Direitos humanos e meio ambiente: Investigação sobre a relação entre direitos humanos e conservação ambiental

HUMAN RIGHTS AND THE ENVIRONMENT: RESEARCH ON THE RELATIONSHIP BETWEEN HUMAN RIGHTS AND ENVIRONMENTAL CONSERVATION

DERECHOS HUMANOS Y MEDIO AMBIENTE: INVESTIGACIÓN SOBRE LA RELACIÓN ENTRE LOS DERECHOS HUMANOS Y LA CONSERVACIÓN DEL MEDIO AMBIENTE

Autor

Claudione Meireles Albuquerque

URL do Artigo

https://iiscientific.com/artigos/A72C20

DOI

Albuquerque, Claudione Meireles. Direitos humanos e meio ambiente: Investigação sobre a relação entre direitos humanos e conservação ambiental. International Integralize Scientific. v 5, n 46, Abril/2025 ISSN/3085-654X

Resumo

Este artigo investiga a interseção entre direitos humanos e conservação ambiental, destacando como a proteção ao meio ambiente é intrinsecamente ligada ao respeito aos direitos fundamentais. A metodologia adotada é a revisão bibliográfica com método explicativo, fundamentando-se em doutrinas jurídicas, legislações e tratados internacionais. A análise demonstra que a degradação ambiental compromete a efetivação de direitos básicos, como o direito à vida e à saúde, e evidencia a necessidade de políticas públicas que conciliem crescimento econômico e sustentabilidade ambiental.
Palavras-chave
Direitos humanos. Meio ambiente. Sustentabilidade. Normas jurídicas. Justiça ambiental.

Summary

This article investigates the intersection between human rights and environmental conservation, highlighting how environmental protection is intrinsically linked to respect for fundamental rights. The methodology adopted is a bibliographic review with an explanatory method, based on legal doctrines, legislation and international treaties. The analysis demonstrates that environmental degradation compromises the realization of basic rights, such as the right to life and health, and highlights the need for public policies that reconcile economic growth and environmental sustainability.
Keywords
Human rights. Environment. Sustainability. Legal normal. Environmental justice.

Resumen

Este artículo investiga la intersección entre los derechos humanos y la conservación del medio ambiente, destacando cómo la protección del medio ambiente está intrínsecamente vinculada al respeto de los derechos fundamentales. La metodología adoptada es una revisión bibliográfica con método explicativo, basada en doctrinas jurídicas, legislación y tratados internacionales. El análisis muestra que la degradación ambiental compromete la implementación de derechos básicos, como el derecho a la vida y a la salud, y destaca la necesidad de políticas públicas que concilien el crecimiento económico y la sostenibilidad ambiental.
Palavras-clave
Derechos humanos. Ambiente. Sostenibilidad. Normas legales. Justicia ambiental.

INTRODUÇÃO

A interconexão entre direitos humanos e meio ambiente não é uma mera coincidência normativa ou um artifício retórico. Trata-se de um imperativo estrutural da própria ordem jurídica contemporânea. O direito ao meio ambiente equilibrado transcende a esfera ambientalista e se projeta como um direito humano fundamental, reconhecido por tratados internacionais e consagrado em constituições nacionais. A degradação ambiental não é apenas um problema ecológico, mas um desafio jurídico e ético que compromete a própria dignidade humana. O direito ao meio ambiente não pode ser visto isoladamente, como se fosse um apêndice das preocupações modernas. Ele é, em sua essência, um direito que dialoga diretamente com a saúde pública, a segurança alimentar, o acesso à água potável e a própria existência humana.

A Constituição Federal de 1988, ao estabelecer no artigo 225 que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”, evidencia a dimensão social desse direito. Mais do que uma norma programática, esse dispositivo impõe ao Estado e à coletividade o dever de preservação e defesa ambiental, sob pena de comprometer a integridade das futuras gerações. Tal comando normativo encontra eco na jurisprudência internacional. A Corte Interamericana de Direitos Humanos, no Caso Comunidad Indígena Sawhoyamaxa vs. Paraguai (2006), reconheceu que a violação dos direitos ambientais impacta diretamente direitos fundamentais, como o direito à vida e à dignidade, impondo ao Estado obrigações concretas de proteção.

O desenvolvimento econômico, quando dissociado de uma perspectiva sustentável, torna-se um vetor de desigualdade e degradação. A urbanização descontrolada, o desmatamento desenfreado e a poluição industrial não são apenas fenômenos ambientais – são expressões da falência de um modelo que negligencia o equilíbrio ecológico e ignora o princípio da precaução. Como adverte Fiorillo (2020), “a tutela ambiental não deve ser vista como um entrave ao progresso, mas como um requisito essencial para um desenvolvimento verdadeiramente sustentável e equitativo”. Assim, discutir direitos humanos sem considerar a dimensão ambiental é negligenciar a própria base material da existência humana.

A correlação entre degradação ambiental e violação de direitos humanos é evidente em contextos de vulnerabilidade social. Populações ribeirinhas, indígenas e periféricas são desproporcionalmente afetadas por desastres ambientais, sejam eles provocados por mudanças climáticas, pela contaminação de recursos hídricos ou pela expropriação de terras. A poluição do ar, por exemplo, mata anualmente cerca de sete milhões de pessoas, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). Não se trata apenas de um problema ecológico, mas de um atentado sistemático à vida e à dignidade humana.

Ao longo das últimas décadas, o direito ambiental tem se consolidado como um campo jurídico autônomo, estruturando-se em princípios e normas que reforçam sua conexão com os direitos humanos. O princípio do desenvolvimento sustentável, presente na Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992), reafirma a necessidade de equilibrar crescimento econômico e preservação ambiental. Da mesma forma, o princípio do poluidor-pagador, consagrado na Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/1981), impõe aos responsáveis pela degradação a obrigação de reparação e compensação.

No plano internacional, a Organização das Nações Unidas (ONU) tem desempenhado um papel fundamental na consolidação dessa interseção. A Resolução 64/292 da Assembleia Geral da ONU (2010) reconheceu explicitamente o acesso à água potável e ao saneamento como um direito humano essencial, vinculando sua garantia à proteção ambiental. Essa normatização não é meramente simbólica; ela estabelece um paradigma normativo que obriga os Estados a adotarem políticas públicas eficazes para assegurar esse direito.

Entretanto, a implementação dessas normativas enfrenta desafios significativos. O embate entre interesses econômicos e a necessidade de proteção ambiental gera um cenário de tensão constante, no qual direitos fundamentais são frequentemente relegados a segundo plano em nome do progresso. A flexibilização de normas ambientais, a redução da fiscalização e a expansão de atividades predatórias evidenciam o conflito entre um modelo de desenvolvimento predatório e a efetivação dos direitos humanos.

A proteção ambiental, portanto, deve ser compreendida como um eixo estruturante das políticas públicas e da governança global. O conceito de justiça ambiental, que emerge como uma resposta às desigualdades ambientais, reforça a ideia de que os impactos ecológicos não devem ser distribuídos de forma desigual entre diferentes grupos sociais. Como bem pontua Acserald (2010), “a justiça ambiental busca garantir que nenhum grupo social suporte uma carga desproporcional dos danos ambientais e que todos tenham acesso igualitário aos benefícios da natureza”.

A emergência climática é outro fator que evidencia a necessidade de um novo paradigma jurídico. A crise ambiental não é um fenômeno distante, mas uma realidade que já afeta milhões de pessoas ao redor do mundo. A elevação do nível do mar, as ondas de calor extremo e os eventos climáticos extremos são manifestações de um desequilíbrio ecológico que impacta diretamente direitos básicos, como o direito à moradia e à alimentação. A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (1992) e o Acordo de Paris (2015) são tentativas de enfrentar esse desafio global, mas sua eficácia depende da cooperação internacional e da implementação concreta de políticas de mitigação e adaptação.

O reconhecimento do meio ambiente como um direito humano não pode se limitar ao âmbito declaratório. É necessário um compromisso efetivo dos Estados na formulação de políticas públicas que integrem a proteção ambiental e a justiça social. A governança ambiental deve ser pautada na participação popular, na transparência e na responsabilização de agentes públicos e privados que violam esse direito.

Este artigo tem como objetivo analisar a relação entre direitos humanos e conservação ambiental, explorando os marcos normativos nacionais e internacionais que consolidam essa interseção. Além disso, busca examinar os desafios e as perspectivas para a implementação efetiva de políticas ambientais que garantam a dignidade humana e a preservação dos ecossistemas.

Dessa forma, a pesquisa se fundamenta na revisão bibliográfica, utilizando o método explicativo para demonstrar como o direito ambiental e os direitos humanos convergem em um cenário de desafios e possibilidades. O estudo se justifica pela necessidade de compreender como as normativas internacionais e nacionais têm evoluído para garantir essa interdependência e como os desafios contemporâneos exigem novas abordagens jurídicas e políticas para assegurar a sustentabilidade ambiental e a justiça social.

Em suma, não há dignidade humana sem um meio ambiente saudável. A luta pela proteção ambiental não pode ser dissociada da luta pelos direitos fundamentais, pois a degradação ecológica é, em última instância, uma violação da própria essência da condição humana. Se queremos garantir um futuro sustentável, é preciso reconhecer que a justiça ambiental não é apenas uma questão ecológica, mas uma questão de direitos humanos.

DIREITOS HUMANOS E MEIO AMBIENTE NA PERSPECTIVA JURÍDICA

A interseção entre direitos humanos e proteção ambiental não é um capricho acadêmico ou um modismo jurídico. Trata-se de um imperativo normativo e ético. Um direito que transcende a abstração para se materializar na vida cotidiana, determinando a qualidade da existência humana. O meio ambiente saudável não é um luxo, mas uma necessidade fundamental, um alicerce sobre o qual se edificam os demais direitos. Sem ar puro, sem água potável, sem ecossistemas equilibrados, o direito à vida se esvazia, tornando-se uma mera formalidade desprovida de substância.

A Constituição Federal de 1988, ao estabelecer no artigo 225 que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”, reconhece essa realidade inescapável. Mais do que um dispositivo normativo, essa norma impõe ao Estado e à coletividade a obrigação de preservar o meio ambiente, não apenas para os presentes, mas também para as gerações futuras. Não se trata de um favor do poder público ou de uma concessão legislativa. É um dever, um compromisso inafastável com a dignidade humana e a sustentabilidade planetária.

Essa concepção não se limita ao ordenamento jurídico brasileiro. Em escala global, documentos e tratados reforçam a proteção ambiental como um direito fundamental. A Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente Humano (1972) foi pioneira ao estabelecer que “o homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas em um ambiente de qualidade”. Esse marco normativo internacional lançou as bases para uma nova perspectiva, na qual o desenvolvimento econômico não pode mais ser dissociado da preservação ambiental.

Mas as palavras, por si só, não bastam. Era preciso transformar princípios em compromissos concretos. O Acordo de Paris (2015) representou um avanço significativo nessa direção, consolidando o entendimento de que a degradação ambiental não é um problema local, mas uma crise global que exige respostas coordenadas. Ao estabelecer metas para a redução da emissão de gases de efeito estufa, o tratado reforçou a interdependência entre políticas ambientais e proteção dos direitos humanos. Afinal, as mudanças climáticas não afetam apenas ecossistemas; elas impactam populações inteiras, ameaçando sua segurança alimentar, seu acesso à água e até mesmo sua capacidade de habitação.

Nesse contexto, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU surgem como um guia estratégico para conciliar crescimento econômico, inclusão social e preservação ambiental. Entre suas metas, destacam-se a garantia de água potável e saneamento para todos (ODS 6), a promoção da energia limpa e acessível (ODS 7) e a ação climática urgente para combater os impactos do aquecimento global (ODS 13). Essas diretrizes não são meros ideais utópicos, mas sim um chamado à ação, uma bússola para os Estados que buscam alinhar progresso com equidade ambiental.

A PROTEÇÃO AMBIENTAL NA JURISPRUDÊNCIA INTERNACIONAL

A teoria jurídica não pode se distanciar da realidade. O discurso normativo, para ser eficaz, precisa se traduzir em decisões judiciais concretas. Foi exatamente isso que ocorreu no julgamento do Caso Comunidad Indígena Sawhoyamaxa vs. Paraguai (2006), na Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). A decisão foi paradigmática: reconheceu que a degradação ambiental afeta diretamente direitos fundamentais, como o direito à vida e à saúde, e impôs ao Estado a obrigação de adotar medidas preventivas e compensatórias.

A comunidade indígena Sawhoyamaxa, historicamente marginalizada, sofreu com a exploração indevida de seus territórios e a degradação ambiental que comprometeu sua subsistência. A CIDH entendeu que a negligência estatal violava o direito à vida digna e determinou que o Paraguai implementasse políticas de reparação e proteção ambiental. Esse caso consolidou o entendimento de que a justiça ambiental é, também, uma questão de direitos humanos.

Outro caso emblemático ocorreu na Corte Europeia de Direitos Humanos (CEDH), no julgamento do processo Lopez Ostra vs. Espanha (1994). A autora, uma cidadã espanhola, moveu uma ação contra o governo espanhol por permitir que uma indústria poluente funcionasse ao lado de sua residência, emitindo gases tóxicos que afetavam sua saúde e a de sua família. A Corte decidiu que o Estado tinha o dever de proteger seus cidadãos contra danos ambientais, estabelecendo que o direito a um ambiente saudável está diretamente ligado ao direito à vida privada e ao bem-estar individual.

Essas decisões demonstram uma evolução no pensamento jurídico global. O direito ambiental não pode ser tratado de maneira estanque, como se fosse um campo separado dos direitos humanos. Pelo contrário, ele se insere na estrutura de garantias fundamentais, influenciando a maneira como os tribunais interpretam e aplicam as normas em prol da dignidade humana.

DESAFIOS PARA A EFETIVAÇÃO DA JUSTIÇA AMBIENTAL

Embora os avanços normativos e jurisprudenciais sejam inegáveis, a efetivação da justiça ambiental ainda enfrenta barreiras. Entre os principais desafios, destacam-se:

  1. Flexibilização de normas ambientais – Em nome do crescimento econômico, muitos países têm reduzido exigências ambientais, favorecendo setores industriais em detrimento da sustentabilidade.
  2. Falta de fiscalização – Mesmo onde há leis rigorosas, a falta de fiscalização e a corrupção tornam sua aplicação ineficaz.
  3. Influência do setor privado – Grandes corporações exercem pressão sobre governos para evitar regulações que possam reduzir seus lucros, muitas vezes utilizando lobbies poderosos para enfraquecer políticas ambientais.
  4. Desigualdade ambiental – Comunidades vulneráveis continuam sendo as mais afetadas por desastres ambientais e degradação ecológica, perpetuando um ciclo de injustiça ambiental e social.

A solução para esses desafios não está apenas na legislação, mas em uma mudança de paradigma. O princípio da precaução, previsto na Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992), exige que os Estados adotem medidas preventivas mesmo diante da incerteza científica. Esse princípio reforça a necessidade de uma abordagem proativa, que priorize a preservação ambiental antes que danos irreversíveis sejam causados.

A DEGRADAÇÃO AMBIENTAL COMO VIOLAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS

A degradação ambiental transcende as fronteiras do ecossistema e se insere no cerne da proteção dos direitos humanos. A exploração predatória dos recursos naturais, a contaminação das águas e do solo, o desmatamento acelerado e as alterações climáticas não são apenas questões ecológicas; são também expressões de desigualdade, injustiça e violação de direitos fundamentais. Nesse contexto, populações vulneráveis tornam-se as principais vítimas de um modelo de desenvolvimento que privilegia a acumulação de capital em detrimento da dignidade humana.

A poluição atmosférica, por exemplo, é um fenômeno que impacta diretamente a saúde pública. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 7 milhões de pessoas morrem anualmente em decorrência da exposição a poluentes atmosféricos. Esse número evidencia a dimensão do problema e levanta uma questão essencial: a qualidade do ar é um direito humano fundamental? A resposta encontra respaldo na jurisprudência internacional e em instrumentos normativos como o Acordo de Paris (2015), que estabelece compromissos para mitigar as mudanças climáticas e garantir um ambiente saudável para as futuras gerações.

O direito à água potável e ao saneamento foi formalmente reconhecido pela Assembleia Geral da ONU, em 2010, como um direito humano essencial à vida e à dignidade. No entanto, a realidade é alarmante: de acordo com o Relatório Mundial das Nações Unidas sobre Desenvolvimento dos Recursos Hídricos (2021), aproximadamente 2,2 bilhões de pessoas ainda carecem de acesso a serviços adequados de água tratada. Esse déficit atinge de forma desproporcional comunidades ribeirinhas, povos tradicionais e populações marginalizadas, que enfrentam níveis extremos de contaminação e escassez hídrica, muitas vezes agravados pela atividade industrial irresponsável e pela falta de fiscalização estatal.

A situação das comunidades indígenas é particularmente emblemática. A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) impõe aos Estados a obrigação de consultar previamente os povos indígenas sobre projetos que possam impactar seus territórios. No entanto, na prática, essa exigência é frequentemente negligenciada, gerando um ciclo constante de conflitos socioambientais. O caso dos Yanomamis, no Brasil, ilustra essa dinâmica perversa: a exploração ilegal de minérios, aliada à ausência de medidas protetivas eficazes, resultou em graves crises humanitárias, com aumento da desnutrição, doenças e deslocamento forçado de comunidades inteiras.

A justiça ambiental, portanto, emerge como um conceito essencial para a efetivação dos direitos humanos no contexto ambiental. A Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) tem avançado nesse sentido, consolidando uma jurisprudência que reconhece a interdependência entre proteção ambiental e direitos humanos. No caso “Povo Indígena Kaliña e Lokono vs. Suriname” (2015), a CIDH determinou que o Estado surinamês deveria adotar medidas para garantir a proteção do território indígena, reconhecendo que a degradação ambiental violava não apenas o direito à terra, mas também o direito à identidade cultural e à autodeterminação.

Esse entendimento se expande para o campo das mudanças climáticas. A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro no julgamento da ADPF 708/DF, em 2022, reforçou a obrigatoriedade do Estado de implementar políticas eficazes de combate às mudanças climáticas, reconhecendo que a omissão governamental nesse aspecto compromete diretamente direitos fundamentais como saúde, segurança alimentar e acesso a recursos naturais.

Diante desse cenário, fica evidente que a degradação ambiental não é apenas uma questão ecológica, mas um desafio inadiável para a proteção dos direitos humanos. A efetivação da justiça ambiental exige uma abordagem multidimensional, que combine legislação rigorosa, fiscalização eficiente, participação popular e compromisso internacional. O princípio da precaução, previsto na Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992), impõe aos Estados a responsabilidade de agir mesmo diante da incerteza científica, prevenindo danos ambientais que possam comprometer gerações futuras.

Portanto, se há algo que o século XXI nos ensina, é que a crise ambiental é também uma crise de direitos humanos. Cada floresta destruída, cada rio contaminado e cada comunidade deslocada representa um fracasso coletivo na proteção da dignidade humana. O futuro da justiça ambiental depende da capacidade dos Estados, das instituições e da sociedade civil de reconhecer essa interdependência e agir de forma concreta e eficaz para garantir um planeta habitável para todos.

JUSTIÇA AMBIENTAL E O PAPEL DO ESTADO

A justiça ambiental emerge como um dos pilares fundamentais da equidade socioambiental, exigindo uma atuação estatal robusta e comprometida com a distribuição justa dos impactos ambientais. O conceito, cunhado no bojo das lutas por direitos ambientais nos Estados Unidos na década de 1980, expandiu-se para um contexto global, denunciando a forma desigual como os danos ambientais atingem comunidades vulneráveis, enquanto os benefícios da exploração dos recursos naturais se concentram nas mãos de poucos. Essa desigualdade, muitas vezes travestida de “desenvolvimento”, reflete a persistente injustiça estrutural que caracteriza as relações entre economia, meio ambiente e direitos humanos.

No Brasil, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/1981) consagrou o princípio do poluidor-pagador como instrumento de responsabilização econômica daqueles que degradam o meio ambiente. A ideia subjacente é simples: quem causa dano ambiental deve arcar com os custos de sua reparação. Contudo, a efetividade desse mecanismo tem sido constantemente desafiada pela influência de grandes corporações e pela fragilização dos órgãos ambientais. Conforme destaca Fiorillo (2020), a proteção ambiental não pode ser reduzida a um mero entrave burocrático ao setor produtivo; trata-se de um direito difuso, de natureza transgeracional, que exige mecanismos de controle social e participação ativa da população na formulação de políticas ambientais.

A intersecção entre justiça ambiental e direitos humanos é inegável. O Acordo de Escazú (2018), primeiro tratado ambiental da América Latina e Caribe, reforça a obrigação dos Estados signatários de garantir acesso à informação, participação pública e justiça em questões ambientais. Esse arcabouço normativo se torna essencial no combate às injustiças ambientais, que, historicamente, penalizam comunidades marginalizadas. A mineração predatória, a contaminação de rios por agrotóxicos e o desmatamento desenfreado são exemplos de práticas que comprometem o direito à vida, à saúde e à dignidade de inúmeras populações.

A jurisprudência nacional também tem avançado na consolidação da justiça ambiental como direito fundamental. No julgamento da ADPF 760, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que a inércia do Estado na proteção da Floresta Amazônica representa uma omissão inconstitucional, violando o princípio da proibição do retrocesso ambiental. Essa decisão reforça a necessidade de um compromisso institucional perene na defesa do meio ambiente, impedindo que interesses econômicos sobreponham-se às garantias constitucionais.

Por outro lado, a implementação de políticas ambientais enfrenta desafios críticos. A captura regulatória, fenômeno no qual entes privados exercem influência desproporcional sobre as agências ambientais, compromete a isonomia na aplicação das normas ambientais. O desmantelamento de estruturas de fiscalização, como observado na redução do orçamento do IBAMA e do ICMBio nos últimos anos, agrava a percepção de impunidade e amplia os riscos de danos irreversíveis aos biomas brasileiros.

A participação popular, nesse sentido, desponta como elemento crucial para a efetivação da justiça ambiental. O artigo 225 da Constituição Federal assegura a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, impondo à coletividade e ao poder público o dever de protegê-lo. Movimentos sociais e organizações não governamentais desempenham papel essencial na pressão por transparência e efetividade das políticas ambientais, denunciando abusos e exigindo accountability dos agentes estatais e empresariais.

Em um mundo onde a crise climática se intensifica e as desigualdades socioambientais se aprofundam, a justiça ambiental não pode ser relegada a uma posição secundária. O Estado, ao assumir sua função reguladora e protetiva, deve atuar com rigor na implementação de medidas que garantam a equidade ambiental. Isso envolve, por exemplo, a adoção de tributação verde, a ampliação de áreas de conservação, o fortalecimento dos órgãos ambientais e a promoção de justiça climática para populações vulnerabilizadas.

A verdadeira justiça ambiental não se limita à existência de leis e tratados; sua concretização depende de um engajamento coletivo, de uma sociedade vigilante e de um Estado responsivo. O futuro da humanidade está intrinsecamente ligado ao futuro do meio ambiente. Negligenciá-lo significa comprometer não apenas a biodiversidade, mas também os alicerces da própria civilização.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A relação entre direitos humanos e conservação ambiental é uma conexão inextricável, um vínculo intrínseco que transcende a mera regulamentação normativa e se insere no cerne da dignidade humana. A degradação ambiental, em todas as suas manifestações – desde o desmatamento acelerado até a contaminação dos recursos hídricos – não apenas compromete a biodiversidade, mas afeta diretamente a qualidade de vida das populações, especialmente aquelas mais vulneráveis. Como aponta Canado Trindade (2014), “a proteção ambiental é condição sine qua non para a concretização dos direitos fundamentais”, evidenciando que não há efetivação da dignidade humana sem um meio ambiente sadio.

Nos âmbitos nacional e internacional, o reconhecimento desse nexo jurídico e moral tem impulsionado avanços legislativos e institucionais, consolidando instrumentos normativos voltados à preservação dos recursos naturais e à promoção da equidade social. Documentos como a Declaração de Estocolmo (1972), o Relatório Brundtland (1987), a Declaração do Rio (1992) e o Acordo de Paris (2015) demonstram a evolução da consciência global sobre a interdependência entre desenvolvimento sustentável e proteção dos direitos humanos. O artigo 225 da Constituição Federal do Brasil, por sua vez, estabelece o meio ambiente equilibrado como direito de todos e dever do Estado e da coletividade, enfatizando a necessidade de atuação conjunta entre os entes públicos e a sociedade civil para assegurar essa garantia.

Entretanto, a efetivação desse direito exige muito mais do que normativas e tratados internacionais. É imprescindível a existência de mecanismos concretos de fiscalização, responsabilização dos agentes degradadores e, sobretudo, a ampla participação da sociedade civil. Conforme leciona Fiorillo (2020), “a tutela ambiental deve ser compreendida como um direito difuso, com implicações transgeracionais, exigindo um modelo de governança que transcenda a burocracia estatal e incorpore efetivamente a sociedade”. Dessa forma, a proteção ambiental não pode se restringir a uma prerrogativa estatal; é necessária a adoção de medidas concretas que incentivem a população a exercer um papel fiscalizador e protagonista na defesa do meio ambiente.

O desafio da governança ambiental está, então, na harmonização entre crescimento econômico e preservação ambiental, sem que a busca pelo desenvolvimento implique retrocessos na garantia dos direitos fundamentais. Como bem pontua Sachs (2009), “o modelo econômico vigente deve ser revisto à luz da sustentabilidade, uma vez que a exploração irracional dos recursos naturais compromete não apenas o presente, mas a sobrevivência das futuras gerações”. Esse alerta se faz ainda mais relevante diante do avanço das mudanças climáticas e do crescimento da desigualdade socioambiental, em que os impactos negativos da degradação recaem de maneira desproporcional sobre comunidades marginalizadas.

O futuro da proteção ambiental e da justiça social depende da adoção de medidas concretas e eficazes. A fiscalização rigorosa dos crimes ambientais, o fortalecimento dos órgãos ambientais, como IBAMA e ICMBio, e a criação de políticas de incentivo à economia verde são iniciativas fundamentais para garantir um equilíbrio entre desenvolvimento e conservação. O princípio do poluidor-pagador, previsto na Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, deve ser aplicado com rigor, impedindo que os danos ambientais fiquem impunes e garantindo que aqueles que exploram os recursos naturais sejam responsáveis pela sua reparação.

A educação ambiental também desempenha um papel essencial nesse contexto. A conscientização da população sobre a importância da preservação ambiental e sobre seus direitos relacionados ao meio ambiente é um dos caminhos mais eficazes para consolidar uma cultura de sustentabilidade e justiça social. Programas de educação ambiental, tanto no ensino formal quanto em campanhas de conscientização, devem ser amplamente promovidos, garantindo que cada cidadão compreenda seu papel na proteção do meio ambiente.

A justiça ambiental, portanto, não é apenas uma meta; é uma necessidade inadiável. Os impactos da degradação ambiental são irreversíveis e, se não forem combatidos com a seriedade e a urgência que exigem, comprometerão não apenas o equilíbrio ecológico, mas a própria existência da humanidade. O reconhecimento da interdependência entre direitos humanos e meio ambiente deve ser seguido de ações efetivas que garantam a preservação ambiental como fundamento da justiça social e do respeito à dignidade humana.

Dessa forma, é imperativo que governos, sociedade civil e setor privado atuem em conjunto para construir um modelo de desenvolvimento que respeite os limites do planeta e assegure condições dignas de vida para todas as gerações, presentes e futuras. Somente assim será possível garantir um futuro onde o meio ambiente equilibrado seja um direito concretizado, e não apenas um ideal distante.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. 

CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. O direito internacional em um mundo em transformação. Rio de Janeiro: Renovar, 2014.

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2020.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente Humano. Estocolmo, 1972. Disponível em: https://www.un.org/pt/. 

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Relatório Brundtland: Nosso Futuro Comum. 1987. Disponível em: https://www.un.org/pt/. 

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Rio de Janeiro, 1992. 

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Acordo de Paris. 2015. Disponível em: https://unfccc.int/process-and-meetings/the-paris-agreement. 

SACHS, Jeffrey. Economia para um planeta superlotado. São Paulo: Cultrix, 2009.

BRASIL. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente. Brasília, DF: Presidência da República, 1981. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6938.htm.

Albuquerque, Claudione Meireles. Direitos humanos e meio ambiente: Investigação sobre a relação entre direitos humanos e conservação ambiental.International Integralize Scientific. v 5, n 46, Abril/2025 ISSN/3085-654X

Referencias

BAILEY, C. J.; LEE, J. H.
Management of chlamydial infections: A comprehensive review.
Clinical infectious diseases.
v. 67
n. 7
p. 1208-1216,
2021.
Disponível em: https://academic.oup.com/cid/article/67/7/1208/6141108.
Acesso em: 2024-09-03.

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Direitos humanos e meio ambiente: Investigação sobre a relação entre direitos humanos e conservação ambiental

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