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Resumo
INTRODUÇÃO
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é um distúrbio neurobiológico caracterizado por dificuldades na interação social, comunicação e comportamentos repetitivos. Crianças com TEA apresentam uma forma diferenciada de aprendizagem, o que exige estratégias pedagógicas específicas e inclusivas. Dentre as metodologias que têm se mostrado eficazes no processo de ensino e aprendizagem, o lúdico é uma abordagem promissora. O uso de atividades lúdicas no ambiente escolar pode potencializar o desenvolvimento cognitivo, social e emocional dessas crianças, promovendo um aprendizado mais significativo e prazeroso.
Apesar dos avanços nas metodologias de ensino para crianças com TEA, ainda existem dificuldades em encontrar estratégias que favoreçam o aprendizado dessas crianças de maneira inclusiva e eficaz. O uso do lúdico como ferramenta pedagógica pode ser uma alternativa viável, mas quais são suas reais contribuições para o desenvolvimento de habilidades sociais, emocionais e cognitivas destes alunos no contexto escolar? Como tornar o lúdico uma prática pedagógica efetiva no ensino de crianças com TEA?
Diante do que foi apresentado, teve como objetivo geral, investigar a importância do lúdico no processo de ensino e aprendizagem de crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA), analisando os benefícios dessa abordagem para o desenvolvimento dessas crianças no contexto escolar. Já os objetivos específicos foram: compreender os principais desafios enfrentados por crianças com TEA no processo de aprendizagem; identificar como o uso de atividades lúdicas pode auxiliar na construção de habilidades sociais e cognitivas de crianças com TEA; analisar experiências pedagógicas e metodologias que integrem o lúdico no ensino de crianças com TEA e propor estratégias pedagógicas baseadas no lúdico para a inclusão de crianças com TEA no ambiente escolar.
A justificativa para a escolha deste tema reside na necessidade de promover um ensino inclusivo e eficaz para crianças com TEA, utilizando estratégias que considerem suas particularidades no processo de aprendizagem. O lúdico, por sua natureza, pode favorecer a interação, a comunicação e a expressão emocional dessas crianças, aspectos fundamentais para seu desenvolvimento. Ao explorar essa abordagem, este estudo visa contribuir para a construção de práticas pedagógicas mais adequadas e eficientes, tornando o ambiente escolar mais acessível e inclusivo.
A pesquisa foi realizada por meio de uma abordagem qualitativa, utilizando a revisão bibliográfica sobre o uso do lúdico na educação de crianças com TEA. Foram analisados estudos de caso, artigos científicos, livros e dissertações que abordam a utilização do lúdico em contextos educacionais inclusivos.
TRANSTORNO DO ESPECTRO DO AUTISMO – TEA
O Transtorno do Espectro Autista é uma condição neuropsiquiátrica que compromete principalmente a capacidade de interagir socialmente e se comunicar verbal e não verbalmente. De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), o TEA é caracterizado por déficits persistentes na comunicação e interação social em vários contextos, e padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades (APA, 2014).
“Ao longo de sua vida, o indivíduo com autismo pode apresentar dificuldades de socialização, comunicação e comportamentos repetitivos, que variam consideravelmente em intensidade e expressão” (American Psychiatric Association, 2014, p. 50).
O diagnóstico de autismo é clínico e é feito com base em uma avaliação detalhada do comportamento do indivíduo, levando em consideração os sintomas descritos no DSM-5. Segundo a pesquisa de Moura et al. (2016), o diagnóstico precoce pode melhorar significativamente a qualidade de vida das pessoas com TEA, pois permite a implementação de intervenções mais eficazes.
A etiologia do autismo é complexa e envolve uma interação entre fatores genéticos e ambientais. Estudos sugerem que a predisposição genética desempenha um papel crucial, mas fatores ambientais, como infecções virais durante a gestação, também podem contribuir para o desenvolvimento do transtorno(Larson; Fields, 2017).
O tratamento do autismo envolve abordagens multifacetadas, com foco na melhoria da comunicação, habilidades sociais e comportamentais. Programas como a Terapia Comportamental Aplicada (ABA) são amplamente utilizados e têm mostrado resultados positivos no desenvolvimento de habilidades funcionais e redução de comportamentos desafiadores(Lavesson, 2018).
PRÁTICA LÚDICA: OS REFLEXOS NO DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA COM TRANSTORNO DO ESPECTRO DO AUTISMO – TEA
O lúdico vem sendo estudado por diversas áreas da educação, como também pela Antropologia, Sociologia, Psicologia da Educação e áreas afins. Para compreendermos melhor o conceito do que seria o lúdico, tema caro a este artigo, destacam-se as ideias de alguns autores. Partindo da etimologia da palavra, Santos (2018, p.03) ressalta:
[…] a palavra lúdica vem do latim ludus e significa brincar. A atividade lúdica surgiu como nova forma de abordar os conhecimentos de diferentes formas e também uma atividade que favorece a interdisciplinaridade. O lúdico é reconhecido como elemento essencial para o desenvolvimento das várias habilidades, em especial a percepção da criança.
Na mesma perspectiva, Dohme(2019, p. 32) traz vários exemplos de fácil entendimento, na medida em que o pesquisador defende que a ludicidade se refere:
[…] aos jogos pedagógicos; brincadeiras; dinâmicas de grupo; recorte e colagem; dramatizações; exercícios físicos; cantigas de roda; atividades rítmicas e atividades nos computadores”. Nesse sentido, aproxima o lúdico da prática pedagógica.
Neste contexto, a criança necessita apenas de ser auxiliada para ter a oportunidade de descobrir e aprender, interagindo com o ambiente, buscando a propriedade e função dos objetos, manipulando e transformando-os. O jogo torna-se, então, peça fundamental para o desenvolvimento intelectual da criança, como também para a sua relação de convivência com as outras crianças e, acima de tudo, para o seu desenvolvimento. Na visão de Froebel (1970, p. 16), a atividade lúdica proporciona à criança “alegria, liberdade, satisfação, repouso interno e externo, paz com o mundo”. O autor também afirma que uma criança que brinca integralmente, por determinação de sua própria atividade, perseverando até que a fadiga física a impeça, será provavelmente um adulto completo e determinado, capaz de auto-sacrifício para a promoção do bem-estar de si mesmo e dos outros.
Pode-se dizer, portanto, que a criança se revela totalmente no lúdico, sendo este um caminho proveitoso para se conhecer suas ideias e sentimentos. De acordo com Lima (2018, p. 19) afirma: “a infância é o tempo de aprendizagem, de desenvolvimento das diferentes funções motoras, psicológicas e psíquicas, das potencialidades que emergem e estão latentes na criança. Ela se torna grande pelo jogo”. O autor também descreve que o jogo, concebido como atividade de natureza histórica e social, incorpora diferentes aspectos da cultura: conhecimentos, valores, habilidades e atitudes. Portanto, a sua utilização como recurso pedagógico requer do educador um posicionamento frente às suas possibilidades e limitações.
O brincar desperta, ainda, a curiosidade da criança, na medida em que desenvolve habilidades motoras, estimula a concentração e a atenção. Logo, a brincadeira não é um simples passatempo. Nesse sentido, Piaget (1975) defende que é através da brincadeira que a criança se apropria de conhecimentos que possibilita sua ação sobre o meio em que se encontra.
Ou seja, é no processo lúdico que a criança desenvolve suas habilidades, o que facilita sua aprendizagem, o seu desenvolvimento no aspecto social e cultural, além de também promover a criança no processo facilitador de socialização com outras crianças. Como afirma Dohme (2019), as atividades lúdicas podem colocar o aluno em diversas situações, onde ele pesquisa e experimenta, fazendo com que ele conheça suas habilidades e limitações, que exercite o diálogo. Sua capacidade de liderança também pode ser aprimorada, na medida em que seja solicitada ao exercício de valores éticos e muitos outros desafios. Estes permitirão vivências capazes de construir conhecimentos e atitudes.
Diante disso, defende-se que utilizar a atividade lúdica como meio no processo educacional da criança é desfazer aquele pensamento do senso comum, defendendo que o brincar não é apenas brincar, mas sim uma ferramenta indispensável em sala de aula, para favorecer o desenvolvimento intelectual e social da criança.
Neste sentido, o teórico Koshimoto(2018) afirma que o jogo contempla várias formas de representação da criança e de suas múltiplas inteligências, contribuindo para a aprendizagem e o desenvolvimento infantil. Quando as situações lúdicas são intencionalmente criadas pelo adulto, com vistas a estimular certos tipos de aprendizagem, surge a dimensão educativa. Logo, utilizar o jogo na educação infantil significa transportar para o campo do ensino-aprendizagem condições para maximizar a construção do conhecimento. Corroborando essas ideias, Mafra(2019, p.13) esclarece:
A educação lúdica, além de contribuir e influenciar na formação da criança e do adolescente, possibilitando um crescimento sadio, um enriquecimento permanente; integra-se ao mais alto espírito de uma prática democrática, enquanto investe em uma produção séria do conhecimento. A utilização de jogos educativos como recurso didático-pedagógico, voltado a estimular e efetivar a aprendizagem, desenvolvendo todas as potencialidades e habilidades nos alunos, é um caminho para o educador desenvolver aulas mais interessantes, descontraídas e dinâmicas, podendo competir em igualdade de condições com inúmeros recursos a que o aluno tem acesso fora da escola.
Sendo assim, é através do lúdico que a criança consegue desenvolver e aprender de forma mais prazerosa, menos cansativa. Utilizando imagens, jogos educativos, brincadeiras e histórias infantis, a criança internaliza o aprendizado mais rápido e de maneira mais articulada e consistente. O conhecimento torna-se, então, parte da realidade da criança. Neste sentido, Mafra(2019, p.14) complementa ao dizer:
[…] o aprendizado que se dá através de jogos e brincadeiras tem vários fatores positivos, tornando o desenvolvimento escolar da criança menos monótono e desinteressante que a simples exposição de conteúdos, pois na atividade lúdica ela participa ativamente como parte integrante do processo, fazendo com que a criança desenvolva-se de maneira integral, onde todas as suas habilidades e motivações são exploradas.
Como consequência dos processos mentais adquiridos no período das brincadeiras, as funções cognitivas da criança ficam cada vez mais aguçadas. No início do desenvolvimento infantil, a percepção, segundo Vygotsky (1998) informa: está ligada imediatamente à motricidade, que constitui apenas um dos momentos do processo sensório motor integral e que, somente paulatinamente, com os anos, começa a adquirir uma notável independência e a libertar-se dessa conexão parcial com a motricidade”. Assim sendo, com o passar do tempo, a criança começa a interagir com os objetos já distinguindo a realidade da fantasia, adquirindo, aos poucos, experiências e desenvolvendo conceitos sobre o mundo que a cerca.
Para Kraemer (2018), brincando, a criança aprende a compreender o mundo em que vive. Logo, realizando atividades lúdico-educativas, a criança aprende com prazer, principalmente na escola. Assim como a criança aprende a brincar com o passar do tempo, o educador precisa ensinar a criança e o adolescente a gostar de realizar atividades lúdico-educativas, por meio das quais eles irão desenvolver a imaginação, a criatividade, a atenção e a sociabilidade.
Segundo Vygotsky (1998), brincando a criança tem oportunidade de criar situações simbólicas que predominam na primeira infância, o que auxilia em seu desenvolvimento psicológico, social e cultural. O mesmo cita como exemplo da brincadeira do circo, que é indicada para a educação infantil, “Vamos montar um circo”!, é uma atividade lúdica baseada nos ensinamentos do pensador, pois através dela a criança tem oportunidade de vivenciar o mundo circense criando uma dramatização. Ainda na visão de Vygotsky (1998, p. 23) completa ao afirmar: não existe atividade lúdica sem regras, porque a situação imaginária de qualquer brinquedo já possui regras de comportamento, mesmo não apresentando as regras explícitas como um jogo. Já na visão de Devries (1992, p.73) corrobora ao dizer:
[…] os jogos servem, particularmente, para promover o desenvolvimento da cooperação, porque as crianças são motivadas pelo divertimento do jogo a cooperar voluntariamente (autonomamente) com outros, seguindo as regras. Jogos requerem, em grande parte, adequação e coordenação interindividual e as crianças são motivadas a usar a inteligência para compreender o jogo.
Na mesma linha de raciocínio, Brunet(2014) defende que as atividades lúdicas auxiliam no desenvolvimento da linguagem na criança. O desenvolvimento da linguagem oral é um dos principais objetivos da maioria das atividades lúdicas.
Os recursos lúdicos também fazem com que a criança desenvolva as habilidades de se expressar, trabalhar em grupos com outras crianças, inibindo a vergonha, timidez e, acima de tudo, desperta o interesse na criança de aprender. Logo, a brincadeira é a oportunidade de desenvolvimento na qual a criança experimenta, descobre, inventa, exercita e ainda confere suas habilidades(Mafra, 2019).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O uso do lúdico no processo de ensino e aprendizagem de crianças com Transtorno do Espectro Autista(TEA) mostrou-se uma abordagem promissora e eficaz, proporcionando avanços significativos no desenvolvimento cognitivo, emocional e social dessas crianças. Ao integrar atividades lúdicas no cotidiano escolar, é possível criar um ambiente mais inclusivo e favorável ao aprendizado, considerando as particularidades de cada criança com TEA. O brincar, além de ser uma forma de expressão natural para as crianças, serve como uma poderosa ferramenta para superar barreiras comunicativas, facilitar a interação social e estimular o raciocínio lógico e criativo.
Através da metodologia lúdica, é possível trabalhar habilidades essenciais, como a atenção, o controle emocional, a resolução de problemas, a comunicação e a empatia. As crianças com TEA podem se beneficiar de um ambiente que não só respeite suas diferenças, mas que também as incentive a participar ativamente do processo educacional de forma prazerosa e envolvente. Contudo, é importante destacar que o sucesso do lúdico no ensino de crianças com TEA depende de uma adaptação cuidadosa e de uma formação adequada dos educadores, que precisam estar preparados para identificar e atender às necessidades individuais dos alunos.
Embora os resultados encontrados na literatura e em práticas pedagógicas sejam positivos, ainda há um longo caminho a ser percorrido para consolidar o lúdico como uma prática pedagógica efetiva e amplamente aplicada. A implementação de estratégias baseadas no lúdico deve ser feita de maneira gradual, considerando as características específicas de cada criança, e sempre com acompanhamento contínuo para avaliar os resultados.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Alencar, Sylvia. A música na Educação Infantil. 4°. Ed. São Paulo: Editora Paterniani, 2010.
Devries, Constance Kamii Rheta. Piaget para a educação pré escolar. Editora: Artes Médicas. 1992.
Kishimoto, Tizuko M. Jogos, brinquedos e a Educação. Ed. Cortez, 2ª ed. 2018.
Kraemer, Maria Luiza. Aprendendo com criatividade. Autores Associados (formação de professores). Campinas.SP.2018.
Maciel, Maria Regina Cazzaniga. Portadores de deficiência: a questão da inclusão social. In: São Paulo em Perspectiva,v. 14, n. 2. São Paulo, abr./jun. 2017, p. 51-56.
Vygotsky, Lev S. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1987. – A Formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
Vygotsky, Lev S. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1987. – A Formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
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