Comunicação não violenta – uma abordagem transformadora para a escola da sociedade contemporânea

NONVIOLENT COMMUNICATION - A TRANSFORMATIVE FRAMEWORK FOR SCHOOLS IN CONTEMPORARY SOCIETY

COMUNICACIÓN NO VIOLENTA - UN MARCO TRANSFORMADOR PARA LAS ESCUELAS EN LA SOCIEDAD CONTEMPORÂNEA

Autor

Cristiane Fernandes Abitis
ORIENTADOR
Prof. José Ricardo Martins Machado

URL do Artigo

https://iiscientific.com/artigos/C574ED

DOI

Abitis, Cristiane Fernandes . Comunicação não violenta - uma abordagem transformadora para a escola da sociedade contemporânea. International Integralize Scientific. v 5, n 47, Maio/2025 ISSN/3085-654X

Resumo

Esse artigo propõe-se a refletir brevemente acerca da cultura de violência que consterna a sociedade contemporânea e como ela afeta as relações humanas e suas construções sociais, através das perspectivas de Minayo (2006), Zizek (2010) e Cappellari (2019). Diante desse cenário, essa revisão bibliográfica destaca a Comunicação Não Violenta (CNV) como ferramenta essencial para a transformação social, especialmente no ambiente escolar, que é um espaço de aprendizagem. A partir das contribuições teóricas de Rosenberg (2006, 2019), Morin (2011), Tuppy (2012), Amstutz (2012) e outros expoentes, o artigo discute os princípios da CNV, destacando seu potencial para a promoção da paz, da empatia e diálogo na resolução de conflitos, explorando sua aplicabilidade no ambiente escolar, elenca alguns desafios na utilização da CNV e ainda sugere práticas não violentas, evidenciando a necessidade de abordagens que transcendam a mera punição, priorizando o diálogo e a construção de relações saudáveis como caminhos para a superação da violência.
Palavras-chave
comunicação não violenta; práticas não violentas; resolução de conflitos.

Summary

This article proposes a brief reflection on the culture of violence that distresses contemporary society and how it affects human relationships and their social constructions, through the perspectives of Minayo (2006), Zizek (2010), and Cappellari (2019). Against this backdrop, this literature review highlights Nonviolent Communication (NVC) as an essential tool for social transformation, especially in the school environment, which is a space for learning. Based on the theoretical contributions of Rosenberg (2006, 2019), Morin (2011), Tuppy (2012), Amstutz (2012), and other exponents, the article discusses the principles of NVC, highlighting its potential for promoting peace, empathy, and dialogue in conflict resolution, exploring its applicability in the school environment, listing some challenges in the use of NVC, and also suggesting nonviolent practices, evidencing the need for approaches that transcend mere punishment, prioritizing dialogue and the construction of healthy relationships as paths to overcoming violence.
Keywords
nonviolent communication; nonviolent practices; conflict resolution.

Resumen

Este artículo se propone reflexionar brevemente acerca de la cultura de violencia que consterna a la sociedad contemporánea y cómo ella afecta las relaciones humanas y sus construcciones sociales, a través de las perspectivas de Minayo (2006), Zizek (2010) y Cappellari (2019). Ante este escenario, esta revisión bibliográfica destaca la Comunicación No Violenta (CNV) como herramienta esencial para la transformación social, especialmente en el ambiente escolar, que es un espacio de aprendizaje. A partir de las contribuciones teóricas de Rosenberg (2006, 2019), Morin (2011), Tuppy (2012), Amstutz (2012) y otros exponentes, el artículo discute los principios de la CNV, destacando su potencial para la promoción de la paz, de la empatía y el diálogo en la resolución de conflictos, explorando su aplicabilidad en el ambiente escolar, enumera algunos desafíos en la utilización de la CNV e incluso sugiere prácticas no violentas, evidenciando la necesidad de abordajes que trasciendan la mera punición, priorizando el diálogo y la construcción de relaciones saludables como caminos para la superación de la violencia.
Palavras-clave
comunicación no violenta; prácticas no violentas; resolución de conflitos.

INTRODUÇÃO 

A violência é um fenômeno social, resultado de um processo histórico que tem suas raízes entrelaçadas com a narrativa da humanidade, manifestando-se desde o princípio da civilização. Originada de aspectos biológicos, psicológicos, sociais e culturais, ela concretiza-se em experiências individuais e coletivas. No início da história humana, a violência apresentou-se como um mecanismo de defesa, acionada em situações de ameaça, mas ao passar dos séculos, foi concebida como um comportamento aprendido e reforçado por normas sociais e modelos de poder. Minayo (2006, p.12) define violência como “qualquer ação intencional, perpetrada por indivíduo, grupo, instituição, classes ou nações, dirigida a outrem, que cause prejuízos, danos físicos, sociais, psicológicos e (ou) espirituais”.

Na sociedade contemporânea, a violência se manifesta em diversas formas e afeta ativamente todas as construções de relações humanas de maneira profunda, corroendo a capacidade de diálogo, minando a empatia, dificultando a construção de laços saudáveis, gerando ciclos de trauma e perpetuando padrões destrutivos, visto sua capacidade de ampla reprodução. A violência nos relacionamentos pode se manifestar em diversas formas, como agressões físicas, verbais, psicológicas e pode ocorrer em qualquer grupo de convivência, seja familiar, amoroso, profissional ou social.

Além de afetar a sociedade de diversas formas, a violência “é resultado da sociabilidade humana” (Zizek, 2010, p.11), por isso ela existe onde o homem vive, ela está presente nas ruas, na cultura, nos conflitos interpessoais, na polarização política, nos discursos de ódio nas redes sociais, bem como nas instituições que compõem a estrutura social, tal qual a escola. 

Ao refletir sobre a influência do comportamento violento nas crianças, Cappellari (2019, p.28) alerta:

[…]se uma criança vive em um ambiente em que a tônica da comunicação é fundamentada em insultos, xingamentos, ameaças, acusações e humilhação, é por meio desses circuitos neuronais que o cérebro irá se desenvolver, assim, suas reações diante de conflitos e problemas tendem a reproduzir as vivências passadas desde a mais tenra idade, alimentando um ciclo de comunicação violenta. Dessa maneira, carregamos para a vida adulta comportamentos aprendidos desde cedo, princípios, valores, jeitos de falar e comunicar (Cappellari, 2019, p.28). 

Impulsionada pelo individualismo, a cultura de violência causa danos profundos aos relacionamentos, fragiliza a sociedade e demanda a busca por caminhos que cultivem a paz e a compreensão. Nesse contexto, a Comunicação Não Violenta (CNV) emerge como uma ferramenta fundamental para a construção de relações mais saudáveis e pacíficas, oferecendo alternativas para a resolução de conflitos e a promoção da compreensão mútua, empatia e tolerância.

Esse artigo é uma revisão bibliográfica que se propõe a refletir acerca da cultura da violência que assola a sociedade contemporânea e a urgência de resposta a essa agressão opressiva, como também elencar os princípios da Comunicação Não Violenta, justificando a relevância da CNV como uma ferramenta para promover a paz, a empatia e a compreensão mútua, principalmente no ambiente escolar. A pergunta de pesquisa que guia este estudo é: a CNV pode contribuir com a mudança da cultura de violência na escola e a construção de um ambiente de aprendizagem seguro e pacífico? O objetivo geral do estudo é: analisar a possível aplicação de uma abordagem não violenta na prática educacional e os objetivos específicos são: avaliar os benefícios da CNV no ambiente escolar, delinear os possíveis obstáculos à sua aplicação e apresentar sugestões de práticas para a resolução de conflitos.

 Para isso pretende-se utilizar como contribuição os estudos sobre violência de Minayo (2006), Zizek (2010) e Cappellari (2019), e os princípios de Comunicação Não Violenta (CNV) dos teóricos Rosenberg (2006, 2019), Morin (2011), Amstutz (2012), Tuppy (2012) e outros expoentes da área. Além disso, busca-se aplicar os princípios da CNV no ambiente escolar, destacando seus principais benefícios e os desafios para sua implementação nesse contexto específico. Para finalizar, o artigo conta com sugestões de práticas não violentas que podem ser aplicadas à sala de aula, a fim de proporcionar a construção de um ambiente seguro e pacífico. 

A VIOLÊNCIA ESTÁ NA ESCOLA, E AGORA?

Como a violência é resultado das relações humanas, “os atos violentos estão presentes na vida diária das pessoas, das famílias e das comunidades” (Minayo, 2006, p.13). Eles podem se manifestar de diversas formas. Essa multiplicidade de manifestações violentas exerce um impacto profundo nas estruturas sociais, corroendo a confiança, fragilizando os laços comunitários, fracionando diálogos e perpetuando ciclos de exclusão e marginalização. Acerca das manifestações da violência, Zizek (2010, p. 12) enumera algumas: “ danos físicos tais como: ferimentos, tortura, morte ou danos psíquicos, que produz humilhações, ameaças, ofensas”. 

A escola, como parte da sociedade, não está imune a essa cultura de violência. Ela pode se manifestar de diversas formas no ambiente escolar, desde o bullying e o cyberbullying até a violência física e verbal entre alunos, professores e funcionários. Além disso, a violência também pode se manifestar de forma indireta, através da exclusão, da discriminação e da falta de acesso a oportunidades iguais.

Em dezembro de 2024, o Ministério da Educação divulgou o Boletim Técnico “Escola que Protege: Dados sobre Violências nas Escolas”, elaborado por equipes técnicas do MEC, revelando um aumento nos registros de ataques violentos em ambientes escolares. Dados provenientes do Saeb e do Censo Escolar indicam uma correlação entre o aumento da violência escolar e fatores como: os aspectos socioeconômicos da violência no entorno das escolas, a criminalidade urbana, a escalada do extremismo, a ausência de controle sobre discursos e práticas de ódio, a exaltação da violência e a preparação inadequada dos profissionais para a gestão de conflitos. Além disso, o boletim destacou o bullying, a discriminação racial e de gênero como as formas de violência mais frequentes. Segundo o boletim:

No período de 2001 a 2018, ocorreram 10 ataques às escolas. A partir de 2019, no entanto, observamos um aumento significativo desses episódios de violência extrema. Com exceção ao ano de 2020, no qual as escolas permaneceram fechadas em razão da pandemia de Covid-19, todos os anos desde então tiveram ao menos dois ataques. O quadro se acentua gravemente em 2022 e 2023, período em que ocorreram 10 e 15 ataques, respectivamente. Apenas em 2023, nove pessoas morreram e 29 ficaram feridas em ataques violentos contra as escolas (…) esses episódios podem ser caracterizados como ataques intencionais e premeditados, direcionados ao ambiente e à comunidade escolar, atentando contra a vida e a integridade física das pessoas (Brasil, 2024, p.13).

Dentre as consequências da violência na escola, a evasão escolar, a indisciplina e o aumento do envolvimento de jovens em atividades criminosas surgem como desdobramentos alarmantes, perpetuando um ciclo vicioso de violência e exclusão que ecoa muito além dos muros da escola, afetando a sociedade como um todo. Contudo, ainda há os prejuízos na aprendizagem e no desenvolvimento das habilidades socioemocionais. O ambiente escolar, outrora espaço de aprendizado e crescimento, torna-se um palco de insegurança e medo, onde a concentração e o desenvolvimento são severamente comprometidos. A violência na escola não apenas prejudica o bem-estar dos alunos e profissionais, mas também compromete o processo de ensino-aprendizagem, criando um ambiente hostil e inseguro que impede o desenvolvimento pleno dos indivíduos. 

A partir desse cenário, é fundamental reconhecer a complexidade da violência e suas múltiplas manifestações, a fim de implementar estratégias eficazes para combatê-la e promover uma cultura de paz e respeito na sociedade como um todo, começando no ambiente escolar, afinal, a escola, para além de um espaço de transmissão de conhecimentos, configura-se como um ambiente crucial para o desenvolvimento de habilidades socioemocionais e aprendizado da convivência pacífica. É nesse espaço que os indivíduos têm a oportunidade de internalizar valores como respeito, empatia e diálogo, aprendendo a lidar com conflitos de forma construtiva e a construir relações interpessoais saudáveis. A escola, portanto, desempenha um papel fundamental na formação de cidadãos capazes de serem “não violentos”, cultivando uma cultura de paz e promovendo o bem-estar individual e coletivo. Sobre o papel fundamental da escola, Tuppy (2012) afirma que:

[…]enquanto território de convivência, a escola constitui-se como espaço privilegiado para o desenvolvimento de habilidades e competências socioemocionais que instrumentalizam os sujeitos para o exercício da empatia, do diálogo e da resolução pacífica de conflitos. Além disso, a Base Nacional Curricular Comum (BNCC) aponta para a necessidade do desenvolvimento de habilidades e competências socioemocionais junto aos estudantes, tal que a Educação, como instituição e processo, junto a toda rede escolar, pode ser um dos territórios promotores das relações humanas para a construção de uma cultura que verdadeiramente possa ter como valor central a responsabilidade e o respeito mútuo (Tuppy, 2012, p.9).

Diante dos desafios do cenário escolar atual, onde as punições tradicionais baseadas na coerção e no autoritarismo se mostram ineficazes, fazem-se necessárias novas abordagens para a gestão de conflitos e a promoção do bem-estar. Nesse contexto, a CNV oferece um conjunto de ferramentas poderosas para transformar a maneira como o ser humano se relaciona, oferecendo meios para promover a resolução pacífica de conflitos, contribuindo para o desenvolvimento da empatia e a construção de um ambiente escolar seguro e acolhedor, onde a paz e a colaboração são valores centrais. No capítulo a seguir apontam-se alguns dos princípios da CNV.

OS PRINCIPAIS PRINCÍPIOS DA COMUNICAÇÃO NÃO VIOLENTA

A Comunicação Não Violenta, desenvolvida pelo psicólogo Marshall Rosenberg, emerge como uma abordagem transformadora para a comunicação e resolução de conflitos, centrada na empatia e na conexão humana, em um mundo marcado pela violência e pela polarização. Os pilares fundamentais da CNV, delineados na obra de Rosenberg, são: observação, sentimentos, necessidades e pedidos. 

No primeiro passo da CNV, que é a observação, observa-se a situação conflituosa com clareza, de forma neutra e objetiva, sem julgamentos ou avaliações, descrevendo os fatos concretos, separados da interpretação que se tem da situação que aconteceu. Essa observação imparcial e acurada é a base para evitar mal-entendidos e para criar um espaço de diálogo aberto e franco. Em seguida, a CNV convida seus participantes a identificar e expressar os sentimentos que surgiram durante a observação, afinal, reconhecer as próprias emoções e as do outro é primordial para compreender as necessidades que se encontram por trás das palavras ou que sequer foram mencionadas. Muitas vezes, o ser humano tende a reprimir ou negar as emoções, o que, infelizmente, pode levar a comportamentos agressivos ou passivos-agressivos. Sentir é importante e saber o que se sente também é, pois, os sentimentos são indicativos de necessidades humanas. Ao identificar as necessidades subjacentes aos sentimentos, torna-se possível compreender e encontrar soluções que atendam a todos os envolvidos, em vez de polarizar a discussão em torno de quem tem razão. Por fim, após esse processo, a CNV propõe a formulação de pedidos claros e específicos, em linguagem positiva, que expressem o que deseja obter, em contraposição de exigências ou acusações. Os pedidos devem ser flexíveis e abertos ao diálogo, visando a construção de soluções colaborativas e conjuntas. Trata-se de expressar o que se deseja de forma respeitosa e aberta ao diálogo, reconhecendo que o outro tem o direito de dizer “não”.

Em contraste com as discussões permeadas por gritos, ofensas e soluções injustas, a CNV, integrando esses quatro componentes, emerge como um caminho promissor para a construção de relações mais saudáveis e pacíficas. Ao priorizar a empatia, a honestidade e a clareza na comunicação, a CNV oferece uma alternativa eficaz tanto no âmbito pessoal quanto social. Embora o tratamento não violento de conflitos não seja um comportamento espontâneo em uma sociedade que frequentemente valoriza discursos e ações violentas, ele representa uma habilidade aprendida e essencial para quem busca transformar os padrões de violência arraigados nos relacionamentos humanos.

Rosenberg (2006) refere-se a CNV como:

[…]uma abordagem específica da comunicação – falar e ouvir – que nos leva a nos entregarmos de coração, em que nos ligamos a nós mesmos e aos outros de maneira tal que permite que nossa compaixão natural floresça. Denomino essa abordagem Comunicação Não-Violenta, usando o termo “não-violência” na mesma acepção que lhe atribuía Gandhi – referindo-se a nosso estado compassivo natural quando a violência houver se afastado do coração. Embora possamos não considerar “violenta” a maneira de falarmos, nossas palavras, não raro induzem à mágoa e à dor, seja para os outros, seja para nós mesmos. Em algumas comunidades, o processo que estou descrevendo é conhecido como comunicação compassiva (Rosenberg, 2006, p. 21).

POSSÍVEIS DESAFIOS DA APLICAÇÃO DA CNV

Apesar de seu potencial para fomentar a empatia e solucionar conflitos, a CNV não é isenta de limitações. Partindo da premissa de Morin (2011, p. 82) de que “a comunicação não garante a compreensão”, identificam-se obstáculos à efetivação da CNV. Entre eles, destacam-se a indiferença, o egocentrismo e um conjunto de valores enraizados na sociedade hodierna. A experimentação prática é crucial para que os envolvidos no aprendizado avaliem criticamente a pertinência de suas ações, considerando a influência do contexto social, das características dos alunos, do engajamento com o conceito e de outros elementos que moldam a prática. Essa análise aprofundada é fundamental para uma compreensão e aplicação eficaz da abordagem.

Dentre às críticas a CNV, destaca-se a percepção que alguns fazem da teoria como excessivamente idealista e ingênua, argumentando que a empatia e a busca por soluções que atendam às necessidades de todos os envolvidos pode ser impraticável em situações de conflito intenso ou com pessoas que não estão dispostas ao diálogo, especialmente pela internalização de uma cultura de violência no próprio cerne do ser humano. Tendo em vista o exposto, Tuppy (2012, p.11) reflete: “como mudar um padrão relacional de dominação, punição e culpabilização, intimidação e desqualificação para um de relacionamentos parceiros, colaborativos e confiáveis”?  A CNV, nesse caso, pode ser vista como ineficaz ou até mesmo como uma forma de ingenuidade diante da realidade da violência e do poder.

Além disso, a CNV recebe críticas por sua priorização da responsabilidade individual, negligenciando as dimensões estruturais da violência. A declaração de Rosenberg (2019, p. 79) de que “nossos sentimentos resultam de como escolhemos receber o que os outros dizem e fazem” atribui ao indivíduo a autonomia sobre sua resposta a ações externas, que podem ser inclusive violentas, devido ao cenário social que é caracterizado por desigualdades de poder e injustiças. Mas, afinal, “uma andorinha só faz verão? ” Será que, se um indivíduo praticante da CNV for exposto a ações de violência de terceiros, uma atitude não violenta é suficiente para sobrepor a cultura de agressividade a ponto de modificá-la? Nesse sentido, a CNV pode ser vista como uma ferramenta insuficiente para a transformação social, se não for acompanhada de ações que visem a mudança das estruturas que perpetuam a violência.

Por fim, a CNV requer prática e autoconhecimento. A aplicação eficaz da CNV demanda a capacidade de observar sem julgar, de identificar e expressar sentimentos e necessidades, e de formular pedidos claros e específicos. Essas habilidades podem ser difíceis de desenvolver, especialmente em situações de estresse ou conflito. Tanto para o aluno, quanto para os professores, é uma maneira totalmente nova de lidar com conflitos pré-existentes. Principalmente, se o docente não tiver formação adequada. Segundo o Boletim Técnico “Escola que Protege: Dados sobre Violências nas Escolas”,

A formação continuada dos profissionais de educação é uma etapa fundamental para a implementação da CNV. (…). A formação inclui também a implementação de práticas de reconhecimento e valorização da diversidade, de acolhimento e de respeito mútuo entre os membros da comunidade escolar, por meio de práticas restaurativas, de gestão democrática e participativa, de mediação de conflitos, e de atuação na resposta e reconstrução de escolas afetadas por violência extrema (Brasil, 2024, p. 19).

Apesar dessas críticas e limitações, a CNV continua sendo uma ferramenta valiosa para a promoção da paz e da compreensão mútua. É importante reconhecer suas limitações e aplicá-la de forma crítica e reflexiva, levando em conta o contexto específico e as necessidades de cada situação.

A CNV NA ESCOLA E PRÁTICAS APLICÁVEIS NO AMBIENTE ESCOLAR

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) estabelece as competências socioemocionais como um dos dez eixos a serem desenvolvidos na Educação Infantil e no Ensino Fundamental, incluindo:

Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro e aos direitos humanos, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, suas identidades, suas culturas e suas potencialidades, sem preconceitos de qualquer natureza (Brasil, 2017, p. 10). 

Visando estimular as competências socioemocionais e contemplar o eixo supracitado, sugere-se a aplicação de Círculos de Diálogo, Assembleias e Roda de conversas nas salas ou mais amplamente, entre turmas, a fim de que os próprios alunos possam ter voz e falar honestamente sobre os problemas, evitando críticas e julgamentos e, buscar soluções que atendam a todos, incluindo as necessidades e sentimentos de cada integrante. Nos Círculos de Diálogos e nas rodas de conversa faz-se uso da escuta ativa, a identificação e expressão dos sentimentos, a observação neutra sem julgamentos, além de estimular o uso consciente das palavras e ações para se comunicarem de forma assertiva, valorizando o diálogo com pedidos claros e específicos. 

Por meio do diálogo e da empatia, a Comunicação Não Violenta fomenta um ambiente escolar mais pacífico e inclusivo. Ao promover a escuta atenta e a expressão honesta de sentimentos e necessidades, a CNV oferece ferramentas para lidar com conflitos de forma construtiva, transformando a dinâmica das relações interpessoais no espaço escolar. Com a estruturação da comunicação em torno da observação neutra, da identificação de sentimentos e necessidades, e da formulação de pedidos claros, a CNV capacita a comunidade escolar a lidar com situações violentas e conflituosas de forma pacífica e empática. 

Em suma, são exemplos de atitudes que fomentam a CNV: a observação neutra, a expressão de necessidades, pedidos claros e escuta empática. Todas essas ações podem ser aplicadas nos círculos de diálogos, rodas de conversa e assembleia em diversos momentos da prática escolar, para promover a conversa e a reflexão sobre temas como bullying, discriminação e respeito, além de serem utilizados para resolver conflitos, construir relações e celebrar conquistas.

 No combate ao bullying, por exemplo, a CNV oferece um caminho para que vítimas e agressores se conectem, desconstruindo a dinâmica de poder e violência, buscando soluções que contemplem a todos os envolvidos. Em contraposição a punições que isolam e marcam, a mediação pela CNV promove uma responsabilização que educa e transforma, possibilitando aos envolvidos expressar o efeito de seus atos e buscar a reparação e a reconciliação. Dessa forma, segundo Amstutz (2012, p. 61) os alunos podem “aprender a identificar suas emoções e a gerenciá-las adequadamente, desse modo, conseguem aprender a apreciar, afirmar e iniciar um comportamento que mostre consideração pelo outro”. A CNV, portanto, possibilita romper com a visão de erro como punição, uma vez que suas práticas reconhecem os conflitos como valiosas oportunidades pedagógicas, concentrando-se em “ajudar os alunos a compreenderem o verdadeiro dano causado por suas ações, a assumirem a responsabilidade por tal comportamento, e a se comprometerem a mudar para melhor” (Amstutz, 2012, p. 40). 

A indisciplina, frequentemente tratada como um problema individual e com medidas punitivas, é vista pela CNV como um sinal de necessidades não atendidas. Ao invés de rotular os alunos como “problemas” e do uso de punições e repreensões, a CNV convida os educadores a investigar as causas subjacentes da indisciplina, buscando compreender os sentimentos e necessidades dos alunos. Essa abordagem permite a criação de estratégias personalizadas que atendam às necessidades individuais, promovendo o bem-estar de todos e o aprendizado- já que a indisciplina afeta diretamente a aprendizagem prejudicando-a e o não desenvolvimento das competências socioemocionais tornando o ambiente inseguro.

Além do bullying e da indisciplina, a CNV pode ser aplicada em diversos outros conflitos escolares, como desentendimentos entre alunos, discussões entre professores e alunos, e situações de discriminação e preconceito. Ao invés de reações impulsivas e estressantes, ao promover o diálogo aberto e a escuta empática, a CNV contribui para a construção de um ambiente escolar mais acolhedor e inclusivo e seguro, promovendo a valorização e o respeito mútuo. A mediação de conflitos com CNV empodera os alunos a resolverem seus próprios conflitos de forma pacífica e construtiva, desenvolvendo habilidades de negociação e colaboração. Sobre a CNV e a linguagem utilizada, Rosenberg (2019) afirma:

A CNV nos ajuda a reformular a maneira pela qual nos expressamos e ouvimos os outros. Nossas palavras, em vez de serem reações repetitivas e automáticas, tornam-se respostas conscientes, firmemente baseadas na consciência do que estamos percebendo, sentindo e desejando. Somos levados a nos expressar com honestidade e clareza, ao mesmo tempo que damos aos outros uma atenção respeitosa e empática. Em toda troca, acabamos escutando nossas necessidades mais profundas e as dos outros. A CNV nos ensina a observarmos cuidadosamente (e sermos capazes de identificar) os comportamentos e as condições que estão nos afetando. Aprendemos a identificar e a articular claramente o que de fato desejamos em determinada situação. A forma é simples, mas profundamente transformadora. À medida que a CNV substitui nossos velhos padrões de defesa, recuo ou ataque diante de julgamentos e críticas, vamos percebendo a nós e aos outros, assim como nossas intenções e relacionamentos, por um enfoque novo. A resistência, a postura defensiva e as reações violentas são minimizadas. Quando nos concentramos em tornar mais claro o que o outro está observando, sentindo e necessitando em vez de diagnosticar e julgar, descobrimos a profundidade de nossa própria compaixão. Pela ênfase em escutar profundamente – a nós e aos outros -, a CNV promove o respeito, a atenção e a empatia e gera o mútuo desejo de nos entregarmos de coração (Rosenberg, 2019, p. 76).

Outra prática da CNV que é recomendada no ambiente escolar é a comunicação voltada para conexão. Em vez de proibições autoritárias e arbitrárias, pedidos claros, específicos e justificados podem aprimorar a comunicação e reduzir a indisciplina e a desobediência. Utilize linguagem positiva (diga o que se quer e não o que é proibido, por exemplo: em vez de dizer “Não grite!”, pedir “Por favor, você poderia falar mais baixo?” Ou ainda, explique o motivo do pedido. Ao invés de dizer “Não faça barulho”, experimente acrescentar o porquê, “Fale mais baixo pois assim eu me sinto mais respeitado”.  Dessa forma aumenta-se a probabilidade de colaboração. Rosenberg (2019) explica: 

Esse propósito de conseguirmos o que queremos dos outros – ou de levá-los a fazer o que desejamos – ameaça sua autonomia, seu direito de escolha do que querem fazer. E, sempre que acham que não estão livres para escolher, a probabilidade é que as pessoas resistam, mesmo que vejam o objetivo por trás do que pedimos e, em geral, estejam dispostas a fazer aquilo. A necessidade de proteger nossa autonomia é tão forte que, quando vemos que alguém tem essa determinação de propósito, que age como se achasse que sabe o que é melhor para nós sem nos permitir escolher como nos comportaremos, nossa resistência é estimulada. O tipo de comunicação voltado para a criação da qualidade de conexão necessária para satisfazer as necessidades de todos é bem diferente do usado em formas coercitivas. (…). Temos que ser capazes de dizer a nossos filhos se o que estão fazendo está em harmonia ou em conflito com as nossas necessidades, mas de maneira a não estimular culpa nem vergonha (Rosenberg, 2019, p. 76).

Uma prática inspirada na CNV que também pode contribuir para construção de um ambiente acolhedor é o reconhecimento e identificação dos sentimentos. Ter oportunidades para expressar o que se sente deve ser prática comum na escola. Para isso, faz-se necessário a elaboração de um vocabulário para sentimentos. Incentive a identificação e a expressão de sentimentos sem culpa, promovendo a comunicação direta como pedidos, não exigências. Em vez de dizer “Você sempre me irrita!”, aprender a dizer “Quando você pega minhas coisas sem pedir, me sinto frustrado porque preciso delas para fazer meu trabalho.” Essa ação promove a honestidade e a clareza na comunicação e diminui a probabilidade de conflitos por mal-entendidos.  Sobre a expressão dos sentimentos é possível afirmar que:

O processo da CNV mostra como expressar sem disfarces quem somos e o que está vivo dentro de nós – sem qualquer crítica ou análise externa que insinue que o que sentimos está errado. O processo se baseia na suposição de que qualquer coisa que os outros ouçam de nós que soe como uma análise ou crítica (ou que leve a um erro de interpretação por parte deles) nos impede de estabelecer a conexão que nos permite contribuir voluntariamente para o bem-estar uns dos outros (Rosenberg, 2019, p. 11).

Ainda é possível citar como práticas necessárias à fomentação de um ambiente de aprendizagem não violento a criação de Círculos de Construção de Paz para fortalecer os laços entre os membros da comunidade escolar, celebrar conquistas e planejar ações para a melhoria do ambiente escolar; o estímulo de feedbacks positivos, fazendo elogios e reconhecimentos construtivos quando conflitos forem resolvidos pacificamente, a fim de motivar e fortalecer as práticas da CNV; também o estímulo do autoconhecimento, incentivando que professores e alunos reflitam sobre seus sentimentos e comportamentos para desenvolver a capacidade de autogestão emocional. 

Utilizar jogos cooperativos e dinâmicas lúdicas podem tornar o aprendizado da CNV mais lúdico e divertido, além de facilitar a compreensão dos conceitos da CNV de forma prática e vivencial. A integração da CNV no Currículo, a formação continuada para professores e funcionários para que possam aplicar os princípios e práticas em seu dia a dia, a parceria com a família, criação de comunidades de apoio são ações fundamentais para a aplicabilidade e eficácia das práticas da CNV no dia a dia escolar.

É fundamental o compromisso de toda a comunidade escolar para a implementação da CNV na escola. Professores, alunos, funcionários e pais precisam ser treinados nos princípios e práticas da CNV, aprendendo a comunicar de forma empática e a resolver conflitos de maneira pacífica. Ao implementar essas práticas, a escola torna-se um espaço de aprendizado e transformação, onde a paz e a justiça são construídas diariamente e juntamente com um ambiente mais acolhedor, respeitoso e propício ao desenvolvimento integral dos alunos, tanto no âmbito acadêmico quanto socioemocional. É um processo contínuo que requer paciência, prática e o comprometimento de toda a comunidade escolar.

A CNV não é uma solução mágica para todos os problemas escolares, mas oferece um caminho para a construção de um ambiente mais humano e acolhedor. Por meio da priorização da empatia, do diálogo e da busca por soluções colaborativas, a CNV auxilia na formação de cidadãos mais conscientes, responsáveis e pacíficos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após as leituras para elaboração desse artigo, conclui-se que a violência está presente nas relações sociais e por consequência, na escola. Visto isso, a Comunicação Não Violenta (CNV) emerge como ferramenta crucial para a transformação social, especialmente no ambiente escolar, que é o local onde ocorrem as aprendizagens sistematizadas. Este estudo, ao explorar os princípios da CNV e práticas aplicáveis ao ambiente escolar, evidenciou o potencial da CNV na construção de relações mais empáticas, pacíficas e justas.

Os principais achados deste artigo revelam que a CNV, quando aplicada no contexto escolar, contribui para a redução da violência, a promoção do diálogo e a construção de uma cultura de paz. Ao oferecer ferramentas para a resolução de conflitos de forma colaborativa e para escuta honesta, sem julgamentos, a CNV possibilita a criação de um ambiente escolar propício ao desenvolvimento das habilidades socioemocionais, mais acolhedor, seguro, onde todos se sentem valorizados e respeitados.

Recomenda-se que pesquisas futuras explorem a aplicação da CNV em diferentes contextos escolares, avaliando sua eficácia e identificando os fatores que facilitam sua implementação e supere os desafios aqui apresentados.  Além disso, é fundamental investir na formação continuada de educadores e na criação de projetos que promovam a cultura de paz nas escolas. O intuito foi de transpor esses princípios teóricos para a prática educacional na escola, de forma a fazer com que CNV e suas práticas tornem-se vivências no cotidiano escolar, na prática docente e na sociedade.

Fortalecendo o diálogo e a empatia, a CNV auxilia na construção de um mundo mais pacífico e justo. A escola, como espaço de formação de cidadãos, desempenha um papel fundamental nesse processo, ao cultivar valores como respeito, tolerância e solidariedade. Ao adotar a CNV como ferramenta pedagógica, a escola se torna um agente de transformação social, preparando os alunos para construir um futuro mais humano e harmonioso.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMSTUTZ, Lorraine Stutzmann. Disciplina Restaurativa para Escolas. São Paulo: Palas Athena, 2012.

BRASIL, Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2017.

BRASIL, Ministério da Educação. Boletim Técnico: Escola que Protege. MEC, 2024. Disponível em: https://www.gov.br/mec/pt-br/escola-que-protege/BOLETIMdadossobreviolenciasnasescolas.pdf Acesso em: 29 mar. 2025.

CAPPELLARI, Jéferson. O despertar do coração Girafa: Praticando a linguagem do cuidado à luz da Comunicação Não Violenta. Curitiba: Santhiago Edições, 2019.

MINAYO, M. C. S. Violência e saúde. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2006.

MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez, 2011.

ROSENBERG, Marshall. Comunicação não-violenta: técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais. São Paulo: Ágora, 2006.

ROSENBERG, Marshall. Comunicação Não Violenta: Técnicas para Aprimorar Seus Relacionamentos Pessoais e Profissionais. Rio de Janeiro: Sextante, 2019.

TUPPY, Vivi. Disciplina Restaurativa para Escolas. São Paulo: Palas Athena, 2012.

ZIZEK, Slavoj. A violência. São Paulo: Bomtempo, 2010.

Abitis, Cristiane Fernandes . Comunicação não violenta - uma abordagem transformadora para a escola da sociedade contemporânea.International Integralize Scientific. v 5, n 47, Maio/2025 ISSN/3085-654X

Referencias

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Clinical infectious diseases.
v. 67
n. 7
p. 1208-1216,
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Disponível em: https://academic.oup.com/cid/article/67/7/1208/6141108.
Acesso em: 2024-09-03.

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Edição

v. 5
n. 47
Comunicação não violenta – uma abordagem transformadora para a escola da sociedade contemporânea

Área do Conhecimento

Os desafios da concessão do benefício de prestação continuada às pessoas com deficiência e idosa: Burocracia, avaliação e inclusão social
vulnerabilidade social; acesso ao benefício; pessoas idosas; deficiência; cidadania.
Bullying: Desafios e dificuldades na aprendizagem de vítimas no ambiente escolar
bullying; violência; escola.
Violência institucional e interseccionalidade: Quando o estado também violenta
violência institucional; racismo estrutural; exclusão social.
Violência contra a mulher como expressão histórica das relações de poder: Genealogia, estrutura e permanências
Justiça de gênero; Violência institucional; Patriarcado.
Políticas públicas e resistência feminina: enfrentamentos, limites e potencialidades
solidariedade feminina; resistência coletiva; violência de gênero.
A naturalização da violência: Cultura, mídia e o imaginário coletivo sobre a mulher
violência simbólica; mídia; gênero.

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