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Resumo
INTRODUÇÃO
As doenças cardiovasculares (DCVs) constituem a principal causa de morte no mundo, sendo responsáveis por aproximadamente 17,9 milhões de óbitos anuais, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). No Brasil, essa realidade não é diferente: as DCVs lideram os índices de mortalidade, representando um desafio significativo para a saúde pública. Entre as principais condições estão o infarto agudo do miocárdio, o acidente vascular cerebral (AVC) e a insuficiência cardíaca, que afetam milhões de brasileiros, em especial aqueles pertencentes a grupos sociais mais vulneráveis. Esse panorama reflete não apenas questões biomédicas, mas também aspectos socioeconômicos e culturais que influenciam diretamente o padrão de adoecimento da população (Miranda et al. 2025).
A compreensão da epidemiologia das DCVs requer uma abordagem ampla, que considere os determinantes sociais da saúde — como renda, escolaridade, condições de moradia e acesso a serviços de saúde — além dos fatores de risco comportamentais e biológicos, como tabagismo, sedentarismo, má alimentação, hipertensão e diabetes. A análise integrada desses elementos permite identificar padrões de distribuição das doenças e avaliar as desigualdades em saúde que afetam especialmente populações de baixa renda e moradores de regiões com menor cobertura de políticas públicas de prevenção e promoção da saúde (Menezes et al. 2024).
Justifica-se a escolha do tema pela relevância das DCVs na carga de morbimortalidade brasileira, bem como pelo impacto direto que tais doenças exercem sobre os sistemas de saúde e a qualidade de vida da população. As DCVs geram elevados custos assistenciais, hospitalizações frequentes e perda de produtividade, configurando-se como um problema de saúde pública de grandes proporções. Além disso, o envelhecimento populacional e a urbanização acelerada tendem a aumentar a prevalência desses agravos, exigindo maior atenção das políticas públicas e da pesquisa científica (Fonseca et al. 2023).
Outro fator que reforça a importância do estudo é a evidência crescente de que intervenções voltadas à redução dos fatores de risco e à mitigação das desigualdades sociais podem trazer resultados expressivos na prevenção das DCVs. Identificar os grupos mais vulneráveis e compreender os contextos sociais em que esses fatores se desenvolvem é um passo essencial para a elaboração de estratégias mais equitativas e eficazes de intervenção. Assim, estudos que exploram a interface entre os determinantes sociais e os fatores de risco cardiovasculares tornam-se indispensáveis para subsidiar ações voltadas à equidade em saúde (Pinto et al. 2024).
Apesar da ampla produção científica sobre doenças cardiovasculares, ainda são escassos os estudos que integram de forma sistemática os aspectos epidemiológicos com os determinantes sociais da saúde no Brasil. Surge, então, a seguinte questão-problema: de que maneira os determinantes sociais influenciam a ocorrência das doenças cardiovasculares no Brasil, e como os fatores de risco se distribuem entre diferentes grupos populacionais? Compreender essas dinâmicas é essencial para propor intervenções mais justas e eficazes no enfrentamento dessa realidade (Woodruff et al. 2024),
Dessa forma, este estudo tem como objetivo geral analisar a epidemiologia das doenças cardiovasculares no Brasil à luz dos determinantes sociais da saúde e dos principais fatores de risco associados. Como objetivos específicos, busca-se identificar os fatores de risco mais prevalentes, mapear sua distribuição entre grupos populacionais distintos e discutir o impacto das desigualdades sociais na incidência e na mortalidade por DCVs no país.
METODOLOGIA
Este estudo caracteriza-se como uma pesquisa bibliográfica, que, segundo Gil (2019), consiste na análise de contribuições teóricas já publicadas, especialmente em livros, artigos científicos e documentos oficiais, com o objetivo de proporcionar uma base conceitual sólida sobre o tema investigado. A pesquisa bibliográfica permite a compreensão aprofundada do objeto de estudo a partir do levantamento e da sistematização de conteúdos disponíveis em fontes secundárias.
Foram consultadas as bases de dados eletrônicas SciELO (Scientific Electronic Library Online), LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde), PubMed, Google Scholar e o Portal de Periódicos da CAPES, por meio de acesso remoto institucional. A busca foi realizada utilizando as seguintes palavras-chave combinadas: “doenças cardiovasculares”, “determinantes sociais da saúde”, “epidemiologia”, “fatores de risco” e “Brasil”. O uso de operadores booleanos como AND e OR permitiu o refinamento dos resultados, assegurando maior precisão e relevância para os objetivos da pesquisa.
O recorte temporal adotado abrange o período de 2015 a 2025, com o intuito de contemplar estudos atualizados e alinhados às transformações recentes no cenário epidemiológico brasileiro, bem como às mudanças nas políticas públicas de saúde. Foram incluídos artigos científicos, relatórios institucionais, dissertações e teses que abordassem diretamente a temática das doenças cardiovasculares no contexto brasileiro, com ênfase nos fatores sociais e comportamentais associados à sua incidência e prevalência.
Os critérios de inclusão envolveram publicações em português, inglês ou espanhol, com acesso ao texto completo, que apresentassem dados, análises ou discussões relevantes sobre a relação entre determinantes sociais e doenças cardiovasculares no Brasil. Como critérios de exclusão, foram descartadas as obras que não abordassem a realidade brasileira, que tratassem de doenças cardiovasculares de forma secundária ou que apresentassem dados desatualizados, duplicados ou fora do escopo temático estabelecido.
EPIDEMIOLOGIA DAS DCVS
Para Woodruff et al. (2024) a epidemiologia é uma disciplina central da saúde pública que estuda a distribuição, os determinantes e os fatores condicionantes de doenças e agravos na população. Quando aplicada às DCVs, essa área do conhecimento busca compreender os padrões de ocorrência dessas enfermidades, identificar os fatores de risco associados e subsidiar ações de prevenção e controle. Através da análise de dados populacionais, a epidemiologia permite reconhecer os grupos mais vulneráveis, bem como avaliar a efetividade das políticas públicas voltadas à saúde cardiovascular.
As doenças cardiovasculares representam uma das principais causas de morbimortalidade no mundo. No Brasil, o cenário não é diferente: as DCVs continuam liderando o ranking das causas de morte, superando outros agravos como neoplasias e doenças infecciosas. Entre os principais tipos de doenças cardiovasculares destacam-se o infarto agudo do miocárdio, o AVC, a insuficiência cardíaca e as arritmias. Esses quadros, muitas vezes associados ao envelhecimento populacional e a estilos de vida inadequados, impactam diretamente a qualidade de vida da população e sobrecarregam os serviços de saúde (Menezes et al. 2024).
De acordo com Woodruff et al. (2024), os principais indicadores epidemiológicos utilizados para o monitoramento das DCVs são a incidência, a prevalência e a mortalidade. A incidência refere-se ao número de casos novos que surgem em uma população durante um determinado período, sendo fundamental para avaliar a velocidade de propagação das doenças. Já a prevalência diz respeito ao número total de casos (novos e antigos) existentes em um dado momento, refletindo a carga geral da doença sobre a população. Por sua vez, o índice de mortalidade quantifica o número de óbitos causados por doenças cardiovasculares, sendo um dos indicadores mais sensíveis para avaliar o impacto das DCVs na saúde pública.
Os dados epidemiológicos disponíveis em instituições como o Ministério da Saúde, o DATASUS e a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) revelam tendências preocupantes. Embora tenha havido uma leve queda na taxa de mortalidade por DCVs nas últimas décadas, principalmente em países de alta renda, em regiões como a América Latina — e especialmente no Brasil — a prevalência de fatores de risco permanece elevada. O tabagismo, o sedentarismo, a hipertensão arterial, a dislipidemia e o diabetes mellitus continuam sendo altamente prevalentes, especialmente entre populações em situação de vulnerabilidade social (Oliveira, 2024).
Outro aspecto relevante para Fonseca et al. (2023), é a transição demográfica e epidemiológica vivida pelo Brasil. O aumento da expectativa de vida, aliado a mudanças nos hábitos alimentares e no estilo de vida da população, tem levado ao crescimento dos agravos crônicos não transmissíveis, entre eles as doenças cardiovasculares. Esse processo tem transformado o perfil de morbidade da população brasileira, com uma progressiva substituição das doenças infecciosas e parasitárias por doenças crônicas degenerativas como as DCVs.
Portanto, compreender a epidemiologia das doenças cardiovasculares no Brasil é essencial para o planejamento de ações preventivas e a alocação racional de recursos públicos. A partir da análise de indicadores epidemiológicos, é possível elaborar estratégias mais eficazes de intervenção, com foco tanto na prevenção primária, que visa impedir o surgimento da doença, quanto na prevenção secundária, que busca evitar agravamentos e recidivas em pessoas já diagnosticadas. Nesse sentido, a epidemiologia se configura como uma ferramenta indispensável para a promoção da saúde cardiovascular no país (Menezes et al. 2024).
DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE
De acordo com Powell-Wiley et al. (2022), os determinantes sociais da saúde (DSS) são definidos como as condições sociais, econômicas, culturais e ambientais nas quais os indivíduos nascem, crescem, vivem, trabalham e envelhecem. Esses fatores influenciam diretamente os níveis de saúde da população, assim como o risco de adoecimento e morte. A OMS reconhece que a saúde não é determinada apenas por fatores biológicos ou acesso a serviços de saúde, mas, sobretudo, por contextos sociais mais amplos que moldam as oportunidades e escolhas de vida das pessoas.
A classificação dos determinantes sociais pode ser feita em dois grandes grupos conforme aponta Pinto et al. (2024): estruturais e intermediários. Os determinantes estruturais englobam fatores macroeconômicos e sociopolíticos, como políticas públicas, sistemas de governo, mercado de trabalho, desigualdades de renda, classe social, gênero e etnia. Já os determinantes intermediários dizem respeito às condições materiais do cotidiano, como moradia, saneamento básico, educação, alimentação, ambiente de trabalho, acesso a serviços de saúde e apoio social. Esses fatores estão interligados e influenciam, de maneira significativa, os resultados em saúde de uma população.
No contexto das doenças cardiovasculares, os determinantes sociais exercem papel crucial. A exposição prolongada a condições de vida precárias, baixa escolaridade, insegurança alimentar, jornadas de trabalho extenuantes e falta de acesso adequado a serviços de saúde são aspectos que aumentam o risco de desenvolvimento de doenças crônicas, incluindo as cardiovasculares. Populações em situação de vulnerabilidade tendem a ter menos acesso à informação sobre prevenção, menor capacidade de adquirir alimentos saudáveis, praticar atividades físicas e controlar fatores como hipertensão e diabetes (Powell-Wiley et al. 2022).
A relação entre desigualdades sociais e saúde cardiovascular no Brasil é evidente. Segundo Soares (2025), diversos estudos apontam que as taxas de mortalidade por doenças cardiovasculares são mais elevadas entre pessoas com menor nível socioeconômico. Além disso, regiões do país com menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) apresentam maior prevalência de fatores de risco, como tabagismo, obesidade e sedentarismo. Esse panorama reflete a estrutura desigual da sociedade brasileira, em que o lugar social do indivíduo influencia diretamente suas possibilidades de viver mais e com melhor qualidade de vida.
A interseccionalidade também é um fator importante a ser considerado. Mulheres negras e pessoas indígenas, por exemplo, sofrem impactos diferenciados dos determinantes sociais, o que agrava as desigualdades em saúde. Isso revela que a análise dos DSS deve considerar múltiplas dimensões de vulnerabilidade e não apenas aspectos econômicos. A integração entre políticas de saúde e políticas sociais torna-se, portanto, fundamental para reduzir as iniquidades e promover a equidade em saúde (Moreira, 2023).
Assim, ainda de acordo com Moreira (2023), os determinantes sociais da saúde não apenas contribuem para a ocorrência das doenças cardiovasculares, mas também para a manutenção de padrões desiguais de adoecimento e morte. O enfrentamento desse quadro demanda ações intersetoriais que envolvam, além da saúde, áreas como educação, assistência social, transporte, trabalho e habitação. A compreensão e incorporação dos DSS nas estratégias de prevenção e controle das DCVs é um passo essencial para a construção de um sistema de saúde mais justo e eficaz.
FATORES DE RISCO PARA DCVS
As DCVs estão entre as principais causas de morte no Brasil e no mundo. Segundo Gonçalves et al. (2024), uma das formas mais eficazes de enfrentá-las é por meio da identificação e controle dos fatores de risco, que são elementos ou comportamentos que aumentam a probabilidade de desenvolvimento dessas enfermidades. Esses fatores podem ser classificados em modificáveis, ou seja, passíveis de controle ou mudança por meio de intervenções individuais e coletivas, e não modificáveis, relacionados a características próprias do indivíduo, como idade e hereditariedade.
Entre os fatores de risco modificáveis, Paz et al. (2023) citam que a alimentação inadequada ocupa posição central. Dietas ricas em gorduras saturadas, açúcares, sódio e ultraprocessados contribuem significativamente para o aumento da pressão arterial, colesterol elevado, obesidade e diabetes tipo 2 — todos elementos que favorecem o surgimento de doenças cardiovasculares. A promoção de hábitos alimentares saudáveis é, portanto, uma estratégia essencial para prevenção dessas doenças, devendo ser fomentada por políticas públicas de segurança alimentar e nutricional.
Outro fator importante para Gonçalves et al. (2024) é o sedentarismo, que representa um risco direto para o enfraquecimento do sistema cardiovascular. A prática regular de atividade física ajuda a reduzir a pressão arterial, controlar os níveis de colesterol, melhorar a função endotelial e manter o peso corporal adequado. No entanto, muitas vezes, a falta de espaços públicos adequados para exercício, rotinas de trabalho exaustivas e ausência de estímulo social dificultam a adoção de um estilo de vida ativo, principalmente entre as populações mais vulneráveis.
O tabagismo também figura entre os principais fatores de risco modificáveis para DCVs. A exposição contínua às substâncias tóxicas do cigarro provoca inflamações nas artérias, eleva a pressão arterial e aumenta a chance de formação de coágulos, elevando consideravelmente o risco de infarto agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral. Campanhas de cessação do tabagismo e políticas de controle do consumo de produtos derivados do tabaco são fundamentais para a redução da mortalidade cardiovascular (Oliveira, 2022).
O consumo excessivo de álcool é outro fator de risco significativo conforme aponta Paz et al. (2023). Ainda que doses moderadas possam ter efeito neutro ou até protetor em alguns estudos, a ingestão abusiva está relacionada à elevação da pressão arterial, arritmias, cardiomiopatias e aumento do colesterol ruim (LDL). Assim, campanhas de conscientização e ações voltadas para a redução do consumo de álcool são estratégias de saúde pública relevantes na prevenção das DCVs.
Quanto aos fatores de risco não modificáveis, destacam-se a idade, o sexo e o histórico familiar. O avanço da idade está associado ao desgaste natural do sistema cardiovascular e ao acúmulo de exposição a fatores de risco ao longo da vida. Homens, até a meia-idade, apresentam maior risco de eventos cardiovasculares do que mulheres, embora esse cenário se iguale após a menopausa. Já o histórico familiar de DCVs precoces (antes dos 55 anos para homens e 65 para mulheres) pode indicar predisposição genética, exigindo acompanhamento médico mais rigoroso (Miranda et al. 2025).
Importante destacar que os determinantes sociais da saúde e os fatores de risco para DCVs não atuam isoladamente, mas se entrelaçam de forma complexa. Indivíduos em contextos de vulnerabilidade social enfrentam maiores barreiras para adotar comportamentos saudáveis e têm acesso limitado a cuidados preventivos. Dessa forma, a prevalência de fatores de risco modificáveis tende a ser mais elevada entre as classes sociais menos favorecidas, perpetuando o ciclo de adoecimento e desigualdade (Oliveira, 2022).
Portanto, abordar os fatores de risco para doenças cardiovasculares requer um olhar que vá além da esfera individual. É fundamental integrar ações de educação em saúde, regulação de produtos nocivos, incentivo à alimentação saudável, ampliação do acesso a serviços de saúde e promoção de ambientes urbanos que estimulem o cuidado com o corpo e o bem-estar. A prevenção efetiva das DCVs depende do equilíbrio entre escolhas pessoais e políticas públicas que promovam saúde de forma equitativa e sustentável (Gonçalves et al. 2024).
POLÍTICAS PÚBLICAS E ESTRATÉGIAS DE PREVENÇÃO
De acordo com Figueiredo et al. (2019), as políticas públicas de saúde desempenham um papel essencial no enfrentamento das DCVs no Brasil. O Sistema Único de Saúde (SUS), instituído pela Constituição Federal de 1988, é a principal estrutura responsável por garantir o acesso universal, igualitário e gratuito aos serviços de saúde. Dentro desse sistema, diversas ações e programas específicos foram desenvolvidos com foco na prevenção, diagnóstico precoce e tratamento das DCVs, com o intuito de reduzir a mortalidade e melhorar a qualidade de vida da população.
Entre os programas instituídos pelo Ministério da Saúde, Tonh’á et al. (2023) citam que, destaca-se a Política Nacional de Promoção da Saúde (PNPS), que busca articular ações intersetoriais voltadas à melhoria das condições de vida e à redução dos fatores de risco associados às doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs), como as cardiovasculares. Essa política incentiva hábitos saudáveis, como alimentação equilibrada, prática de atividades físicas, controle do uso de álcool e tabaco e manejo do estresse. Ao promover mudanças no estilo de vida, a PNPS atua diretamente na prevenção primária das DCVs.
Outro programa relevante é o Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas Não Transmissíveis no Brasil 2021-2030, que prioriza o enfrentamento das DCNTs por meio da vigilância, da promoção da saúde e do cuidado integral. As estratégias do plano incluem campanhas de educação em saúde, ampliação do acesso a medicamentos, incentivo à prática de atividade física e monitoramento constante dos indicadores de saúde, com foco especial nas populações mais vulneráveis (Brasil, 2022).
Para Figueiredo et al. (2019), as Unidades Básicas de Saúde (UBS), integradas à Atenção Primária à Saúde (APS), são a porta de entrada preferencial para o cuidado contínuo da população. Nessas unidades, os profissionais de saúde atuam na identificação precoce de fatores de risco cardiovascular, no acompanhamento de pacientes com hipertensão e diabetes e na orientação para mudanças de estilo de vida. O fortalecimento da APS é, portanto, estratégico para a prevenção das DCVs e para a redução da sobrecarga nos níveis secundário e terciário de atenção.
Além disso, políticas intersetoriais, como o Programa Saúde na Escola (PSE) e o Guia Alimentar para a População Brasileira, também contribuem para a prevenção das doenças cardiovasculares ao promoverem ações educativas desde a infância e fornecerem diretrizes para escolhas alimentares saudáveis. Essas ações são essenciais para o desenvolvimento de uma cultura de autocuidado e corresponsabilidade, especialmente entre os jovens, que são o público-alvo da prevenção primordial (Brasil, 2022).
Segundo Gurian et al. (2024), as estratégias de prevenção primária têm se mostrado fundamentais na redução da incidência das DCVs. Entre elas estão o rastreamento de fatores de risco, como hipertensão arterial e dislipidemias, a vacinação contra influenza (especialmente para pessoas com cardiopatias), e o suporte psicológico e social para enfrentamento do estresse. Tais intervenções, se aplicadas de forma sistemática e com base em evidências, têm o potencial de evitar um grande número de hospitalizações e óbitos evitáveis.
Portanto, as políticas públicas voltadas à saúde cardiovascular no Brasil são amplas, articuladas e sustentadas por uma base legal sólida. Contudo, sua efetividade depende da continuidade dos investimentos públicos, da formação permanente dos profissionais de saúde e da ampliação do acesso da população aos serviços e insumos essenciais. O enfrentamento das DCVs exige, assim, um compromisso constante com a equidade, a integralidade e a intersetorialidade no cuidado à saúde da população (Lemos et al. 2023).
ANÁLISE DA REALIDADE BRASILEIRA – PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DAS DCVS E IMPACTOS DAS DESIGUALDADES SOCIAIS
Segundo Aguiar et al. (2022), a análise do perfil epidemiológico dessas enfermidades no país revela uma distribuição desigual em termos regionais, etários, de sexo e de condição socioeconômica. Os dados mais recentes apontam que o número de óbitos por causas cardiovasculares ultrapassa 300 mil por ano, com predominância nas regiões mais populosas como o Sudeste, embora as regiões Norte e Nordeste apresentem crescimento proporcionalmente maior nos índices, principalmente em municípios com menor cobertura da Atenção Primária à Saúde. Esse panorama reflete não apenas diferenças geográficas, mas a existência de marcantes disparidades estruturais no acesso à saúde, na promoção da prevenção e na capacidade de resposta dos sistemas locais.
A análise por faixa etária mostra que, embora as DCVs sejam mais frequentes em pessoas com 60 anos ou mais, há um crescimento preocupante na incidência de eventos cardiovasculares em adultos jovens, muitas vezes impulsionado pelo aumento da obesidade, do estresse crônico, do sedentarismo e do consumo de substâncias nocivas, como tabaco e álcool. A urbanização acelerada e a transformação dos estilos de vida nas últimas décadas contribuíram para a consolidação de hábitos não saudáveis, promovendo uma transição epidemiológica precoce em camadas da população que antes não compunham o principal grupo de risco. Este novo cenário desafia as estratégias tradicionais de prevenção, que antes se concentravam quase exclusivamente na terceira idade (Arruda et al. 2022).
O perfil de mortalidade também difere entre homens e mulheres, de acordo com Aguiar et al. (2022). Os homens continuam liderando as estatísticas de infarto agudo do miocárdio e outras doenças isquêmicas do coração, enquanto as mulheres apresentam um aumento nos índices de mortalidade por DCVs após a menopausa. Este dado evidencia a necessidade de ações específicas de prevenção voltadas para a saúde cardiovascular da mulher, muitas vezes negligenciada pelas campanhas convencionais. Além disso, o reconhecimento tardio dos sintomas em mulheres e a tendência histórica da medicina em subestimar os riscos cardiovasculares femininos contribuem para agravar esse quadro.
Outro aspecto fundamental para Santos et al. (2024), diz respeito à relação entre o nível socioeconômico e a prevalência das DCVs. Indivíduos em situação de vulnerabilidade social enfrentam maior exposição a fatores de risco e menor acesso aos serviços de saúde, tanto para diagnóstico precoce quanto para tratamento e acompanhamento. A má alimentação, resultante da limitação de acesso a alimentos saudáveis e do predomínio de dietas baseadas em produtos ultraprocessados, combinada com a precariedade das condições de moradia e transporte, compõe um cenário propício ao adoecimento cardiovascular. Esses determinantes sociais impactam fortemente a capacidade de adesão a hábitos saudáveis e de autocuidado.
As comparações entre populações urbanas e rurais acrescentam uma camada de complexidade ao perfil epidemiológico. Enquanto os centros urbanos concentram maior oferta de serviços médicos especializados, também abrigam condições de vida adversas como o estresse, a poluição, a violência urbana e a sobrecarga de trabalho. Já nas áreas rurais, embora exista uma possível proteção relacionada à prática de atividades físicas naturais do meio, a deficiência em infraestrutura de saúde, o isolamento geográfico e a escassez de profissionais dificultam o acesso a exames e ao tratamento contínuo. Assim, tanto em áreas densamente povoadas quanto nas mais isoladas, as especificidades regionais devem ser consideradas na formulação de políticas públicas (Aguiar et al. 2022).
É preciso destacar que, o entendimento do perfil epidemiológico das DCVs no Brasil exige uma análise que vá além dos números absolutos de óbitos e casos. É preciso considerar as variáveis sociodemográficas, as transformações sociais recentes e os padrões de comportamento coletivo. Só a partir desse olhar ampliado é que será possível promover intervenções mais eficazes e justas, respeitando a diversidade e as necessidades reais da população brasileira (Arruda et al. 2022).
Para Pinto et al. (2024), as desigualdades sociais no Brasil têm um impacto direto e profundo sobre a incidência, o tratamento e os desfechos das doenças cardiovasculares. O acesso precário a serviços de saúde de qualidade, a insegurança alimentar, a baixa escolaridade, a informalidade no trabalho e a precariedade das condições de moradia e transporte formam um conjunto de fatores que não apenas dificultam a prevenção das DCVs, como também comprometem gravemente o sucesso do tratamento quando a doença já está instalada. Essas desigualdades estruturais são a base da reprodução de ciclos de adoecimento e morte evitáveis, o que evidencia a importância de uma abordagem intersetorial para o enfrentamento das DCVs.
Nas periferias urbanas e comunidades rurais mais isoladas, os desafios relacionados ao acesso aos serviços de saúde são ainda mais agudos. A ausência de unidades básicas de saúde próximas, a alta rotatividade de profissionais, a escassez de especialistas em cardiologia e a dificuldade de marcação de consultas e exames comprometem o diagnóstico precoce e o tratamento contínuo, o que aumenta a mortalidade por eventos cardiovasculares evitáveis. Além disso, a falta de ações educativas adaptadas ao contexto cultural e linguístico da população afasta os cidadãos dos serviços, gerando desinformação e baixa adesão ao tratamento (Fonseca et al. 2023).
O ambiente social em que as pessoas vivem influencia de maneira decisiva seus comportamentos de saúde. Em locais onde há insegurança, ausência de áreas verdes, transporte público deficiente e alimentação saudável inacessível, torna-se difícil adotar hábitos preventivos. Muitas vezes, mesmo pessoas com boa informação sobre saúde são impedidas de praticar atividades físicas ou seguir uma dieta adequada por falta de condições estruturais. Assim, os determinantes sociais funcionam como barreiras objetivas à promoção da saúde, independentemente da vontade individual (Pinto et al. 2024).
Além dos fatores ambientais e econômicos, Arruda et al. (2022) pontuam que, é preciso destacar as intersecções entre desigualdade de gênero, raça e classe social. Mulheres negras, indígenas e moradores de favelas e regiões de baixa renda enfrentam múltiplas formas de exclusão, que afetam diretamente seu acesso à saúde. O preconceito institucional, o racismo estrutural e a falta de políticas públicas específicas para esses grupos contribuem para a manutenção das iniquidades em saúde cardiovascular. As estatísticas mostram que essas populações têm menos acesso a medicamentos, maior taxa de hospitalizações e piores desfechos após eventos cardiovasculares.
O mercado de trabalho informal também impõe limitações importantes. Trabalhadores que não possuem vínculo empregatício formal muitas vezes evitam procurar atendimento médico por medo de perder dias de trabalho e comprometer sua renda. Sem direito a afastamento remunerado ou acesso a planos de saúde, esses indivíduos acabam recorrendo aos serviços apenas em situações emergenciais, o que compromete a prevenção e o controle das DCVs (Santos et al. 2024).
A fragmentação das políticas públicas e a insuficiência de investimentos na Atenção Básica reforçam ainda mais os impactos das desigualdades. A ausência de programas continuados, com profissionais capacitados e infraestrutura adequada, resulta em intervenções pontuais e ineficazes, que não conseguem atingir a população que mais necessita. A superlotação dos serviços, aliada à carência de medicamentos e de exames, compromete a resolutividade e a qualidade do atendimento (Pinto et al. 2024).
Por fim, é importante destacar que enfrentar as DCVs no Brasil requer muito mais do que intervenções biomédicas. É necessário promover justiça social, redistribuição de recursos e equidade no acesso à saúde. A construção de políticas públicas eficazes deve estar ancorada na compreensão de que as DCVs são, também, uma expressão das desigualdades sociais do país. Apenas com ações que enfrentem diretamente essas desigualdades será possível reduzir os índices de mortalidade cardiovascular e promover uma saúde mais justa para todos os brasileiros (Aguiar et al. 2022).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise da epidemiologia das DCVs no Brasil revela a gravidade desse problema de saúde pública, que se mantém como a principal causa de morte no país. O perfil epidemiológico, caracterizado por altas taxas de incidência e mortalidade, expõe as desigualdades regionais, etárias e socioeconômicas, refletindo diretamente as condições de acesso à saúde e os determinantes sociais que perpetuam esse cenário. A prevalência das DCVs nas regiões mais vulneráveis, especialmente entre populações de baixa renda, confirma que fatores como a alimentação inadequada, o sedentarismo, o tabagismo e o alcoolismo, entre outros, são determinantes cruciais na evolução dessas doenças, tornando-as mais prevalentes nas camadas sociais mais desfavorecidas.
As desigualdades sociais são, sem dúvida, um dos principais elementos que exacerbam a incidência de DCVs no Brasil. A relação entre condições socioeconômicas desfavoráveis e a maior exposição a fatores de risco modificáveis, como o consumo excessivo de alimentos processados e a falta de acesso a serviços de saúde adequados, torna-se cada vez mais evidente. Além disso, a incapacidade do SUS de garantir acesso equitativo à atenção de saúde em todas as regiões do país, junto à escassez de programas eficazes de prevenção, contribui para o aumento das taxas de mortalidade. A falta de infraestrutura, associada ao preconceito racial e de classe, agrava ainda mais o quadro, levando as populações marginalizadas a um ciclo de adoecimento contínuo.
O papel dos fatores de risco modificáveis na incidência das DCVs é amplamente reconhecido. A adoção de hábitos de vida saudáveis, como a prática regular de atividades físicas e uma alimentação balanceada, pode reduzir substancialmente a mortalidade prematura associada a essas doenças. No entanto, para que tais mudanças aconteçam, é essencial uma abordagem que envolva não apenas o indivíduo, mas também políticas públicas que promovam a educação em saúde e a criação de ambientes favoráveis ao bem-estar. O enfrentamento do sedentarismo, o incentivo à alimentação saudável e o combate ao tabagismo precisam ser priorizados, especialmente nas populações mais vulneráveis.
Finalmente, as políticas públicas no Brasil ainda enfrentam grandes desafios na luta contra as doenças cardiovasculares. Para que os índices de mortalidade sejam reduzidos de forma eficaz, é imprescindível uma atuação mais integrada e focada nas desigualdades sociais que impactam diretamente a saúde cardiovascular. É necessário garantir o acesso universal e igualitário aos serviços de saúde, promover campanhas educativas mais eficazes e, principalmente, estruturar o SUS de maneira a atender as demandas de saúde cardiovascular de forma contínua e acessível. A implementação de estratégias de prevenção, aliada à melhoria das condições de vida das populações mais vulneráveis, é o caminho mais seguro para reduzir a carga de doenças cardiovasculares no Brasil e proporcionar uma saúde mais equânime para todos.
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