adotam programas estruturados e contínuos nessa área têm colhido frutos significativos, tanto em termos de desempenho acadêmico quanto de bem-estar emocional dos estudantes.
Pesquisas realizadas por Weissberg et al. (2015) demonstram que programas bem implementados podem melhorar em até 11% o desempenho dos alunos em avaliações padronizadas, além de reduzir problemas de comportamento e sintomas de ansiedade. Esses dados reforçam que cuidar da dimensão emocional favorece diretamente o aprendizado.
Boas práticas incluem, por exemplo:
Essas experiências revelam que é possível transformar o clima escolar por meio da valorização das emoções, da escuta e das relações humanas. Quando há intencionalidade pedagógica, compromisso institucional e envolvimento da comunidade, a educação socioemocional se torna uma poderosa ferramenta de inclusão, prevenção e promoção da cidadania.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O desenvolvimento socioemocional nos primeiros anos de vida é uma base essencial para o crescimento completo da criança. É nessa fase que ela começa a construir a forma como enxerga a si mesma, como se relaciona com os outros e como lida com os desafios do dia a dia. As vivências da infância deixam marcas profundas, influenciando diretamente o modo como ela irá aprender, conviver e se expressar ao longo de toda a sua trajetória. Como demonstrado neste artigo, a aquisição de habilidades como empatia, autocontrole, cooperação e tomada de decisões responsáveis deve ser incentivada desde cedo, por meio de interações significativas, ambientes acolhedores e práticas educativas intencionais.
Os referenciais teóricos de Piaget, Vygotsky, Goleman, Wallon, Denham e outros reforçam a importância de uma abordagem integrada, que valorize tanto os aspectos cognitivos quanto os emocionais do desenvolvimento infantil. Além disso, evidências empíricas apontam que o investimento na educação socioemocional contribui para melhores resultados acadêmicos, maior bem-estar emocional e relações interpessoais mais saudáveis.
Apesar dos desafios ainda presentes, como a falta de formação docente específica, ausência de políticas públicas consistentes e métodos de avaliação coerentes, as oportunidades são promissoras. Boas práticas já implementadas em diversas instituições mostram que é possível transformar a cultura escolar e promover uma educação mais humana, inclusiva e alinhada às necessidades contemporâneas.
Assim, cabe à sociedade como um todo, educadores, gestores, famílias e formuladores de políticas, o compromisso de fortalecer o desenvolvimento socioemocional desde a primeira infância. Essa é uma escolha ética e estratégica que garante às novas gerações não apenas o acesso ao conhecimento, mas também a construção de uma vida mais equilibrada, consciente, empática e saudável.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOWLBY, J. Apego e perda: apego. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Ministério da Educação, 2017. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/. Acesso em: 08 de abril de 2025.
BRONFENBRENNER, U. A ecologia do desenvolvimento humano: experimentos naturais e planejados. Porto Alegre: Artmed, 1996.
CASEL. 2020 CASEL Guide to Schoolwide SEL: Essentials for Implementation. Chicago: Collaborative for Academic, Social, and Emotional Learning, 2020. Disponível em: https://casel.org. Acesso em: [coloque a data de acesso].
DEL PRETTE, Zilda A. P.; DEL PRETTE, Almir. Psicologia das habilidades sociais na infância: teoria e prática. Petrópolis: Vozes, 2001.
DEL PRETTE, Zilda A. P.; DEL PRETTE, Almir. Habilidades sociais e desenvolvimento infantil: Aspectos conceituais, avaliação e intervenção. 2. ed. São Paulo: Vozes, 2017.
DENHAM, Susanne A. “Social-Emotional Competence in Early Childhood.” Guilford Press, 2006.
DURLAK, Joseph A. Et al. The impact of enhancing students’ social and emotional learning: A meta‐analysis of school‐based universal interventions. Child Development, v. 82, n. 1, p. 405–432, 2011.
ELIAS, Maurice J. “Promoting Social and Emotional Learning: Guidelines for Educators.” ASCD, 1997.
ERIKSON, E. H. Infância e sociedade. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.
GOLDSTEIN, K. The Organism: A Holistic Approach to Biology Derived from Pathological Data in Man. New York: Zone Books, 1999.
GOLEMAN, Daniel. Inteligência Emocional. Rio de Janeiro: Objetiva, 1995.
HECKMAN, J. J. Skill formation and the economics of investing in disadvantaged children. Science, v. 312, n. 5782, p. 1900-1902, 2006.
PIAGET, Jean. A formação do símbolo na criança: imitação, jogo e sonho, imagem e representação. Rio de Janeiro: Zahar, 1976.
___________. “The Origins of Intelligence in Children.” Norton, 1952.
SHONKOFF, J. P.; PHILLIPS, D. A. From Neurons to Neighborhoods: The Science of Early Childhood Development. Washington, DC: National Academy Press, 2000.
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984.
_____________. “Mind in Society: The Development of Higher Psychological Processes.” Harvard University Press, 1978.
WALLON, Henri. A evolução psicológica da criança. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
WEISSBERG, Roger P. “Social and Emotional Learning: Past, Present, and Future.” The Guilford Press, 2015.
WINNICOTT, D. W. Os bebês e suas mães. São Paulo: Martins Fontes, 1987.
Área do Conhecimento
Submeta seu artigo e amplie o impacto de suas pesquisas com visibilidade internacional e reconhecimento acadêmico garantidos.