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Resumo
INTRODUÇÃO
No contexto das transformações contemporâneas do trabalho, a saúde mental dos profissionais tornou-se uma das principais preocupações para instituições públicas e privadas. A aceleração tecnológica, a pressão por resultados, o aumento das metas e a intensificação da competitividade geram impactos psicológicos relevantes que desafiam as organizações a reverem suas práticas de gestão e, sobretudo, a estrutura ética que sustenta suas culturas institucionais. Em ambientes corporativos marcados pela ausência de transparência, pelo autoritarismo e pela negligência com o bem-estar, desenvolvem-se contextos chamados de “cultura organizacional tóxica”, que favorecem o adoecimento emocional dos trabalhadores.
A cultura tóxica caracteriza-se por padrões comportamentais disfuncionais como assédio moral, comunicação agressiva, liderança punitiva e individualismo extremo. Nesses ambientes, a ética é muitas vezes negligenciada ou reduzida a discursos formais sem efetividade prática. Como destacam Cânçado, Guimarães e Lima (2016), a presença de práticas autoritárias e a ausência de mecanismos de controle ético geram ambientes de trabalho desestruturados, prejudicando diretamente a saúde mental dos profissionais.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) já reconheceu a importância do trabalho como fator de risco para o desenvolvimento de doenças mentais, especialmente quando o ambiente profissional se organiza de forma predatória. O burnout, por exemplo, foi incluído na Classificação Internacional de Doenças (CID-11), e representa uma síndrome diretamente relacionada à exposição crônica ao estresse laboral. Diante disso, torna-se imperativo compreender como a ética organizacional pode ser uma ferramenta de prevenção do adoecimento, por meio de práticas que respeitem os limites humanos, promovam o diálogo e fortaleçam o senso de pertencimento.
A ética organizacional, nesse cenário, deixa de ser apenas um ideal teórico e se converte em instrumento concreto de gestão, articulando-se a práticas de compliance, códigos de conduta e políticas institucionais de integridade. Como apontam Lima Verde (2024) e Silva e Melo (2020), a implementação de programas de compliance com foco em saúde mental e prevenção de riscos psicossociais é uma tendência crescente entre organizações comprometidas com a sustentabilidade humana no trabalho.
Este artigo propõe-se a analisar os impactos da cultura organizacional tóxica na saúde mental dos trabalhadores e refletir sobre a importância da ética institucional como instrumento preventivo. Por meio de uma revisão bibliográfica de natureza qualitativa, com base em publicações científicas recentes e documentos institucionais, busca-se compreender os mecanismos que favorecem a degradação do ambiente corporativo e apontar caminhos para a construção de culturas organizacionais mais saudáveis, éticas e sustentáveis.
O texto está estruturado em quatro partes: a introdução; a revisão da literatura, que abordará os fundamentos da ética organizacional, os impactos da cultura tóxica e o papel do compliance; a metodologia, que explicita os critérios e procedimentos da pesquisa; e, por fim, as considerações finais, que apresentam os resultados da análise e propostas para futuras investigações.
REVISÃO DA LITERATURA
A compreensão dos vínculos entre saúde mental, ética organizacional e cultura tóxica exige uma análise aprofundada dos fundamentos teóricos e das práticas que estruturam o comportamento institucional nas organizações. Neste sentido, esta seção tem como objetivo contextualizar e fundamentar o debate a partir de diferentes perspectivas: filosófica, psicológica e organizacional. Para isso, a revisão da literatura está organizada em quatro eixos principais: inicialmente, exploram-se os fundamentos da ética organizacional, a partir de suas bases conceituais clássicas e contemporâneas; em seguida, analisa-se a relação entre saúde mental e condutas éticas nas organizações; posteriormente, discute-se o fenômeno da cultura tóxica e seus impactos psicossociais no ambiente corporativo; e, por fim, examinam-se os mecanismos de compliance e as políticas institucionais como instrumentos éticos de enfrentamento e promoção de ambientes laborais saudáveis.
FUNDAMENTOS DA ÉTICA ORGANIZACIONAL
A ética organizacional pode ser compreendida como o conjunto de valores, normas e princípios que orientam a conduta de indivíduos e instituições no ambiente de trabalho. Ela opera como um referencial normativo que, para além do cumprimento das leis, visa assegurar que as decisões e comportamentos adotados pelas organizações estejam em conformidade com princípios de justiça, respeito, integridade e responsabilidade social.
Do ponto de vista filosófico, a ética é um ramo da filosofia que se ocupa do exame racional do comportamento humano, buscando discernir entre o certo e o errado, o justo e o injusto. Aristóteles (2021), em sua obra Ética a Nicômaco, afirma que o hábito de agir virtuosamente é construído pela repetição de ações justas, e não é dado pela natureza. Para o autor, a ética não é teórica, mas prática: “a virtude é adquirida pela prática, e não pela instrução” (Aristóteles, 2021, p. 35).
No campo organizacional, a ética assume papel estratégico, pois contribui para o fortalecimento do clima institucional, a confiança entre os membros e a reputação externa da empresa. De acordo com Silva e Melo (2020), a ética nas organizações não pode ser tratada como um discurso abstrato ou apenas um código de fachada; ela deve se traduzir em políticas de governança, mecanismos de compliance, canais de denúncia eficazes e condutas coerentes por parte das lideranças.
Kant (2023), ao propor o imperativo categórico, defendia que a moralidade consiste em agir de tal modo que a máxima da ação possa tornar-se uma lei universal. Tal princípio, quando aplicado ao contexto empresarial, implica que os gestores e colaboradores devem agir com base em valores universalizáveis — ou seja, que possam ser seguidos por todos e aplicados sem distinção ou privilégio. Isso reforça a necessidade de tratamento equitativo, transparência nos processos e responsabilidade institucional.
Mill (2007), por sua vez, com sua perspectiva utilitarista, ressalta que ações morais são aquelas que promovem o maior bem-estar para o maior número de pessoas. Essa visão tem sido retomada em discussões contemporâneas sobre ética organizacional, especialmente no que diz respeito à responsabilidade social corporativa. Empresas que pautam suas decisões no bem coletivo e no cuidado com seus stakeholders tendem a gerar ambientes mais equilibrados, produtivos e saudáveis.
Atualmente, a ética organizacional também se alinha com os princípios da sustentabilidade e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), integrando a agenda de governança ambiental, social e corporativa (ESG). Conforme destacam Farias e Souza (2022), a ética empresarial contemporânea precisa ser entendida como um instrumento de transformação social, não apenas como um requisito de imagem institucional.
Portanto, a ética organizacional constitui a base para a construção de relações de trabalho saudáveis, baseadas no respeito mútuo, na justiça e na cooperação. Sua presença é essencial para prevenir práticas abusivas, como o assédio moral, a exclusão e a negligência com a saúde mental. Sem uma cultura ética consolidada, mesmo as melhores políticas de compliance tornam-se ineficazes ou simbólicas.
RELAÇÃO ENTRE SAÚDE MENTAL E ÉTICA NO AMBIENTE DE TRABALHO
A saúde mental no ambiente de trabalho é um reflexo direto da qualidade das relações interpessoais, da estrutura organizacional e da coerência ética entre discurso institucional e prática cotidiana. Em contextos corporativos nos quais predominam respeito, transparência, reconhecimento e justiça, os níveis de estresse e adoecimento psicológico tendem a ser significativamente menores. Em contrapartida, ambientes marcados por assédio moral, autoritarismo, pressões abusivas e indiferença institucional à subjetividade dos trabalhadores favorecem a manifestação de sintomas como ansiedade, exaustão emocional, depressão e síndrome de burnout.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) define saúde mental como um estado de bem-estar no qual o indivíduo é capaz de lidar com as adversidades da vida, trabalhar de forma produtiva e contribuir com sua comunidade. Segundo dados da instituição, o local de trabalho pode ser fator de proteção ou de risco à saúde mental, a depender da cultura organizacional, das práticas de gestão e das condições oferecidas aos trabalhadores (OMS, 2022).
No Brasil, estudos indicam um aumento expressivo de afastamentos por transtornos mentais relacionados ao trabalho. Souza e Almeida (2023) destacam que a exposição contínua a práticas abusivas, como o assédio moral e a sobrecarga de tarefas, tem se tornado uma das principais causas de adoecimento psicológico no ambiente corporativo. Os autores observam que a ausência de uma política ética clara e de canais efetivos de escuta e apoio institucional amplia a vulnerabilidade emocional dos colaboradores, além de comprometer a produtividade e o clima organizacional.
Do ponto de vista da gestão ética, a promoção da saúde mental nas empresas exige mais do que programas pontuais de bem-estar ou ações motivacionais. É preciso incorporar valores éticos às políticas de governança, ao estilo de liderança e às relações hierárquicas. Como argumentam Silva e Melo (2020), a ética deve estar presente na construção de processos justos, no reconhecimento do esforço dos colaboradores e na existência de mecanismos para prevenir e combater comportamentos discriminatórios, abusivos ou negligentes.
Ambientes onde há práticas éticas efetivas são, em geral, mais saudáveis, colaborativos e comprometidos com o desenvolvimento humano. Segundo Cânçado, Guimarães e Lima (2016), a integridade institucional e o respeito à dignidade humana no espaço de trabalho funcionam como fatores protetores da saúde psíquica e favorecem um clima organizacional mais harmonioso.
É nesse contexto que a ética organizacional assume papel preventivo e transformador. Ela atua como antídoto à cultura tóxica, oferecendo parâmetros para decisões justas, respeito à diversidade, escuta ativa e valorização das experiências subjetivas dos profissionais. Em última instância, a ética não apenas protege a saúde mental, mas também amplia o compromisso social da organização, fortalecendo seus vínculos internos e externos.
CULTURA TÓXICA ORGANIZACIONAL: CARACTERÍSTICAS E IMPACTOS
A cultura organizacional representa o conjunto de valores, crenças, símbolos e práticas que moldam o comportamento coletivo dentro de uma empresa. Quando essa cultura é saudável, ela promove integração, senso de pertencimento, motivação e produtividade. No entanto, quando distorcida por padrões autoritários, competitividade extrema, falta de empatia e ausência de políticas éticas consistentes, instaura-se o que se denomina cultura organizacional tóxica.
Esse tipo de cultura é caracterizado por práticas recorrentes de assédio moral, lideranças abusivas, comunicação violenta, invisibilização de esforços individuais, metas inatingíveis e desprezo pela saúde mental dos trabalhadores. Segundo Souza e Almeida (2023), a cultura tóxica tem como uma de suas marcas a naturalização da violência simbólica e relacional no espaço de trabalho. Ela transforma ambientes coletivos em espaços de medo, hostilidade e desgaste psicológico contínuo.
De acordo com Cânçado, Guimarães e Lima (2016), ambientes tóxicos favorecem a ocorrência de transtornos como estresse pós-traumático, síndrome de burnout e depressão, além de impactarem diretamente o desempenho organizacional. Tais culturas reduzem a confiança entre equipes, desestimulam a criatividade e provocam uma rotatividade elevada de profissionais. O clima organizacional, nesses casos, é contaminado por práticas que não apenas adoecem o trabalhador, mas fragilizam a reputação institucional e a sustentabilidade do negócio.
Mattos (2021) alerta que, muitas vezes, essas disfunções são mascaradas por discursos meritocráticos ou de “alta performance”, que pressionam colaboradores a excederem seus limites físicos e emocionais. Essa lógica, quando associada à falta de canais institucionais para escuta e acolhimento, favorece a banalização do sofrimento psíquico e a desumanização das relações de trabalho.
A presença de uma cultura tóxica também está ligada à inexistência de mecanismos efetivos de compliance, bem como à negligência da alta gestão quanto à saúde mental e ao equilíbrio emocional das equipes. Lima Verde (2024) ressalta que a ausência de lideranças éticas e a permissividade institucional diante de comportamentos abusivos são elementos-chave para a manutenção desse tipo de cultura.
Portanto, combater a cultura organizacional tóxica exige uma transformação estrutural que ultrapassa medidas pontuais. É necessário reconfigurar os valores organizacionais, revisar modelos de liderança, implementar códigos de conduta funcionais e institucionalizar práticas que promovam o bem-estar coletivo. Mais do que um problema individual, o adoecimento mental dos trabalhadores deve ser reconhecido como um sintoma de falhas sistêmicas, que exigem respostas éticas e institucionais amplas.
COMPLIANCE E POLÍTICAS DE PROMOÇÃO DA SAÚDE MENTAL
A consolidação de uma cultura organizacional ética e saudável requer a institucionalização de mecanismos capazes de prevenir práticas abusivas, assegurar a integridade das relações de trabalho e promover o bem-estar dos colaboradores. Nesse sentido, os programas de compliance ético têm evoluído para além da mera conformidade com normas legais, assumindo um papel estratégico na prevenção de riscos psicossociais e na promoção da saúde mental no ambiente corporativo.
Tradicionalmente associado ao combate à corrupção e à integridade financeira, o compliance passou a incorporar aspectos de governança voltados ao respeito à dignidade humana, à inclusão e ao cuidado com a saúde emocional dos trabalhadores. Conforme Lima Verde (2024), empresas que estruturam seu compliance com foco em relações humanas tendem a ser mais bem-sucedidas na retenção de talentos, na redução de conflitos internos e na construção de uma reputação institucional sólida.
Um dos pilares do compliance moderno é a existência de códigos de conduta claros, amplamente divulgados e efetivamente aplicados. Esses documentos devem incluir, de forma explícita, princípios voltados à promoção da saúde mental, como a proibição de práticas de assédio moral, a valorização do equilíbrio entre vida pessoal e profissional, e o reconhecimento da importância da escuta ativa e do acolhimento institucional.
De acordo com Silva e Melo (2020), a simples formalização de normas não é suficiente para garantir uma cultura ética; é necessário o comprometimento efetivo da alta liderança com os princípios estabelecidos. A atuação ética das lideranças é decisiva para a internalização dos valores institucionais e para a criação de um ambiente psicológico seguro. Lideranças omissas ou coniventes com práticas abusivas enfraquecem o sistema de integridade e desestimulam denúncias, agravando o clima organizacional.
Nesse contexto, a criação de canais de denúncia confidenciais, programas de apoio psicológico, treinamentos contínuos em ética, e a inserção de indicadores de saúde mental no planejamento estratégico são algumas das práticas que reforçam a efetividade dos programas de compliance. Barros (2023) enfatiza que o compliance ético, ao incorporar dimensões subjetivas do trabalho, transcende a burocracia e se transforma em ferramenta de gestão humanizada.
Além disso, instituições que integram os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) em suas políticas internas, especialmente o ODS 3 (Saúde e Bem-Estar) e o ODS 8 (Trabalho Decente e Crescimento Econômico), alinham seus programas de compliance à agenda internacional de direitos humanos e desenvolvimento organizacional sustentável. Farias e Souza (2022) destacam que a ética empresarial, quando vinculada à sustentabilidade, amplia seu alcance para além do lucro e fortalece o compromisso com a vida e a saúde no trabalho.
Dessa forma, o compliance ético contemporâneo emerge como uma resposta organizacional não apenas às exigências legais, mas a uma demanda social urgente: o enfrentamento do adoecimento psíquico provocado por culturas tóxicas. Seu êxito, no entanto, depende da coerência entre discurso e prática, do engajamento institucional e da disposição para transformar estruturas que historicamente negligenciaram o ser humano como centro das decisões corporativas.
METODOLOGIA
Este estudo caracteriza-se como uma pesquisa qualitativa, de natureza exploratória e descritiva, cujo objetivo é compreender como a cultura organizacional tóxica afeta a saúde mental dos trabalhadores e de que forma a ética institucional pode atuar como fator protetivo e preventivo. A escolha metodológica pela abordagem qualitativa justifica-se pela complexidade e subjetividade do fenômeno analisado, que envolve elementos simbólicos, relacionais e institucionais que não são quantificáveis, mas que podem ser interpretados com base em análise de conteúdo e referenciais teóricos.
Segundo Bardin (2016), a pesquisa qualitativa permite o aprofundamento crítico de significados sociais e institucionais, sendo adequada para fenômenos como cultura organizacional, sofrimento psíquico e ética corporativa. Assim, esta investigação se baseia em revisão de literatura sistemática e interpretativa, com o objetivo de identificar os principais conceitos, abordagens e evidências acadêmicas sobre os temas centrais do estudo: saúde mental no trabalho, cultura organizacional tóxica e compliance ético.
TIPO DE PESQUISA
A presente pesquisa é bibliográfica e de cunho exploratório, tendo em vista que busca mapear e interpretar a produção científica relevante sobre o tema, organizando os dados em categorias analíticas. O estudo também assume um caráter descritivo, pois apresenta conceitos, estruturas e experiências relatadas na literatura, compondo um quadro interpretativo que visa embasar reflexões práticas e acadêmicas sobre o assunto.
Conforme Creswell (2014), a abordagem exploratória é apropriada quando o objetivo é investigar áreas pouco discutidas ou emergentes, como é o caso da integração entre ética organizacional e promoção da saúde mental em contextos de cultura tóxica.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A coleta de dados foi realizada por meio da revisão de literatura sistemática, com busca de artigos, teses, dissertações, livros e documentos institucionais publicados entre 2013 e 2024. As bases de dados utilizadas incluíram: SciELO, Periódicos CAPES, ResearchGate, além de sites institucionais com publicações confiáveis sobre ética corporativa, compliance e saúde do trabalhador.
Os critérios de seleção dos materiais incluíram:
A análise do conteúdo seguiu as orientações de Bardin (2016), utilizando a categorização temática como estratégia para organizar os dados em quatro eixos: fundamentos da ética organizacional; relação entre ética e saúde mental; impactos da cultura tóxica; e políticas de compliance e bem-estar.
LIMITAÇÕES DA PESQUISA
Embora a revisão bibliográfica possibilite uma análise crítica robusta, algumas limitações são reconhecidas neste estudo. Primeiramente, a ausência de dados empíricos, como entrevistas ou pesquisas de campo, restringe a validação prática das interpretações teóricas. Além disso, a dinâmica acelerada das transformações organizacionais, especialmente após a pandemia de COVID-19, pode exigir atualização constante das discussões sobre saúde mental e governança ética.
Outra limitação é o foco em fontes majoritariamente brasileiras, o que, embora pertinente ao contexto local, pode deixar de considerar variações culturais ou institucionais de outros países. No entanto, optou-se por este recorte para priorizar a aplicabilidade prática dos resultados em realidades semelhantes à brasileira.
Por fim, a metodologia adotada proporcionou uma base teórica sólida e abrangente para a compreensão do fenômeno estudado. A revisão crítica da literatura permitiu identificar padrões, lacunas e tendências relevantes, subsidiando uma reflexão consistente sobre os impactos da cultura organizacional tóxica e a importância de estruturas éticas institucionalizadas para a promoção da saúde mental no trabalho.
RESULTADOS
A análise da literatura permitiu constatar que ambientes organizacionais marcados por culturas tóxicas contribuem diretamente para o adoecimento psíquico dos trabalhadores. As principais características desses ambientes incluem relações hierárquicas autoritárias, naturalização do assédio moral, sobrecarga de tarefas, ausência de diálogo institucional e desvalorização do bem-estar emocional. Tais fatores geram aumento nos índices de estresse, ansiedade, burnout e afastamentos por doenças mentais.
Foi possível observar que a ausência de condutas éticas institucionalizadas e a fragilidade dos mecanismos de escuta e proteção aos trabalhadores intensificam a invisibilidade do sofrimento psíquico no trabalho. Em contraste, organizações que promovem uma cultura ética, com lideranças comprometidas, códigos de conduta consistentes, canais de denúncia efetivos e políticas voltadas à saúde mental, demonstram maior capacidade de prevenir e mitigar os efeitos negativos da cultura tóxica.
Outro achado importante foi a evidência de que os programas de compliance, quando integrados a uma perspectiva ética e humanizada, constituem ferramentas eficazes para a construção de ambientes laborais mais saudáveis. A implementação de políticas de integridade e o alinhamento com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), especialmente os que tratam de saúde e bem-estar, ampliam o papel social das organizações e favorecem relações de trabalho mais justas e equilibradas.
DISCUSSÃO
A discussão dos resultados à luz da literatura analisada revela que a ética organizacional deve ser compreendida como um eixo estruturante da saúde mental no trabalho. A ética não pode ser concebida apenas como uma diretriz normativa, mas como um conjunto de práticas concretas que atravessam a cultura institucional, os estilos de liderança e os mecanismos de gestão de pessoas.
Como apontado por diversos autores, a cultura tóxica não é produto de ações pontuais, mas de estruturas organizacionais permissivas, que silenciam abusos e normalizam condutas nocivas. O discurso de produtividade a qualquer custo, associado à ausência de responsabilização institucional, contribui para o agravamento do sofrimento psíquico, especialmente em contextos onde a saúde mental é desconsiderada como dimensão estratégica da gestão.
Por outro lado, empresas que assumem o compromisso ético de promover o bem-estar de seus colaboradores demonstram que é possível equilibrar resultados econômicos e responsabilidade social. O compliance ético, quando articulado à gestão humanizada e à escuta ativa dos trabalhadores, deixa de ser apenas um instrumento legalista para se tornar um elemento transformador da cultura organizacional.
A discussão também indica que a superação da cultura tóxica demanda um esforço coletivo, intersetorial e constante. Requer o reposicionamento da ética como princípio norteador das práticas institucionais e o reconhecimento da saúde mental como um direito humano fundamental no mundo do trabalho.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conclui-se que os impactos da cultura organizacional tóxica sobre a saúde mental dos trabalhadores são profundos, sistêmicos e evitáveis. A negligência com a subjetividade dos colaboradores e a ausência de políticas institucionais de proteção resultam em danos individuais e coletivos que comprometem não apenas o bem-estar humano, mas também a sustentabilidade das próprias organizações.
A ética organizacional emerge, portanto, como um campo fundamental para a promoção de ambientes de trabalho saudáveis, justos e sustentáveis. Ela deve estar presente em todas as dimensões da gestão: desde a formulação das políticas internas até as decisões estratégicas, passando pela conduta das lideranças e pela escuta dos trabalhadores.
A promoção da saúde mental nas empresas não pode ser tratada como um privilégio ou um diferencial competitivo, mas como uma obrigação ética e uma estratégia de sobrevivência organizacional. Para isso, é preciso reconfigurar valores, rever estruturas, capacitar lideranças e criar espaços institucionais de acolhimento e cuidado.
Sugere-se, como continuidade desta pesquisa, a realização de estudos empíricos com aplicação de questionários e entrevistas em diferentes setores organizacionais, a fim de ampliar o diagnóstico sobre o impacto da ética institucional na saúde mental dos trabalhadores e contribuir para o desenvolvimento de políticas públicas e privadas mais eficazes e humanizadas.
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