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Resumo
INTRODUÇÃO
Classificado como um transtorno de neurodesenvolvimento, o Transtorno de Atenção e Hiperatividade (TDAH) se manifesta por um padrão de sintomas como desatenção, impulsividade e metabolismo motor, geralmente percebidos ainda na infância (American Psychiatric Association, 2013). Associação, 2013). Esses sintomas comprometem significativamente o desempenho escolar, a regulação emocional e as relações sociais, exigindo intervenções multidimensionais para um manejo eficaz.
Nas últimas décadas, transformações tecnológicas remodelaram profundamente os hábitos cotidianos de crianças e adolescentes. A presença massiva de dispositivos digitais, como celulares e tablets, passou a integrar a rotina desde os primeiros anos de vida. Embora esses recursos possam facilitar o acesso ao conhecimento, seu uso excessivo e desregulado tem sido relacionado a prejuízos no funcionamento executivo e no equilíbrio emocional (Christakis, 2018; Gentile et al., 2017).
No contexto sul-americano, a realidade socioeconômica impõe desafios adicionais. A desigualdade de acesso à educação de qualidade, aliada à precariedade de políticas públicas voltadas ao uso consciente da tecnologia, amplia a vulnerabilidade de crianças com TDAH diante da hiperexposição digital (Ferreira e Gonçalves, 2021). Em muitos casos, dispositivos eletrônicos acabam sendo utilizados como forma de contenção comportamental, substituindo a mediação humana em contextos familiares sobrecarregados (Espinosa et al., 2022).
Diante desse cenário, este estudo busca compreender, a partir da literatura científica recente, como o uso de telas influencia a manifestação dos sintomas de TDAH na infância e adolescência sul-americanas. Pretende-se, assim, contribuir com subsídios teóricos e práticos que orientem intervenções clínicas, educacionais e políticas públicas culturalmente adequadas às realidades locais.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
O TDAH é reconhecido como um transtorno multifatorial, com bases genéticas, neurobiológicas e ambientais. Pesquisas em neuroimagem identificam alterações funcionais em áreas cerebrais como o córtex pré-frontal e os gânglios da base, responsáveis pelo controle inibitório e pela regulação da atenção (Barkley, 2015). No entanto, a expressão clínica do transtorno não se limita à dimensão biológica, sendo profundamente modulada por fatores ambientais.
Ambientes com pouca previsibilidade, falta de rotinas e práticas parentais inconsistentes podem acentuar sintomas de impulsividade e desatenção (Domingues-Montanari, 2017). Crianças que vivenciam estresse crônico, negligência ou ausência de suporte educacional adequado tendem a apresentar manifestações mais intensas do transtorno. Nesse sentido, o contexto social e familiar torna-se um eixo crucial na compreensão e no manejo do TDAH.
A introdução precoce e massiva de tecnologias digitais na vida das crianças trouxe uma nova camada de complexidade. Estudos sugerem que o uso frequente de telas, especialmente sem supervisão, pode interferir no desenvolvimento de habilidades executivas e na autorregulação emocional (López-Gil et al., 2021). A exposição a conteúdos rápidos, sensorialmente intensos e recompensadores — como jogos eletrônicos e vídeos curtos — tende a favorecer padrões de busca imediata de estímulo, dificultando o engajamento em atividades menos estimulantes, como tarefas escolares (Santos et al., 2021).
Além disso, a literatura tem apontado para o impacto negativo do uso noturno de dispositivos sobre a qualidade do sono. A luz azul emitida pelas telas suprime a produção de melatonina, interferindo no ciclo sono-vigília e, por consequência, no funcionamento atencional e comportamental diurno (García-García e Castro, 2021). Em crianças com TDAH, que já apresentam maior propensão a distúrbios do sono, esses efeitos são ainda mais significativos (Silva et al., 2022).
No cenário sul-americano, marcado por desigualdades estruturais, essas questões assumem contornos ainda mais delicados. A ausência de políticas públicas voltadas à educação digital, o déficit de suporte familiar e as limitações no acesso a serviços de saúde mental contribuem para a intensificação do problema (Moreira et al., 2023). Nesses contextos, é comum que a tecnologia seja percebida como ferramenta neutra de entretenimento, sem que haja uma mediação crítica sobre seus efeitos no desenvolvimento infantil.
METODOLOGIA
Este estudo adotou uma abordagem de revisão bibliográfica integrativa, com o objetivo de reunir, sistematizar e analisar criticamente produções científicas relacionadas à influência do uso de telas sobre os sintomas do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) em crianças e adolescentes da América do Sul. A escolha por essa abordagem deve-se à sua capacidade de integrar diferentes tipos de pesquisa e fornecer uma visão ampla e aprofundada do tema (Rodrigues e Cruz, 2022).
A coleta de dados ocorreu entre janeiro e março de 2025, utilizando quatro bases de dados científicas: SciELO, LILACS, PubMed e Google Scholar. Foram utilizados os descritores “TDAH”, “uso de telas”, “crianças”, “adolescentes” e “América do Sul”, combinados por meio dos operadores booleanos AND e OR, em três idiomas: português, espanhol e inglês. Essa estratégia buscou garantir abrangência e diversidade nas publicações analisadas.
Foram considerados elegíveis os artigos empíricos publicados entre os anos de 2012 e 2025, que abordassem diretamente a relação entre TDAH e o uso de dispositivos digitais em populações infanto-juvenis sul-americanas. Excluíram-se revisões teóricas, estudos com amostras exclusivamente adultas, artigos duplicados e publicações que não apresentavam dados primários.
Ao todo, 83 estudos foram inicialmente identificados. Após triagem por títulos, resumos e critérios de inclusão, 42 artigos compuseram a amostra final. A qualidade metodológica das publicações foi verificada por meio do checklist STROBE para estudos observacionais e da ferramenta CASP para análises qualitativas (Torres e Nunes, 2022). Os dados foram organizados em eixos temáticos para facilitar a síntese crítica e a comparação entre os achados.
RESULTADOS
A análise dos estudos selecionados permitiu identificar cinco categorias temáticas principais relacionadas aos impactos do uso de telas em crianças e adolescentes com TDAH na América do Sul:
Tempo de exposição e agravamento dos sintomas:
Cerca de 70% dos estudos indicaram que a exposição diária a telas por períodos superiores a três horas esteve significativamente associada ao aumento de comportamentos impulsivos, lapsos atencionais e dificuldades de regulação emocional (Almeida et al., 2020; Gentile et al., 2017). Crianças que utilizavam dispositivos sem supervisão adulta demonstraram maior propensão à agitação e baixa tolerância à frustração.
Conteúdo acessado e efeitos comportamentais:
O tipo de conteúdo acessado mostrou-se determinante para a qualidade da experiência digital. Vídeos de curta duração, jogos com recompensas instantâneas e narrativas violentas foram relacionados a níveis mais elevados de irritabilidade e desatenção (López-Gil et al., 2021). Por outro lado, conteúdos educativos, quando acompanhados por adultos, apresentaram efeitos positivos na estimulação cognitiva (Ramos et al., 2022).
Sono e funcionamento neurocomportamental:
Mais da metade dos estudos analisados ressaltou a influência negativa do uso noturno de telas na qualidade do sono. A exposição à luz azul alterou o ritmo circadiano, interferindo na produção de melatonina e gerando fadiga, oscilações de humor e dificuldades de concentração no dia seguinte (García-García e Castro, 2021; Silva et al., 2022).
Multitarefas digitais e distração:
A prática de uso simultâneo de múltiplas telas — televisão, celular e tablet — foi associada a uma maior dispersão atencional. As crianças apresentaram dificuldade para retomar atividades escolares após as interrupções digitais, o que comprometeu o desempenho acadêmico (Santos et al., 2021).
Intervenções tecnológicas e mediação:
Apesar dos riscos observados, alguns estudos destacaram que o uso planejado e orientado de recursos digitais pode beneficiar crianças com TDAH. Softwares educativos e jogos estruturados, integrados a estratégias pedagógicas ou terapêuticas, promoveram ganhos em engajamento e desenvolvimento de habilidades socioemocionais (Przybylski e Weinstein, 2019; Moreira et al., 2023).
DISCUSSÃO
Os resultados apontam para uma relação preocupante entre o uso excessivo e desregulado de dispositivos digitais e a intensificação dos sintomas de TDAH, especialmente em contextos de vulnerabilidade social. Esses achados corroboram a literatura internacional, mas ressaltam especificidades sul-americanas relacionadas à carência de políticas de mediação tecnológica e à sobrecarga familiar (Espinosa et al., 2022; Ferreira e Gonçalves, 2021).
A busca compulsiva por estímulos imediatos promovida por muitos conteúdos digitais reforça o padrão de impulsividade típico do TDAH. A natureza recompensadora dos jogos eletrônicos e vídeos rápidos ativa os mesmos circuitos dopaminérgicos envolvidos na regulação comportamental, o que dificulta a modulação da atenção e o controle das emoções (Barkley, 2015; Domingues-Montanari, 2017).
Além disso, a privação do sono associada ao uso noturno de telas afeta o funcionamento diurno de maneira significativa. Crianças com TDAH, já predispostas a dificuldades de sono, tendem a apresentar agravamento de seus sintomas em decorrência da interrupção do ciclo circadiano (García-García e Castro, 2021). Essa retroalimentação negativa reforça quadros de irritabilidade, fadiga e queda no desempenho escolar.
Por outro lado, os estudos também revelam que o uso consciente da tecnologia pode ser uma aliada, desde que inserido em propostas pedagógicas ou terapêuticas bem estruturadas. Ferramentas digitais que promovem desafios cognitivos, autorregulação e interação social supervisionada contribuem para o desenvolvimento global da criança (Ramos et al., 2022; Przybylski e Weinstein, 2019).
Cabe destacar que os estudos revisados evidenciam a ausência de políticas públicas robustas que orientem o uso de telas na infância. A falta de orientação sobre o conteúdo consumido, o tempo de exposição e a mediação adulta representa um dos principais entraves para a mitigação dos efeitos nocivos observados.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta revisão bibliográfica evidenciou a complexidade que envolve a relação entre o uso de telas e os sintomas do TDAH em crianças e adolescentes sul-americanos. Os dados analisados apontam para uma correlação significativa entre a superexposição digital e o agravamento de quadros de desatenção, impulsividade, irritabilidade e dificuldades emocionais.
No entanto, é essencial compreender que a tecnologia, por si só, não deve ser tratada como vilã. O impacto do seu uso está profundamente condicionado ao contexto em que é inserida, ao tipo de conteúdo consumido e ao grau de supervisão familiar e institucional. A ausência de políticas públicas voltadas à orientação digital, somada à desigualdade social, amplia os riscos à saúde mental infantojuvenil.
A análise dos estudos também revelou o potencial transformador da tecnologia quando usada de forma planejada e intencional. Plataformas educativas, jogos de estimulação cognitiva e recursos de auto regulação emocional podem ser ferramentas eficazes na promoção do desenvolvimento de crianças com TDAH.
Dessa forma, torna-se urgente o investimento em ações intersetoriais que envolvam saúde, educação e assistência social, com foco na promoção do letramento digital e no fortalecimento dos vínculos familiares. O uso de telas deve ser compreendido como parte de uma cultura contemporânea que exige mediação, senso crítico e suporte constante.
Para futuras pesquisas, recomenda-se a ampliação de estudos longitudinais que analisem o impacto do uso de telas em diferentes contextos socioeconômicos, considerando variáveis como gênero, faixa etária, qualidade do sono e suporte escolar. O entendimento dessa dinâmica contribuirá para práticas clínicas e políticas públicas mais eficazes e culturalmente adaptadas à realidade sul-americana.
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