INTRODUÇÃO

O futebol no Brasil começou a se popularizar no século XIX, inicialmente através das escolas, com a introdução feita pelos jesuítas que trouxeram experiências adquiridas nos centros europeus. A prática esportiva se espalhou entre todas as classes sociais, com a realização de torneios regionais, nacionais e internacionais. No contexto escolar, o futebol foi reorganizado por Padre Luís Yabar no Colégio São Luís, que, conhecendo as regras originais da prática na Inglaterra, as introduziu na instituição, fazendo com que os alunos jogassem com regras organizadas e uniformizados. Embora a influência de Charles Miller seja reconhecida como fundamental para a introdução do futebol no Brasil, alguns relatos indicam que o esporte foi inicialmente desenvolvido pelos jesuítas (Neto, 2002).

O futebol exige dos jogadores uma combinação de habilidades técnicas, táticas, mentais e físicas. O treinador deve entender profundamente não apenas as características técnicas e táticas, mas também os aspectos fisiológicos do jogo, para planejar adequadamente as cargas de treino. Estudos indicam que, fisiologicamente, o futebol possui um perfil bioenergético misto, com significativa contribuição do metabolismo aeróbio (Rebelo, et al. 2013).

Antigamente, a tática e a estratégia no futebol eram definidas de maneira simplificada, sendo a estratégia um planejamento de longo prazo e a tática uma abordagem flexível, ajustada conforme as necessidades durante o jogo. No entanto, essa concepção não corresponde totalmente à realidade prática. O primeiro esquema tático registrado no futebol foi desenvolvido por Florentino no século XVI, que utilizava 450 atletas em uma partida, mas devido à desordem, os ingleses estabeleceram que o jogo deveria ser praticado por 22 jogadores, com 11 em cada equipe. A partir dessa ideia, começaram a ser desenvolvidos esquemas táticos que determinavam os posicionamentos dos jogadores em campo, com as funções resumidas em defensores, meios-campistas e atacantes (Ricca, 2017).

O treinamento de crianças e jovens consiste em ser uma tarefa complexa e de extrema responsabilidade, que deve ser compreendida e desenvolvida em longo prazo (Santos, et al, 2016). 

A capacidade tática desempenha um papel crucial no futebol, pois permite ao jogador aproveitar melhor suas habilidades físicas, técnicas e psicológicas, contribuindo para uma atuação coletiva mais eficiente. O desenvolvimento da capacidade técnica e tática exige, também, uma elevada velocidade de raciocínio. Isso se deve às dimensões do campo e às particularidades do esporte, que demandam decisões rápidas dos jogadores. Quanto maior for a velocidade de raciocínio, melhor será a qualidade do atleta na execução das ações de jogo, já que é fundamental que ele tenha agilidade mental para encontrar soluções diante das situações que surgem durante a partida (CREFSC, 2023).

Capacidade física corresponde às demandas orgânicas geradas pela prática esportiva. A resistência muscular, a força/potência de membros inferiores, a agilidade e a flexibilidade são consideradas essenciais para essa prática (González, et al. 2012). Técnica é um elemento relevante e diz respeito à execução do gesto motor, sendo uma solução para determinada ação tática pretendida. É uma resposta motora que o jogador efetuará após ter processado as informações de acordo com a situação de jogo (Garganta, 2013).

A realização inadequada das cargas de treinamento pode ser prejudicial à saúde do atleta, quando bem planejada, a preparação física contribui de forma progressiva para a melhora da resistência, força, tempo de reação, desempenho em sprints máximos e agilidade nas mudanças de direção. A preparação física é considerada um dos elementos mais importantes no futebol, pois serve como base para o aprimoramento de aspectos técnicos, táticos, estratégicos e psicológicos, promovendo um equilíbrio no desempenho do jogador. Além disso, é adaptada à individualidade de cada atleta, permitindo que ele suporte as intensas cargas de trabalho exigidas pela modalidade (Shin, J. et al, 2011).

METODOLOGIA

Este artigo utiliza a revisão bibliográfica como método de investigação para analisar o contexto da preparação integral de jovens atletas no futebol de base, considerando as dimensões técnica, tática, física e psicológica. A revisão bibliográfica é uma ferramenta indispensável para organizar e interpretar conhecimentos previamente existentes sobre o tema.

A pesquisa foi realizada em bases de dados nacionais e internacionais, como SciELO e Google Scholar, com a finalidade de reunir estudos relevantes publicados entre 2015 e 2025. O recorte temporal foi definido para garantir que os materiais analisados fossem recentes, refletindo os avanços atuais nas discussões sobre desenvolvimento técnico, organização tática, preparação física e fortalecimento mental de atletas em categorias de base. Foram utilizados termos de busca como “formação integral no futebol”, “desenvolvimento esportivo” e “categorias de base”.

Os critérios de inclusão para a seleção dos documentos abrangeram artigos científicos, dissertações, teses, livros e relatórios institucionais que abordassem direta ou indiretamente a formação integral no futebol de base. Foi dada prioridade a estudos que apresentassem análises práticas e teóricas sobre o impacto das habilidades técnicas, estratégias táticas, preparação física e competências mentais no desempenho esportivo. Foram descartados trabalhos que focavam exclusivamente em aspectos históricos ou fisiológicos, sem relação com a abordagem integral dos atletas.

Após a coleta do material, foi conduzida uma análise crítica e interpretativa dos textos selecionados. Esse processo incluiu a identificação de conceitos-chave, metodologias aplicadas nos estudos analisados, principais resultados e lacunas existentes na literatura sobre o tema.

Por fim, a revisão bibliográfica foi essencial para identificar deficiências na capacitação de treinadores e na elaboração de programas voltados para a preparação integral dos atletas. Os resultados encontrados oferecem suporte para técnicos, gestores esportivos e formuladores de políticas interessados no desenvolvimento global dos jovens jogadores, promovendo um futebol de base mais equilibrado e inclusivo.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

O preparador físico desempenha um papel crucial no futebol, não apenas orientando e planejando treinos, mas também analisando aspectos técnico-táticos. A sua atuação é essencial para melhorar o rendimento dos jogadores, sendo necessário ter um amplo repertório para lidar com as variáveis do jogo. Devido à natureza imprevisível e dinâmica do futebol, o preparador físico deve estar preparado para interpretar as individualidades dos atletas e adaptar as estratégias de treinamento. Ao longo dos anos, a profissão evoluiu com o avanço do conhecimento científico, o que permitiu aprimorar a análise do desempenho dos jogadores (Lima, et al. 2020).

O desenvolvimento da capacidade para jogar futebol envolve um aperfeiçoamento de competências situacionais, intimamente relacionadas com a capacidade para gerir as mudanças incessantes produzidas no contexto de jogo. Trata-se de um processo durante o qual se procura estimular o desenvolvimento de uma inteligência corporal, uma inteligência em ato, promovendo a exercitação, a variabilidade e a adaptabilidade de comportamentos e atitudes (Garganta, 2013).

Um estudo realizado por Bettega et al. analisou a concepção de treinadores das categorias de base de um clube de elite do futebol brasileiro sobre o ensino da técnica e da tática no processo de ensino-treino. Foram entrevistados oito treinadores das categorias sub-10 ao sub-17, e os dados foram analisados por meio da análise de conteúdo. Os resultados mostraram que, no planejamento e no treino, a maioria dos treinadores desenvolve a técnica de forma isolada da tática, enquanto, na avaliação do jogo, priorizam o contexto tático sem dar a devida importância ao aspecto técnico. Essa incoerência ressalta a necessidade de um planejamento integrado que contextualize o desenvolvimento da técnica e da tática de forma complementar (Bettega, et al. 2018).

Os achados de Feltrin e Machado (2009) indicam que as habilidades técnicas, por si só, não são determinantes para o desempenho no jogo, independentemente da posição ocupada pelos atletas. Essa constatação reforça a ideia de que outros fatores, como a inteligência tática, a tomada de decisão e a capacidade cognitiva, podem exercer um papel mais relevante na atuação dos jogadores durante a partida. No contexto do presente estudo, esses resultados corroboram a observação de que os jogadores titulares apresentaram vantagens significativas nos fatores táticos e psicológicos, sugerindo que aspectos técnicos isolados podem não ser suficientes para definir o status do atleta dentro da equipe. Dessa forma, o treinamento esportivo deve considerar uma abordagem mais ampla, que vá além do aprimoramento técnico, incluindo também o desenvolvimento cognitivo e tático dos jogadores (Feltrin, et al. 2019).

Estudo realizado por Cabral (2021) destaca que um planejamento eficaz no futebol deve integrar aspectos técnicos, táticos e preparo físico, com períodos específicos de treinamento relacionados diretamente ao jogo. A pesquisa conclui que a periodização eficaz depende fundamentalmente do trabalho do preparador físico, que, além de aprimorar as qualidades físicas relevantes para o esporte, deve ser capaz de desenvolver um programa periódico focado na melhoria do desempenho dos atletas, considerando as individualidades dos jogadores e seus posicionamentos (Cabral, A. L. S. et al., 2021).

Programas de formação visam o desenvolvimento das habilidades técnicas desde a infância, adaptando os treinamentos às exigências específicas de cada modalidade. Entre os benefícios estão o aprimoramento de habilidades básicas, como dribles, passes, controle de bola e finalização. Quando trabalhadas desde cedo, essas habilidades formam uma base técnica sólida. Essas abordagens promovem um desenvolvimento equilibrado, evitando lacunas nas habilidades técnicas dos atletas e proporcionando uma formação mais completa, o treinamento das ações técnicas organiza de forma sistemática os movimentos do jogo, promovendo uma dinâmica entre a execução e sua aplicação prática no contexto do jogo real (Andrade, 2017).

Os resultados de Moreira et al. (2016) ressaltam a influência de variáveis fisiológicas, como o estado hormonal, o perfil antropométrico e o nível de maturidade sexual, sobre as habilidades técnicas e o desempenho físico dos atletas durante jogos em espaço reduzido. Esses achados apontam para a complexa interação entre diferentes componentes do desempenho esportivo, demonstrando que fatores físicos podem impactar diretamente a execução de ações técnicas dentro do jogo. No presente estudo, embora não tenham sido identificadas diferenças estatisticamente significativas nos aspectos físicos e técnicos entre titulares e reservas, a literatura sugere que o desempenho técnico pode ser influenciado por condições físicas individuais. Assim, é fundamental que treinadores e comissões técnicas adotem uma abordagem integrada no treinamento, considerando tanto o desenvolvimento físico quanto às capacidades cognitivas e táticas dos jogadores para otimizar seu desempenho em campo (Moreira, et al., 2017).

Os achados de Modric et al. (2019) reforçam a importância da preparação integral no futebol de base, considerando que os diferentes aspectos do desempenho — técnico, tático, físico e mental — estão interligados e variam conforme a posição do jogador em campo. A performance de corrida demonstrou correlações distintas com os indicadores de performance do jogo, evidenciando que a exigência física não é homogênea entre as posições e que seu impacto pode ser maior ou menor dependendo do contexto tático. No futebol de base, essa variação ressalta a necessidade de um treinamento personalizado, que desenvolva não apenas a resistência e a velocidade, mas também a inteligência tática e a capacidade de tomada de decisão dos atletas. Além disso, o equilíbrio entre a preparação física e os aspectos cognitivos e emocionais pode ser determinante para a formação de jogadores completos, capazes de interpretar o jogo com eficiência e responder adequadamente às exigências da partida (Modric, et al. 2019).

O relatório desenvolvido no ano de 2023/2024, no âmbito do 2.º Ciclo em Treino Desportivo da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto, analisou a preparação integral no futebol de base, com foco na equipe Sub-15 do Gondomar Sport Clube. O estudo enfatizou a importância do desenvolvimento técnico, tático, físico e mental dos jogadores, destacando estratégias para estimular a criatividade e a autonomia na tomada de decisões durante os jogos (Macieira et al., 2024).

A organização tática da equipe, a participação ativa dos atletas nos treinos e a utilização eficiente dos recursos do clube foram aspectos fundamentais para o progresso observado. Ao final da temporada, verificou-se uma evolução significativa na capacidade dos jogadores de adaptar-se a diferentes dinâmicas de jogo, demonstrando maior independência em suas ações. Além disso, o relatório destacou o impacto positivo desse processo na formação esportiva e pessoal dos jovens atletas, bem como no aprimoramento das competências pedagógicas do treinador (Macieira et al., 2024).

É essencial ressaltar que, além do aprimoramento das habilidades táticas e técnicas, os programas de formação no futebol devem priorizar o desenvolvimento físico dos jogadores, com foco no treinamento de resistência, força, agilidade e coordenação, entre outras capacidades. Essa abordagem é crucial para preparar os atletas para as intensas exigências físicas do jogo, garantindo que estejam aptos a lidar com os desafios de desempenho durante as competições.

O desenvolvimento psicológico é crucial para preparar os jogadores de futebol para a pressão das tomadas de decisão durante as partidas. Treinadores que investem na motivação, gestão de conflitos e suporte emocional, ao mesmo tempo em que destacam a pressão do espaço, a necessidade de protagonismo constante, a intensa participação e a motivação pela constante envolvência nas jogadas, formam jogadores mentalmente resilientes e tecnicamente habilidosos. 

Esses aspectos não só potencializam o desempenho individual e coletivo, mas também tornam o futebol um esporte de grande valor formativo. Resgatar a essência do jogo, estimulando a criatividade e aprimorando a cognição, técnica e tática, prepara o atleta para atuar nas constantes mudanças de espaço, seja em campos, quadras ou até em ambientes mais informais, como ruas, de maneira rápida e eficiente, considerando as particularidades de cada situação de jogo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No futebol, o treinador de categorias de base necessita planejar, aplicar e avaliar os cenários de treino e jogo, de maneira que seu comportamento expresse sua concepção, sendo coerente com o que desenvolve e o que cobra de seus jogadores (Santos, F. J. et al., 2016).

Os treinadores devem conceber o processo de ensino-treino do futebol como um sistema não linear, dependente das interações internas e externas ao jogo, sendo que a construção das atividades não deve centrar-se na aplicação de tarefas fechadas e com respostas prontas, mas na busca constante por diferentes caminhos (Lee, M. C. et al., 2014).

O sonho de se tornar atleta pode gerar frustração caso não se concretize, levando a problemas como insegurança, depressão e ansiedade. No entanto, quando alcançado, proporciona elevada autoestima, realização, motivação e alegria, impactando positivamente a vida do indivíduo (Ferreira, et al., 2022).

Nos últimos anos, tem havido um aumento significativo no número de pesquisas que destacam a importância da cognição, da tomada de decisão e da inteligência tática no alto desempenho no futebol, esses fatores têm sido cada vez mais reconhecidos como determinantes para o sucesso dos atletas, influenciando diretamente sua capacidade de antecipar jogadas, reagir com eficiência a diferentes cenários de jogo e adaptar-se a situações dinâmicas dentro do campo. 

Estudos recentes sugerem que, além das habilidades físicas e técnicas, a capacidade de interpretar o jogo, tomar decisões rápidas e estratégicas e compreender os padrões táticos da equipe e dos adversários pode ser um diferencial fundamental entre jogadores de elite e aqueles em formação. Esse novo enfoque tem impactado a metodologia de treinamento, incentivando treinadores e comissões técnicas a desenvolver programas que vão além do condicionamento físico e técnico, priorizando também o desenvolvimento cognitivo e a inteligência situacional dos atletas.

Diante dos resultados observados, reforça-se a importância da preparação integral no futebol de base, abrangendo os aspectos técnico, tático, físico e mental, o desenvolvimento da criatividade e da autonomia dos jogadores, associados a uma organização tática eficiente e a um treinamento que estimule a participação ativa, mostrou-se fundamental para a evolução dos atletas dentro e fora de campo. Além disso, a experiência evidencia que uma abordagem formativa bem estruturada não apenas potencializa o desempenho esportivo, mas também contribui para a formação de jogadores mais inteligentes, adaptáveis e preparados para os desafios do futebol e da vida.

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